Seis meses de guerra e negligência no Sudão representam “fracasso catastrófico da humanidade”

MSF pede urgentemente aumento dos esforços humanitários para atender às necessidades das pessoas no país.

Ataques em Cartum, capital do Sudão, em maio de 2023. © Atsuhiko Ochiai/MSF

Seis meses após o início da guerra no Sudão, a vida das pessoas ainda está em perigo, direta e indiretamente, devido a bombardeios, ataques e tiroteios. A equipe de saúde e os voluntários sudaneses estão lutando para responder às necessidades médicas das pessoas, enquanto o sistema de saúde do país está à beira do colapso.
As equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) têm testemunhado a vergonhosa ausência de organizações humanitárias trabalhando no país. Nas áreas onde a assistência está sendo fornecida, a resposta é insuficiente para as enormes necessidades das pessoas. MSF está pedindo um aumento imediato nos esforços humanitários.

“A crise do Sudão simboliza um fracasso catastrófico da humanidade, marcado pelo fracasso das partes em conflito em proteger os civis ou facilitar o acesso humanitário essencial e pela negligência e falhas das organizações internacionais em fornecer uma resposta adequada”, diz Christos Christou, presidente internacional de MSF.

“Sem o aumento imediato e substancial da resposta humanitária, o que estamos testemunhando agora será o início de uma tragédia ainda maior – o que significa que mais pessoas continuarão a morrer desnecessariamente”, ele completa.

Número de feridos em estado grave é alto

Em todo o Sudão, o frágil sistema de saúde está lutando: as salas de emergência estão congestionadas e muitos hospitais fecharam completamente. Na capital do país, Cartum, equipes médicas de MSF estão testemunhando um dos conflitos urbanos mais intensos que ocorrem atualmente em todo o mundo. Muitas pessoas chegaram aos hospitais com ferimentos fatais, muitas vezes deixando a equipe médica sem escolha a não ser a amputação.

Tanto em Cartum quanto em Darfur, muitos pacientes estão com ferimentos tão graves que precisam passar por várias cirurgias.”
– Shazeer Majeed, cirurgião de MSF.

“Somente em setembro, em mais de sete ocasiões, os hospitais onde MSF trabalha receberam fluxos significativos de pessoas feridas após bombardeios, ataques aéreos e explosões”, diz o cirurgião de MSF Shazeer Majeed.

Pacientes com ferimentos graves chegando ao Hospital Bashair – o único hospital acessível no sul de Cartum, no Sudão, em maio de 2023. © Ala Kheir/MSF

Falta de medicamentos agrava condições de saúde

Mesmo as pessoas que não são diretamente afetadas pela violência estão sofrendo os efeitos indiretos da guerra. Há uma escassez crônica de medicamentos em todo o Sudão. As farmácias ficaram sem suprimentos ou aumentaram os preços, tornando muitos remédios inacessíveis para quem precisa deles. Como resultado, pacientes com doenças crônicas estão sofrendo sérias complicações e às vezes até morrem devido a essa situação.
“Estamos vendo casos críticos chegarem ao hospital por causa da falta de medicamentos, especialmente pacientes com doenças como diabetes”, diz Frauke Ossig, coordenadora-geral de MSF no Sudão. “Quando chegam até nós, muitas vezes há muito pouco que possamos fazer.”

Escassez de água e saneamento gera risco de surtos de doenças

Mesmo em lugares de acesso mais fácil, milhões de pessoas deslocadas vivem em acampamentos sobrecarregados e locais improvisados, como escolas, após terem sido forçadas a sair de suas casas devido à violência.

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Nesses locais, as pessoas, incluindo crianças, estão morrendo por causa de doenças evitáveis, como malária e sarampo, pois há uma vergonhosa ausência de resposta humanitária. Em Cartum, assim como em muitos acampamentos, os sistemas de água foram destruídos ou são inadequados para as necessidades das pessoas, aumentando o risco de surtos de cólera e dificultando a abordagem diante de suspeitas de surtos da doença em meio à guerra.
As equipes de MSF estão apoiando o Ministério da Saúde do Sudão em muitas localidades para garantir que a equipe de saúde esteja pronta para responder a possíveis epidemias de cólera.

Obstáculos burocráticos dificultam resposta

A própria resposta humanitária de MSF está sendo dificultada por consideráveis obstáculos burocráticos e administrativos impostos pelas autoridades sudanesas. Isso inclui restrições à movimentação de profissionais, rejeições de permissões de viagem, atrasos na liberação de suprimentos médicos e proibições de suprimentos específicos, como itens para cirurgia.

No sul de Cartum, precisamos suspender o apoio às atividades cirúrgicas no Hospital Bashair, incluindo cirurgias para traumas e cesarianas, após autoridades militares terem bloqueado o transporte de materiais cirúrgicos de Wad Madani para o sul de Cartum por mais de um mês.

“Todos os suprimentos que chegam às instalações de saúde se esgotam rapidamente, levando a terríveis consequências para a saúde e até a fatalidades”, diz Claire Nicolet, diretora-adjunta de emergências de MSF. “Precisamos urgentemente de equipamentos cirúrgicos e médicos, não apenas para cuidados de trauma, mas também para cirurgias obstétricas, pois vemos muitas mulheres grávidas em condições em que há risco de morte.”

Preparação do encaminhamento de gestante em trabalho de parto com necessidade de cesariana do hospital de Rokero, apoiado por MSF, para o hospital de Golo, em Jebel Marra, no Sudão. © MSF

Sem ação urgente, as pessoas continuarão a sofrer o impacto da violência

Sem previsões para o fim da guerra, MSF está pedindo um aumento substancial nos esforços para:

• Fornecer ajuda humanitária;
• Garantir a segurança de médicos, profissionais humanitários e civis;
• Remover bloqueios administrativos aplicados a equipes médicas e humanitárias e ao fornecimento de suprimentos;
• Assegurar acesso irrestrito das pessoas à ajuda humanitária.

“O sistema de saúde do Sudão está à beira do colapso e, sem uma ação urgente, as pessoas em situação de maior vulnerabilidade continuarão a sofrer o impacto da violência, resultando em mais mortes evitáveis”, diz Frauke Ossig, coordenadora-geral de MSF no Sudão.

Resposta de MSF no Sudão

MSF trabalha no Sudão desde 1979. Atualmente, equipes de MSF atuam em 10 estados do país: Cartum, Al-Jazeera, Nilo Branco, Nilo Azul, Rio Nilo, Al Gedaref, Darfur Ocidental, Darfur do Norte, Darfur Central e Darfur do Sul. Também ofertamos assistência a refugiados e repatriados nas fronteiras do Sudão com o Sudão do Sul, a República Centro-Africana e o Chade.

As equipes de MSF no Sudão fornecem tratamento para pessoas feridas no conflito, – incluindo ferimentos causados por explosões ou à bala – clínicas móveis para atender pessoas deslocadas, tratamento de doenças transmissíveis e não transmissíveis, cuidados de saúde materna e pediátrica, serviços de água e saneamento, doação de medicamentos e suprimentos médicos para instalações de saúde. Também fornecemos incentivos financeiros, treinamento e apoio logístico à equipe do Ministério da Saúde do país. Além disso, MSF dá seguimento a algumas de suas atividades médicas que já ocorriam antes do início dos conflitos.

 

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