“O Sudão enfrenta uma das piores crises que o mundo já viu em décadas”

Christos Christou, presidente internacional de Médicos Sem Fronteiras, faz apelo para aumento urgente da resposta humanitária no país.

O Sudão enfrenta uma das piores crises que o mundo já viu em décadas. Há níveis extremos de sofrimento em todo o país, as necessidades estão crescendo a cada dia, mas a resposta humanitária é profundamente inadequada.

Respondemos a vários eventos com fluxo de vítimas em massa e emergências no ano passado. Realizamos procedimentos cirúrgicos que salvam vidas, ajudamos mulheres a dar à luz – inclusive com cesarianas de emergência – e tratamos crianças em nossas enfermarias pediátricas e centros de nutrição terapêutica intensiva, na tentativa de salvar suas vidas.

Em acampamentos de refugiados e locais que abrigam pessoas deslocadas, melhoramos as condições de água e saneamento, administramos clínicas móveis e vacinamos crianças. Mas em muitas das áreas onde trabalhamos, somos a única organização humanitária. Antes do início da guerra, havia dezenas de organizações internacionais respondendo em todo o país. Agora, há quase nenhuma. Para uma crise dessa escala, isso é incompreensível, inaceitável e não se pode permitir que essa situação continue.

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Não há dúvida de que existem enormes desafios no Sudão, mas eles não são intransponíveis. É possível responder – e sabemos disso, porque estamos lá. Uma questão importante é o bloqueio sistemático do fornecimento de assistência humanitária que foi imposto pelas Forças Armadas Sudanesas nos últimos seis meses. Isso significa que não podemos enviar suprimentos médicos ou profissionais através das linhas de frente para áreas controladas pelas Forças de Apoio Rápido e, recentemente, temos visto tentativas crescentes de bloquear a passagem de suprimentos humanitários e profissionais de países vizinhos para o Sudão.

Muitas de nossas instalações estão perigosamente com poucos suprimentos – no Hospital Turco de Cartum, por exemplo, temos apenas 20% de estoque restante. Já ficamos sem artesunato, que é essencial para o tratamento da malária.

Pacientes estão morrendo devido a ferimentos relacionados à violência e a doenças evitáveis, as crianças estão morrendo devido à desnutrição.”
– Christos Christou, presidente internacional de Médicos Sem Fronteiras.

O bloqueio equivale a uma obstrução deliberada do fornecimento de assistência humanitária e está tendo um impacto devastador na vida de milhões de pessoas em todo o país. Apenas de 20% a 30% das unidades de saúde permanecem funcionais no Sudão. Sem suprimentos chegando a essas instalações, o acesso das pessoas a tratamento quando necessário está se tornando ainda mais limitado.

Pacientes estão morrendo devido a ferimentos relacionados à violência e a doenças evitáveis, as crianças estão morrendo devido à desnutrição. As vacinas estão acabando, e já houve surtos de doenças mortais, como cólera e sarampo.

Profissional de MSF examina criança para desnutrição no acampamento de Zamzam, em Darfur do Norte. Fevereiro de 2024. Sudão. © Mohamed Zakaria

Um exemplo é a crise catastrófica de desnutrição no acampamento de Zamzam, em Darfur do Norte, onde não há distribuição de alimentos do Programa Alimentar Mundial (PAM) desde maio de 2023. Das crianças que examinamos em uma avaliação rápida em janeiro, 25% foram diagnosticadas com desnutrição aguda – 7% eram casos graves. Entre as mulheres grávidas e lactantes, 40% estavam com desnutrição. Além disso, havia uma taxa de mortalidade devastadora em todo o acampamento, de 2,5 mortes por 10 mil pessoas diariamente.

Esses números são extremamente alarmantes, e acreditamos que a situação vai se agravar. Há também previsões extremamente preocupantes de insegurança alimentar para o restante do país.

Esse nível de negligência internacional é chocante.”
– Christos Christou, presidente internacional de Médicos Sem Fronteiras.

Em fevereiro, pedimos urgentemente uma ampliação imediata, coordenada e rápida da resposta humanitária em Darfur do Norte – liderada pela Organização das Nações Unidas (ONU) – para salvar vidas. Pedimos que as distribuições de alimentos fossem retomadas com urgência. Pedimos distribuições de dinheiro para que as pessoas pudessem comprar comida nos mercados. Pedimos que os profissionais de saúde retornassem e fornecessem tratamento. E pedimos o fornecimento de água limpa para que as pessoas não precisassem mais ir aos pântanos e rios para saciar sua sede. Mas ninguém veio e, dois meses depois, ficamos quase completamente sozinhos na região.

Isso é inaceitável e esse nível de negligência internacional é chocante. Em todo o Sudão, as mulheres estão morrendo por causa de complicações durante a gravidez ou no parto, e os pacientes com doenças crônicas estão morrendo porque estão ficando sem medicação. Tudo isso pode ser evitado se os atores humanitários aumentarem e tiverem acesso seguro suficiente.

O presidente internacional de MSF, Christos Christou, fala com a equipe cirúrgica em uma das duas salas de cirurgia dentro do hospital inflável de MSF em Adré, criado para atender o grande fluxo de pessoas feridas que fogem da guerra no Sudão. Março de 2024. Chade. © Laora Vigourt/MSF

As vastas necessidades, as atrocidades conhecidas que estão sendo cometidas – essas são todas as razões pelas quais instamos a ONU e as organizações humanitárias a redobrarem os seus esforços para prestar assistência às pessoas no Sudão.

Atravessamos um contexto extremamente inseguro para oferecer assistência médica. É fundamental que as partes em conflito cumpram o Direito Internacional Humanitário e as resoluções humanitárias do acordo de Jeddah que assinaram em maio do ano passado para proteger os civis e garantir o acesso humanitário seguro a todas as áreas do Sudão, o que inclui o fim do bloqueio com urgência, a abertura das fronteiras e dos aeroportos.

Pedimos que a ONU use sua influência e liderança nesta crise para garantir que as partes em conflito cumpram essas obrigações e para iniciar uma rápida ampliação da resposta humanitária com urgência. Também pedimos às instituições doadoras que aumentem o financiamento para a resposta humanitária no Sudão. Sem esses três compromissos essenciais, uma resposta humanitária na escala necessária para evitar que essa crise colossal se deteriore ainda mais não será possível.

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