Epidemia de hepatite E se espalha por Burkina Faso

Melhorar as condições de vida dos deslocados, por meio da ampliação do acesso a água, saneamento e higiene, é crucial

Epidemia de hepatite E se espalha por Burkina Faso

Uma epidemia de hepatite E está se espalhando por Burkina Faso. Entre julho de 2020 e janeiro de 2021, equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) na cidade de Barsalogho trataram 730 pessoas com sintomas de icterícia. A maioria foi diagnosticada com hepatite E, uma doença geralmente transmitida por meio de água contaminada. Embora os sintomas costumem ser leves, a hepatite E é particularmente perigosa para mulheres grávidas e lactantes, causando complicações e, às vezes, morte.  

O acesso a água potável é um grande problema em Burkina Faso, especialmente para as mais de um milhão de pessoas que foram deslocadas de suas casas por causa da insegurança e dos recursos escassos. A epidemiologista de MSF Brama Diarra faz um apelo por um esforço conjunto para que as necessidades dessas comunidades sejam atendidas.

O que a epidemia de hepatite E diz sobre a situação humanitária em Burkina Faso?

A epidemia de hepatite E mostra como é difícil o acesso a água potável. Nossas equipes identificaram vários fatores de risco, como a falta de latrinas, o que leva as pessoas a defecar ao ar livre; a completa escassez de equipamento necessário para armazenar e abastecer as residências com água potável; e a falta de sabão, o que significa que as pessoas não podem lavar as mãos com frequência suficiente. As pessoas também têm acesso limitado a cuidados médicos.

Os riscos à saúde aumentam muito nas áreas onde vivem os deslocados. Existem poucos pontos de água, levando a uma alta densidade populacional ao redor de poços e outras fontes de água. Os pontos de acesso a água geralmente não são higiênicos, estimulando a disseminação de infecções parasitárias e doenças transmitidas pela água, como a hepatite E, além de cólera e vários tipos de diarreia. Há uma falta de infraestrutura de saneamento e higiene em todos os níveis. Melhorar as condições de vida dessas comunidades, por meio de melhor acesso a água, saneamento e higiene, é, portanto, crucial. É essencial para prevenir a propagação de epidemias e doenças transmitidas pela água.

A situação na cidade de Barsalogho é particularmente grave. Poucas pessoas têm acesso adequado a água, saneamento e instalações de higiene: apenas 34% a água de qualidade padrão, 22% a latrinas seguras e funcionais e 35% participaram de programas de promoção e conscientização da higiene¹. As organizações de ajuda precisam se organizar para lidar com as imensas necessidades não atendidas das pessoas.

Outros fatores também aumentam a probabilidade de epidemias, como más condições de moradia. Muitas pessoas vivem em abrigos superlotados próximos a animais domésticos. Nossas equipes monitoram a situação de perto para detectar meningite, sarampo, tuberculose e COVID-19, dependendo da época. Também estamos preocupados que o vento Harmatão seco e empoeirado cause doenças pulmonares, que podem levar a formas mais graves da COVID-19, aumentando o risco de morte entre a população.

Qual é o maior desafio para responder a uma epidemia?

O maior desafio em responder a uma epidemia é quebrar as cadeias de transmissão – isto é, prevenir a propagação da doença de pessoas contaminadas a saudáveis. Implementamos medidas preventivas em três níveis diferentes. O primeiro nível envolve medidas para evitar que as pessoas adoeçam. Isso inclui vacinas e qualquer ação destinada a reduzir os fatores de risco. A Organização Mundial da Saúde recomenda vacinar pessoas em contextos como este, para reduzir as consequências de uma epidemia em uma população já vulnerável, mas a vacina contra hepatite E ainda não foi aprovada pelas autoridades sanitárias nacionais do país e não há produção em larga escala da vacina. O segundo nível envolve triagem e tratamento de indivíduos de alto risco e isolamento e tratamento de pessoas que estão doentes, para evitar que a doença se agrave ou se espalhe para pessoas saudáveis. Uma boa comunicação é fundamental para garantir que as comunidades apoiem e cumpram essas medidas. O terceiro nível envolve a prevenção de complicações e recaídas das pessoas infectadas, que podem levar a efeitos de longo prazo, incluindo incapacidade permanente.

No combate à hepatite E em Barsalogho, imediatamente isolamos as pessoas infectadas, tratamos e iniciamos a triagem no restante da comunidade. Os agentes comunitários de saúde encaminharam mais de 470 pessoas aos centros de saúde, reduzindo, pelo menos um pouco, a transmissão da doença. As pessoas que tratamos em ambulatórios e no centro de saúde, bem como as comunidades em geral, receberam aconselhamento sobre medidas de higiene e fatores de risco relacionados à hepatite E.

Como podemos reduzir o risco de transmissão de doenças entre as comunidades?

Para reduzir o risco de propagação de doenças, devemos promover boas práticas que ajudem a prevenir infecções, bem como realizar atividades de monitoramento de doenças. Também é crucial fortalecer a vigilância baseada na comunidade.

Durante esta epidemia de hepatite E, organizamos programas de conscientização para as comunidades e trabalhamos para melhorar seu acesso a água potável. Distribuímos kits contendo sabão, galões para armazenamento de água e tabletes de purificação de água para uso doméstico, pois a qualidade da água impacta diretamente a saúde das pessoas. Também trabalhamos com outras organizações na região para coletar e higienizar galões sujos. Nossas equipes também construíram latrinas em locais para pessoas deslocadas.

No entanto, apesar desses esforços conjuntos de várias organizações, ainda há muito trabalho a ser feito para atender às necessidades das comunidades em Barsalogho e em outros lugares no que diz respeito à água e saneamento. MSF é, acima de tudo, uma organização médica, então, outras organizações devem ajudar. Investimentos de longo prazo em atividades de água, saneamento e higiene, bem como a coordenação entre organizações especializadas no local, são essenciais para erradicar doenças transmitidas pela água, que são uma das principais causas de doenças para as quais MSF trata as pessoas todos os anos.

 

¹ De acordo com uma pesquisa realizada pela equipe de água, saneamento e higiene (WASH) do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA).

 

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