Ucrânia: MSF fornece assistência a pessoas que fogem dos bombardeios em Kurakhove

Moradores esperam dias para serem evacuados da cidade, parcialmente cercada por forças russas

Oleksandr Hontariev, médico de MSF, realiza um tratamento inicial no braço de um paciente perto do centro de trânsito em Pavlohrad, região de Dnipropetrovsk. Ucrânia, novembro de 2024. © Yuliia Trofimova/MSF

O dia de trabalho na clínica móvel de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Pavlohrad, no leste da Ucrânia, estava quase terminando. Oleksandr Hontariev, médico de MSF, contava as caixas de remédios, arrumando os suprimentos para o período da noite, quando uma das pessoas que apoiam as atividades entrou na sala correndo.

“Temos feridos. Você pode ajudá-los, por favor?”, perguntou. Hontariev colocou as luvas médicas nas mãos e saiu rapidamente.

Doe para MSF e nos ajude a continuar oferecendo cuidados de saúde em contextos como o da Ucrânia

A clínica móvel de MSF funciona em um centro comunitário, agora transformado em um centro de trânsito para pessoas que foram deslocadas à força da região de Donetsk. Naquele dia, vários ônibus chegaram do lado de fora do centro, cada um com uma placa dizendo “Evacuação”. Nos veículos, estavam pessoas vindas de Kurakhove, que haviam acabado de passar por uma jornada de mais de quatro horas para chegar até Pavlohrad com relativa segurança.

Ônibus utilizado para conduzir pessoas evacuadas da área de Kurakhove para um centro de trânsito em Pavlohrad, região de Dnipropetrovsk. Yuliia Trofimova/MSF

Enquanto chorava, uma mulher idosa sentada em uma cadeira de rodas ao lado do marido tinha o rosto coberto de pequenos arranhões. O marido dela se inclinou e sussurrou algo em seu ouvido, tentando confortá-la.

“Meu irmão está sob os escombros”, diz ela, repetidamente.

Hontariev tratou um ferimento no braço da senhora e depois seguiu para o atendimento das outras pessoas. Dois homens feridos – pai e filho – aguardavam dentro de um veículo.

“O homem mais velho tem queimaduras e ferimentos de estilhaços nas costas e na canela”, explica Hontariev. “Ele foi ferido há quatro dias e só agora conseguiu receber ajuda. Queimaduras como esta só acontecem quando um metal quente entra em contato com o corpo. Os destroços queimaram roupas dele e feriram suas costas.”

Equipes de MSF frequentemente encontram pacientes com ferimentos semelhantes causados por minas e explosões sofridos quatro ou cinco dias antes. Com os atrasos na evacuação ocasionados pelos bombardeios constantes, as pessoas não conseguem acessar cuidados de saúde essenciais logo após serem feridas.

Paciente com braço ferido em Pavlohrad, região de Dnipropetrovsk. Yuliia Trofimova/MSF

Nas últimas duas semanas de novembro, 25% dos pacientes tratados por MSF no centro de Pavlohrad apresentaram ferimentos causados por explosões que atingiram suas casas.

Após um tempo, Hontariev finalizou o atendimento das pessoas feridas e uma ambulância chegou ao local com uma equipe, que deu continuidade ao tratamento dos feridos, enquanto outras pessoas ajudavam na acomodação de todos.

Evacuação

No antigo salão de reuniões do centro comunitário, as cadeiras da plateia foram removidas. Dezenas de camas se alinham no salão, inclusive no palco. A maioria delas está ocupada. A sala não tem boa iluminação, com apenas aquecedores acesos nos cantos. Algumas pessoas costumam escutar música no celular, quase inaudível na sala, de teto alto e amplo espaço.

Pessoas vindas da região de Donetsk descansando no centro de trânsito em Pavlohrad, região de Dnipropetrovsk. Yuliia Trofimova/MSF

No centro de trânsito de Pavlohrad, as pessoas da região de Donetsk ficam por alguns dias antes de seguir para o oeste da Ucrânia ou para outro país. Muitas vêm de Kurakhove e das cidades e dos vilarejos próximos.

À medida que a linha de frente se move com a ofensiva contínua das tropas russas, e as condições de vida pioram, as pessoas não têm outra opção a não ser deixar suas casas. Nessas cidades, lojas, farmácias e hospitais estão fechados. Mas, mesmo assim, o bombardeio constante torna a evacuação extremamente difícil.

A casa estava pegando fogo, então não podíamos voltar para dentro.”
– Yeyzaveta, deslocada pela guerra vinda de Dachne

Yelyzaveta, de 83 anos, se abriga no centro de trânsito. Ela veio de Dachne, perto de Kurakhove. Todos os documentos e dinheiro dela foram queimados junto com a casa.

Yelyzaveta lembra que procurava algo para se distrair durante o bombardeio constante.

“Eu estava sentada com minha vizinha sob uma macieira, as bombas passavam por cima de nós. E eu disse: ‘Por que estamos sentadas como se estivéssemos esperando para morrer?'”, recorda Yelyzaveta. “Temos que fazer alguma coisa, então fui varrer as folhas do quintal.”

Logo depois, uma explosão aconteceu perto de sua casa, iniciando um incêndio. Ela e o filho conseguiram escapar.

“A casa estava pegando fogo, então não podíamos voltar para dentro”, explica Yelyzaveta. “As casas dos vizinhos foram destruídas pelo bombardeio, mas a nossa pegou fogo.”

O filho de Yelyzaveta se recusou a sair da região, então ela foi para o centro de trânsito sozinha. Agora, aguarda sair em breve e encontrar seus parentes em Poltava, no centro da Ucrânia.

Yelyzaveta, de 83 anos, se abriga no centro de trânsito. Ela veio de Dachne, perto de Kurakhove. © Yuliia Trofimova/MSF

Assistência médica

Na clínica móvel que funciona perto do centro, Yelyzaveta teve sua pressão arterial e níveis de glicose no sangue aferidos pela equipe de MSF e recebeu medicamentos. Médicos e psicólogos de MSF trabalham local toda semana e podem atender até 50 pacientes por dia.

“São idosos e pessoas com deficiência, então eles, muitas vezes, têm condições ou complicações preexistentes”, explica Hontariev. “Eles têm hipertensão, doenças cardíacas, diabetes. Muitos vêm até nós com doenças respiratórias, porque ficaram em porões por um longo tempo durante o bombardeio. Pessoas com ferimentos leves também são frequentemente trazidas para cá.”

Oleksandr Hontariev, médico de MSF, fornece uma consulta médica para a paciente Nadiia Chertushkina, em Pavlohrad, região de Dnipropetrovsk. © Yuliia Trofimova/MSF

A história de um paciente ficou na memória de Hontariev. “O homem estava na rua quando o ataque começou”, relata. “Ele correu para o porão de outra casa e teve que passar duas semanas lá antes de conseguir ser evacuado. Durante todo esse tempo, o homem comeu apenas os vegetais enlatados que estavam no porão. Chegou até nós com pneumonia bilateral [nos dois pulmões].”

Apoio psicológico

Um dos pacientes contou ao médico que seu filho está desaparecido. Após o exame médico, Violieta Kozhukhovska, psicóloga que trabalha com a equipe da clínica móvel de MSF, conversou com ele. Os dois encontram um lugar tranquilo no centro de trânsito para se sentarem.

“Este homem tem uma irmã, mas não consegue entrar em contato com ela”, diz Kozhukhovska. “O telefone dele queimou na explosão em sua casa, e ele não lembra o número dela. Eu o aconselhei a tentar encontrá-la pelas redes sociais.”

Segundo Kozhukhovska, a maioria dos pacientes evacuados está agora em um estado de estresse agudo.

Violieta Kozhukhovska, psicóloga que trabalha com a equipe da clínica móvel de MSF em Pavlohrad, região de Dnipropetrovsk. © Yuliia Trofimova/MSF

“A tarefa de um psicólogo nesta fase é realizar uma intervenção de crise, ou seja, ouvir sem fazer perguntas desnecessárias para não traumatizar novamente”, explica Kozhukhovska. “É importante que as pessoas falem.”

Leia também:
Psicólogos ajudam vítimas da guerra na Ucrânia
• Reconstruindo vidas impactadas pela guerra implacável na Ucrânia

As pessoas que chegam ao centro de trânsito perderam entes queridos e sentem falta de suas casas. Mas elas podem encontrar consolo no local. Nas cidades e nos vilarejos sitiados em que viviam, passaram a maior parte do tempo abrigados em porões frios, com suprimentos limitados de comida.

“Agora, estão aproveitando o calor, o almoço quente e a eletricidade. Isso é uma bênção para elas neste momento”, diz Kozhukhovska.

O centro de trânsito em Pavlohrad está em funcionamento desde agosto de 2024, quando a linha de frente do conflito se aproximou de Pokrovsk. Várias organizações humanitárias abrigam pessoas que fogem da região de Donetsk no centro e fornecem a elas serviços legais, médicos e sociais. A clínica móvel de MSF vai ao centro de trânsito toda semana. Os pacientes recebem exames de médicos e psicólogos de MSF e os medicamentos necessários.

 

Compartilhar