Pessoas que fogem dos conflitos no Sudão necessitam de apoio no Sudão do Sul

Milhares de pessoas estão chegando ao país vizinho em busca de segurança.

Milhares de pessoas que escaparam dos conflitos no Sudão atravessando a fronteira para o Sudão do Sul estão agora lutando para sobreviver em centros de trânsito nos estados de Alto Nilo e Bahr El Ghazal do Norte. A maioria é formada por cidadãos sul-sudaneses que viviam no Sudão quando os conflitos começaram, em abril. Há muitas mulheres e crianças.

Os repatriados que se abrigam dentro e ao redor dos campos de trânsito ao longo da fronteira têm abrigo, comida e água potável de forma limitada, e o saneamento disponível é inadequado. Médicos Sem Fronteiras (MSF) pede à comunidade médica e humanitária que lance uma resposta coordenada para atender às crescentes necessidades dos repatriados.

“Os estados do Alto Nilo e de Bahr El Ghazal do Norte, em particular, estão enfrentando uma grande chegada de repatriados, e a atual resposta humanitária está sobrecarregada”, diz Jocelyn Yapi, coordenador-geral de MSF no Sudão do Sul.

“As pessoas deslocadas, que já estão traumatizadas, têm acesso muito limitado a alimentos, abrigo, saneamento e outros itens essenciais. Há uma necessidade urgente de as autoridades e outros atores acelerarem o processo de transferência dessas pessoas para outras partes do país de forma digna, e também é preciso garantir a prestação de serviços básicos para a sobrevivência e assentamentos no Sudão do Sul”, completa Jocelyn Yapi.

As más condições de vida nos campos de trânsito já estão tendo um impacto negativo na saúde das pessoas e, com o início da estação chuvosa, a situação pode se tornar catastrófica.

“Nossas equipes já estão tratando pacientes com doenças que poderiam ser prevenidas com melhores condições de vida”, diz Yapi. “Com a próxima estação chuvosa, se essas necessidades não forem atendidas prontamente, tememos surtos de doenças e uma catástrofe de saúde que poderia colocar em risco a vida de milhares de pessoas”.

Pessoas deslocadas pelos conflitos no Sudão buscam água no centro de trânsito na cidade de Renk, no estado do Alto Nilo, no Sudão do Sul. Foto: Nasir Ghafoor/MSF

Os confrontos deslocaram milhares de pessoas no Sudão desde o dia 15 de abril. Mais de 127 mil pessoas buscaram refúgio no Sudão do Sul, principalmente em Renk, no estado do Alto Nilo. Atualmente, entre 800 e mil pessoas cruzam Renk todos os dias em carroças levadas por burros, muitas vezes após longas e perigosas viagens até chegar à fronteira.

Awel Shoul, acompanhado por seu irmão, que está doente, é uma das muitas pessoas que estão retornando à sua terra natal em busca de segurança. O irmão estava passando por tratamento médico no Sudão e precisaria ser operado, mas teve que deixar o tratamento inacabado quando Cartum se tornou uma zona de confronto. Eles percorreram uma jornada de 15 dias até chegar ao Sudão do Sul.

“Fugimos de Cartum para salvar nossas vidas. Ao longo do caminho, nos deparamos com homens armados que levaram nosso dinheiro e pertences. Nossos celulares também foram roubados”.

Awel Shoul, sul-sudanês que voltou para o país após conflitos no Sudão.

Ao voltar para o Sudão do Sul, a maioria dos repatriados não percebe que outra crise os aguarda. Em Renk, o principal centro de trânsito abriga mais de 12 mil pessoas, muito mais do que sua capacidade e muito além da ajuda disponível. Centenas de famílias montaram acampamentos fora do centro de trânsito, protegendo-se do sol com qualquer material que puderam encontrar.

Várias famílias que cruzaram a fronteira do Sudão estão atualmente residindo fora do centro de trânsito na cidade de Renk, no estado do Alto Nilo, Sudão do Sul. Foto: Nasir Ghafoor/MSF

Cerca de um mês atrás, o centro de trânsito em Renk foi um lugar de confrontos intercomunitários. Desde então, alguns membros da comunidade saíram do local para manter a paz. Embora algumas ajudas estejam disponíveis para as pessoas no centro de trânsito, não há resposta funcional para aqueles que estão fora dele.

“Não temos comida”, diz Anyr Mathok Deng, que está dormindo em um armazém perto do rio na cidade de Renk, depois de retornar ao país após 40 anos vivendo no Sudão.

“Quase não há itens de assistência necessários para a sobrevivência. Cobras e escorpiões estão vindo do rio. Não há água limpa suficiente”.

Anyr Mathok Deng, que fugiu dos conflitos no Sudão e agora está em Renk, no Sudão do Sul.

“As pessoas não querem ficar aqui. Elas sentem tanta necessidade de sair que estão prontas para vender suas roupas e até mesmo ficar nuas, se necessário, de modo a obter o dinheiro para pagar pelo transporte”.

As autoridades locais em Renk anunciaram um plano para transferir os repatriados para um segundo centro de trânsito na cidade de Malakal, que já abriga um acampamento para pessoas deslocadas. No entanto, todas as viagens entre as duas cidades foram temporariamente suspensas depois que a violência intercomunitária eclodiu no acampamento em Malakal, no início de junho, deixando pelo menos 17 pessoas mortas.

Em Aweil, no estado de Bahr El Ghazal do Norte, a situação é semelhante. Enquanto os cidadãos sudaneses estão alocados em um centro de trânsito de refugiados, muitos sul-sudaneses que retornaram ao país ainda vivem sob árvores sem comida, água potável ou saneamento adequado.

As necessidades humanitárias já eram altas no estado de Bahr El Ghazal do Norte antes da crise atual, e os cortes de financiamento haviam afetado os serviços de saúde.

“A chegada de refugiados e repatriados terá um enorme impacto na situação humanitária no estado de Bahr El Ghazal do Norte”, diz Margot Grelet, coordenadora do projeto de MSF em Aweil. “Já estamos vendo um aumento nos casos de desnutrição”.

Resposta de MSF

MSF lançou respostas de emergência nos estados do Alto Nilo e de Bahr El Ghazal do Norte, administrando três clínicas móveis em Renk e uma em Aweil.

Barnaba, auxiliar de enfermagem de MSF, realiza o teste de medição para desnutrição em uma criança em uma clínica móvel de MSF no centro de trânsito de Riverside, na cidade de Renk, Sudão do Sul. Foto: Nasir Ghafoor/MSF

Em Renk, as equipes de MSF estão tratando a água do rio para fornecer água potável para pessoas deslocadas, enquanto profissionais médicos estão examinando crianças para desnutrição e montaram uma ala de isolamento contra o sarampo. As equipes de MSF também estão fornecendo encaminhamentos para pessoas que precisam de cuidados médicos especializados, além de apoio de saúde mental e promoção de saúde.

Equipe de MSF trabalha na estação de tratamento de água na cidade de Renk, no Sudão do Sul. Foto: Nasir Ghafoor/MSF

“Estamos tratando pacientes com diarreia aguda, malária, infecções respiratórias e oculares”, diz Dawai Apayi, profissional de enfermagem de emergência de MSF em Renk.

“Muitos precisam realizar necessidades fisiológicas a céu aberto. Os depósitos e abrigos temporários estão em risco de inundação. Quando as chuvas vierem, as pessoas também estarão propensas a enfrentar surtos de doenças, como o cólera. Para evitar isso, é crucial atender às necessidades básicas das pessoas, fornecendo-lhes abrigo, água limpa e instalações de higiene”, diz Dawai Apayi.

Sem fim à vista para os conflitos no Sudão, é esperado que mais pessoas atravessem a fronteira para o Sudão do Sul. Se o processo de trânsito não for acelerado, MSF adverte que as necessidades não atendidas das pessoas em Aweil e Renk provavelmente aumentarão, com consequências potencialmente catastróficas para a saúde.

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