Sudão: “A guerra não trouxe nada além de destruição e separação de famílias”

Conflitos aumentam na cidade de Wad Madani, causando o deslocamento de mais de meio milhão de pessoas.

© Fais Abubakr

Em 15 de dezembro, o grupo Forças de Apoio Rápido lançou um ataque na cidade de Wad Madani, no Sudão, e assumiu o controle de várias outras cidades e áreas no estado de Al Jazirah em poucos dias. Desde então, mais de meio milhão de pessoas fugiram dos conflitos e da insegurança que se seguiram no estado. Entre elas, 234 mil pessoas que já haviam fugido de Cartum, capital do país, em busca de refúgio na região.

• Leia também: estudo de MSF revela a escala e a intensidade da violência étnica no Sudão

O caos que se instalou após a evolução do conflito, a grave insegurança e a violência generalizada criaram um ambiente no qual Médicos Sem Fronteiras (MSF) não pôde mais atuar em Wad Madani. Tivemos que suspender todas as atividades e evacuar nossa equipe da cidade em 19 de dezembro.

Aqui, compartilhamos as histórias de três pacientes atendidos em Wad Madani pouco antes da nova onda de violência e dos consequentes deslocamentos em massa. Confira:

A guerra não trouxe nada além de destruição e separação de famílias.”
– Al Bakri Al Taher Malik

Al Bakri planejava voltar para casa, em Cartum, quando a guerra acabasse. © Fais Abubakr

“A guerra não trouxe nada além de destruição e separação de famílias. Perdemos nossa casa e nossa cidade, Cartum”, lamenta Al Bakri Al Taher Malik, que morava em Al Engaz, no sul de Cartum.

“Escapei da morte duas vezes: na primeira vez, tive um ferimento à bala. Na segunda, me feri com estilhaços devido a um bombardeio de aviões. Portanto, decidi deixar Cartum para receber tratamento, por conta dos desafios para chegar ao centro [de saúde] mais próximo.”

“Perdi meu sobrinho. Ele morreu no primeiro dia do Ramadã em um bombardeio. O corpo dele foi dividido em três partes. Meu sobrinho estava fazendo ablução [um ritual de purificação] para ir à mesquita quando morreu em frente à porta de sua casa. Outras três pessoas morreram em frente à mesquita.”

“Tenho três filhos e estou preocupado com a educação deles, que foi interrompida pela guerra. Não consigo atender às necessidades deles devido às difíceis circunstâncias econômicas.”

Quando Al Bakri conversou com nossa equipe, no início de dezembro de 2023, ele mal podia esperar para voltar para casa em Cartum. “Estou esperando o dia em que o fim da guerra seja declarado. Mesmo que eu não tenha nada para voltar para casa, irei, mesmo que tenha que andar a pé”, disse ele na ocasião.

Em 17 de dezembro, o conflito eclodiu em Wad Madani. Albakri teve que sair novamente. Ele fez uma viagem de três dias de volta para Cartum. Albakri sente dor por causa de suas lesões, particularmente no inverno.

Não tenho perspectiva de voltar para Cartum por causa da enorme destruição que ocorreu lá.”
– Souad Abdullah

Souad Abdullah fez uma viagem que durou três dias. © Fais Abubakr

“Vim de Mayo, no sul de Cartum, para Wad Madani, em uma jornada de três dias, em um ‘caro’ [um carrinho de madeira conduzido por um animal] junto com meus seis filhos”, contou Souad Abdullah. Ela estava grávida de cinco meses na época.

“Quando chegamos aqui, estávamos sofrendo. Não havia banheiros, água, comida ou água potável. Então as organizações [humanitárias] chegaram e ajudaram, nos fornecendo água, sabão e baldes, e nossas condições melhoraram um pouco.”

“MSF nos forneceu cuidados desde o início, pois as crianças sofriam de insolação. Eles [os profissionais de MSF] também me deram assistência no parto da minha filhinha e fizeram o seu melhor.”

“Não tenho perspectiva de voltar para Cartum por causa da enorme destruição que ocorreu lá, assim como a demolição de instituições e hospitais.”

“Não quero que meus filhos passem pelo que passamos.”
– Marry Monga

Marry Monga saiu de Cartum, onde viveu durante toda a vida. © Fais Abubakr

Marry Monga saiu de Cartum e chegou em Wad Madani em 15 de maio de 2023. “Esta é a minha primeira vez aqui em Wad Madani. Eu vivi toda a minha vida em Cartum, desde o meu nascimento até me casar, e dei à luz meus filhos lá.”

“A situação aqui é muito caótica. Meu bebê tem 1 mês de vida e não parece ter esse tempo, porque eu não tenho leite [para amamentá-lo].”

“Não há [oportunidades de] educação ou alimentação saudável aqui, não há um ambiente controlado para cuidar das crianças, também não há um ambiente saudável devido à aglomeração de pessoas. Essa situação causa doenças como cólera e condições infecciosas.”

“Precisamos de ajuda como a entrega de sabão para que as crianças não fiquem sujas. Desde que chegamos aqui, estamos sofrendo com a escassez de assistência e recursos. Ao contrário de Cartum, onde tivemos uma vida em que costumávamos trabalhar e suprir nossas necessidades.”

“Não há apoio ou mesmo dinheiro suficiente para comprar uma refeição. Meu filho está doente e só posso obter tratamento por meio das organizações.”

“Quando penso no futuro, quero que meus filhos recebam educação. Não quero que meus filhos passem pelo que passamos. Antes, podíamos cuidar dos nossos filhos, dos seus estudos, em um ambiente saudável. Hoje em dia, vivemos na rua.”

 

 

 

 

 

 

 

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