As histórias de duas sobreviventes de câncer do colo do útero no Malaui

Sem radioterapia disponível no país, projeto de MSF no Malaui possibilita o encaminhamento de pacientes para tratamento no Quênia.

Chimwemwe Chiduleni (esquerda) e Nessie Kasiyabweya. © MSF

O Malaui tem a segunda maior taxa de mortalidade relacionada ao câncer do colo do útero do mundo. No país, todos os anos, mais de 4 mil mulheres são diagnosticadas com a doença, também conhecida como câncer cervical. As três principais opções de tratamento para o câncer do colo do útero são a cirurgia, a quimioterapia e a radioterapia, que não está disponível no Malaui. Para muitas pacientes, no entanto, o tratamento com radioterapia é a única possibilidade de cura. Nesses casos, Médicos Sem Fronteiras (MSF) trabalha, desde outubro de 2022, com um sistema para encaminhar essas pacientes para serem tratadas em outro país, o Quênia.

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Muitas mulheres que procuram nosso projeto para consultas iniciais no Malaui precisam de tratamento com radioterapia. Esse é o caso Chimwemwe Chiduleni e Nessie Kasiyabweya, diagnosticadas com câncer do colo do útero no distrito de Blantyre. Por meio do projeto de MSF, elas receberam tratamento no Quênia. Aqui, compartilhamos suas trajetórias em busca da cura:

“Quero planejar meu futuro porque estou saudável e feliz por me sentir bem.”

– Chimwemwe Chiduleni.

Chimwemwe Chiduleni. © MSF

“Eu moro em Ndirande. Tenho dois filhos. Minha rotina diária foi afetada pelo câncer do colo do útero. Muitas vezes, acordo me sentindo fraca e com dor – nas costas e no quadril – e meu trabalho tem que ser pausado”, contou Chimwemwe Chiduleni antes de iniciar o tratamento no Quênia.

“[Quando me disseram que iria para o Quênia], fiquei muito feliz, mas ao mesmo tempo fiquei nervosa porque estou deixando meus filhos. Fiquei um pouco preocupada. Sou a filha primogênita, portanto também sou responsável por sustentar o restante da família.”

O apoio de outras pacientes de MSF no projeto contra o câncer cervical foi essencial durante o tratamento de Chimwemwe. “Como nos conhecemos, devido ao fato de estarmos com a mesma doença, estamos nos apoiando mutuamente para não perdermos a esperança. Tive alguns medos. Mas através do incentivo que demos umas às outras, superei e fiquei determinada a ir ao Quênia para receber o tratamento.”

Na primeira semana de tratamento no Quênia, os procedimentos realizados pelos profissionais médicos já eram esperados por Chimwemwe. “O programa foi explicado para nós no Malaui. Não fiquei nem um pouco surpresa”, disse ela na ocasião. “Não tenho dúvidas ou medos, porque é isso que tenho esperado ansiosamente”.

Duas semanas depois, tendo percorrido quase metade do período de tratamento, a paciente já podia perceber os efeitos. “Meus pensamentos são positivos e minhas esperanças aumentaram. Já consigo sentir uma grande mudança no meu corpo e espero que, se continuar assim, fique tudo bem comigo.”

Nesse estágio, Chimwemwe passou também a ser tratada com quimioterapia. “Estou sentindo efeitos colaterais, o que é comum quando alguém inicia um tratamento”, ela contou. “Na primeira vez que fiz quimioterapia, tive algumas náuseas, vômitos e fraqueza até que meu corpo se acostumasse. Mas quando recebi a segunda sessão da quimioterapia, eu estava bem.”

“Falo com a minha família no Malaui todos os dias por telefone. Muitas vezes, me perguntam como estou progredindo, mas lhes asseguro que o processo de tratamento está correndo bem e, quando voltar ao Malaui, estarei curada e forte.”

Chimwemwe finalizou seu tratamento no Quênia após seis semanas recebendo cuidados médicos. “Percebi uma grande diferença ao chegar até aqui”, ela comemorou. “Estou muito animada para voltar para casa como uma pessoa saudável. Eu já disse aos meus filhos que estou retornando. Também contei a todos os meus familiares. A primeira coisa que farei será ser feliz com eles, dançar com eles e abraçá-los. Faremos uma festa para comemorar que agora estou saudável.

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“Esta viagem me ensinou muitas boas lições. Aprendemos a conviver com pessoas diferentes. Após pensar em tudo o que vivi, sentirei falta de várias coisas. O amor das pessoas, seus cuidados, assim como os diferentes tipos de comida boa.”

Ao retornar para o Malaui, Chimwemwe continuou sendo acompanhada pela equipe de MSF e foi a uma consulta final para examinar os resultados do tratamento. “Houve uma grande melhora, e o médico confirmou que o tratamento foi bem-sucedido”, comemorou ela.

“Estou comprometida em disseminar a conscientização sobre o câncer do colo do útero. Estou incentivando as mulheres na minha comunidade a fazer o rastreamento precoce. Essa doença tem cura.

“Eu tinha perdido meus planos e perspectivas para o futuro devido à minha doença. Mas agora estou focada em retomá-los. Por exemplo, pausei meu projeto de construir uma casa porque pensei que estava morrendo. Agora, após ter sido tratada, quero reconstruir minha casa e planejar meu futuro porque estou saudável e feliz por me sentir bem.”

“Finalmente consegui o tratamento que precisava.”

– Nessie Kasiyabweya.

Nessie Kasiyabweya durante o tratamento. © MSF

“Eu tive três filhos, um deles faleceu”, contou Nessie Kasiyabweya. “Quando fui diagnosticada com câncer, fiquei tão preocupada.”

Antes de ir ao Quênia receber tratamento contra o câncer cervical, Nessie compartilhou com nossas equipes o impacto que a doença teve em sua vida. “Eu dependo da agricultura de pequena escala como fonte de renda. Não terei comida suficiente para este ano porque não estou cultivando devido a essa doença. O câncer paralisou minhas atividades”, relatou ela.

“Quando foi confirmado que eu estava na lista para ir para o tratamento no Quênia, eu contei à minha família. Eles comemoraram a boa notícia, assim como eu.”

“O que mais importa para mim é que estou indo para algum lugar onde há a possibilidade de me curar dessa doença, e esse é o único desejo que tenho desde que adoeci.

“Esta organização [MSF] está trabalhando dia e noite para apoiar as mulheres a obter tratamento. Muitas mulheres no passado morreram precocemente porque nunca tiveram esse ‘privilégio’.”

Já no Quênia, ao iniciar os cuidados médicos para tratar o câncer cervical, Nessie se sentiu entusiasmada. “Não tenho nenhuma preocupação em mente. Estou cheia de alegria porque o processo de tratamento começou”, disse ela.

“Como estamos ficando no hospital, nossa rotina diária começa com exercícios físicos todas as manhãs, para mantermos a força do corpo. Em seguida, médicos e enfermeiros vêm nos ver e nos levam para fazer radioterapia ou quimioterapia. À tarde, fazemos mais exercícios físicos para manter nossos corpos ativos.”

“‘Isso é tudo?’, perguntei. ‘Sim’, ele [profissional médico] respondeu. Eu esperava que houvesse muitas sensações de queimação”, admitiu. “Meu tratamento está indo muito bem”, disse Nessie, na terceira semana de tratamento no Quênia. “No momento, eu só sinto alguns efeitos colaterais”.

Além da radioterapia, a paciente começou a passar por sessões de braquiterapia, um procedimento de direcionamento de radiação concentrada em uma determinada região do corpo. “Os médicos estavam direcionando no tumor e tratando-o, como se estivessem ‘queimando’ a área”, descreveu ela.

Ao finalizar o tratamento no Quênia, após seis semanas no hospital, Nessie recebeu a notícia que tanto esperava: “Nossos médicos, especialmente os que me atenderam na sala de cirurgia durante as sessões de braquiterapia, me disseram especificamente que meu tumor não está mais lá e que meu tratamento funcionou bem”.

“Finalmente consegui o tratamento que precisava. Estou me sentindo muito melhor agora. Muito diferente de como me sentia antes no Malaui.”

De volta ao Malaui, Nessie foi a uma consulta no projeto de MSF para avaliar sua condição. “Embora os médicos não tenham me liberado para fazer tarefas pesadas e meus familiares não tenham me permitido fazer nenhum trabalho, a partir de agora poderei fazer a maioria das coisas sozinha. Na revisão médica de hoje, me disseram para voltar depois de três meses, o que mostra que estou melhor”.

Posso ver que meu futuro é brilhante. Mesmo estando no hospital agora, sei que voltarei para casa e continuarei seguindo minha vida. Faço agricultura de irrigação e não cultivei nada neste ano porque estava doente. Mas, quando o médico disser que estou bem para fazer qualquer tipo de trabalho, voltarei a cultivar sozinha, como antes.”

Desde 2018, quando teve início o projeto para o câncer cervical no distrito de Blantyre, MSF tratou 4.750 pacientes com a doença, incluindo 50 que foram encaminhadas ao Quênia para serem submetidas à radioterapia.

 

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