Saúde materno-infantil é uma emergência negligenciada na República Centro-Africana

MSF tem fornecido cuidados obstétricos de emergência gratuitos para mulheres e recém-nascidos em todo o país.

Décadas de instabilidade e violência armada na República Centro-Africana (RCA) contribuíram para que cuidados médicos essenciais estivessem fora do alcance de muitas mulheres grávidas e recém-nascidos. Ofuscados pela situação de segurança no país, lidar com essa emergência cotidiana é uma prioridade para as equipes de MSF.

Divine está em trabalho de parto, com dor, por horas. Sua mão direita agarra o colchão, sua mão esquerda espreme seu tecido laranja e verde. Seu bebê está atrasado, e Divine está exausta. Na ala de parto do hospital comunitário de Bangui, a enfermeira que a auxilia acaba de administrar oxitocina, um hormônio para acelerar a frequência e a intensidade de suas contrações.

Nesta unidade dedicada a partos de alto risco, as mulheres são monitoradas de perto por médicos, que verificam sua saúde e a frequência cardíaca de seus bebês a cada 30 minutos. Se o trabalho de parto de uma mulher demorar muito, ela pode ser levada ao centro cirúrgico para fazer uma cesariana.

“Muitas mulheres não vão a um centro de saúde, mas dão à luz em casa. Nesta situação, as complicações podem facilmente levar à morte da mãe ou da criança.”
– Adèle Guerde-Seweïen, obstetriz de MSF no hospital comunitário de Bangui.

Esse cuidado atento está longe de ser comum para as mulheres da África Central prestes a dar à luz. Em um país que é severamente carente de instalações de saúde e profissionais médicos, poucas mulheres grávidas têm acesso a cuidados obstétricos adequados.

“Muitas mulheres não vão a um centro de saúde para o parto, mas dão à luz em casa”, diz Adèle Guerde-Seweïen, obstetriz de MSF no hospital comunitário de Bangui. “Nesta situação, as complicações podem facilmente levar à morte da mãe ou da criança.”

Uma situação extrema

Um grito, mais alto do que todas as outras vozes, ecoa pela enfermaria do hospital. Uma mulher acaba de saber sobre a morte de sua irmã grávida. Minutos antes, ela havia sido levada às pressas para o hospital e levada direto para a sala de cirurgia. No entanto, já era tarde demais. A equipe médica fez o possível para estabilizá-la, mas só conseguiu salvar seu bebê.

“Esta tragédia não teria acontecido se ela tivesse acesso a cuidados médicos a tempo”, diz Guerde-Seweïen.

A saúde materna e neonatal é uma grande emergência de saúde na RCA. As taxas de mortalidade materno-infantil do país estão entre as mais altas do mundo. De acordo com as estatísticas mais recentes , na RCA, as mulheres são 138 vezes mais propensas a morrer de complicações da gravidez e do parto do que na União Europeia, enquanto uma criança no país tem 25 vezes mais chances de morrer antes de seu primeiro aniversário do que se tivesse nascido na Europa.

“Na RCA, nascer ou dar à luz significa correr um risco. Há apenas cerca de 15 ginecologistas no país, para uma população de seis milhões de pessoas.”
– Norbert Richard Ngbale, ginecologista-obstetra do departamento de maternidade e neonatologia do hospital comunitário de Bangui.

Uma ambulância acaba de chegar à maternidade apoiada por MSF no hospital comunitário de Bangui. Barbara Debout, 2022.

Grave falta de cuidados de saúde de emergência

“Na RCA, nascer ou dar à luz significa correr um risco”, diz o professor Norbert Richard Ngbale, ginecologista-obstetra do departamento de maternidade e neonatologia do hospital comunitário de Bangui.

“Há apenas cerca de 15 ginecologistas no país, para uma população de seis milhões de pessoas. Há uma enorme falta de profissionais qualificados, especialmente em áreas rurais, onde você tem principalmente parteiras tradicionais que não são treinadas para detectar complicações.”

A maioria das mortes maternas na RCA está relacionada a abortos inseguros, a gestações que ocorrem prematuramente (ou seja, quando a pessoa não está fisicamente preparada para realizar o parto com segurança) e ao parto realizado em casa.

Muitas dessas mortes poderiam ser evitadas se os cuidados de saúde estivessem disponíveis, seja em termos de apoio à gravidez ou provisão de planejamento familiar. A emergência médica crônica da RCA também é alimentada pela extrema pobreza: embora os cuidados de saúde materno-infantis sejam oficialmente gratuitos na RCA, muitas vezes eles só estão disponíveis para aqueles que podem pagar.

“Em um país onde 70% da população vive com menos de US$2 por dia (aproximadamente 10 reais), todas as decisões devem ser ponderadas financeiramente, mesmo que isso signifique colocar a saúde em risco”, diz René Colgo, coordenador-geral de MSF na RCA. “Para os pacientes, ir ao hospital é uma despesa. Eles não têm dinheiro para pagar o pré-natal, nem o transporte para o hospital, muito menos o parto. Muitas mulheres pensam que é melhor ir ao hospital no último minuto, se for o caso. Apoiar a prestação de cuidados gratuitos é, portanto, vital”, ele complementa.

“Desta vez, eu queria evitar qualquer risco”

Como uma mãe de oito filhos que teve complicações no parto de seu sétimo bebê, Carine Dembali não quis correr o risco de chegar tarde demais ao hospital desta vez.

“Com exceção do meu primeiro filho, sempre dei à luz em casa por falta de dinheiro”, diz ela. “Mas da última vez houve um problema. Meu bebê nasceu, mas a placenta não saiu”, diz Carine.

“Minha família me levou às pressas para o Castor’s [um hospital com uma maternidade administrada anteriormente por MSF], onde eu não precisei pagar nada. É por isso que desta vez eu queria evitar qualquer risco. Fui ao hospital perto da minha casa antes do parto. Eles viram que o cordão umbilical estava ameaçando meu filho e me trouxeram aqui para realizar uma cesariana”, ela acrescenta.

As maternidades e as enfermarias neonatais do hospital comunitário de Bangui que foram totalmente renovadas por MSF antes da abertura, em julho de 2022, prestam cuidados de emergência a mulheres grávidas e recém-nascidos em situações críticas. De meados de julho a meados de dezembro, equipes de MSF e do Ministério da Saúde prestaram atendimento a mais de três mil gestantes e cerca de 860 bebês foram admitidos na enfermaria neonatal, incluindo 239 crianças nascidas prematuras.

“Ele pesava 800 gramas ao nascer. Sua irmã gêmea infelizmente morreu após duas semanas, e eu pensei que eu ia perdê-lo também. Mas logo vi que ele estava ficando cada vez melhor e que sua saúde estava melhorando. Hoje, ele pesa 1,5 kg. Em breve, poderei ir para casa com ele.”
– Stephanie Kamangomda, mãe de Archange, que apenas nasceu com apenas 28 semanas.

Método canguru

Poucos hospitais no país oferecem um serviço semelhante, que inclui uma unidade de terapia intensiva para bebês prematuros e recém-nascidos com problemas respiratórios e outras complicações.

Archange, que nasceu com apenas 28 semanas (em comparação com uma gestação normal de 38-40 semanas), lutou por sua vida por 45 dias na unidade de terapia intensiva do hospital comunitário de Bangui. A equipe médica ficou tão impressionada com sua luta para sobreviver que o apelidaram de “pequeno general”.
“Ele pesava 800 gramas ao nascer”, diz sua mãe, Stephanie. “Sua irmã gêmea infelizmente morreu após duas semanas, e eu pensei que eu ia perdê-lo também.

A equipe de MSF a convenceu a tentar o “método canguru”, no qual crianças nascidas prematuras são mantidas perto dos corpos de suas mães 24 horas por dia. O contato pele a pele prolongado aquece a criança, mantém seu equilíbrio emocional e, por fim, melhora suas chances de sobrevivência.

“Quando ele saiu dos cuidados intensivos, começamos o ‘método canguru’”, diz Stephanie. “Eu estava estressada e não estava convencida. Mas logo vi que ele estava ficando cada vez melhor e que sua saúde estava melhorando. Hoje, ele pesa 1,5 kg. Em breve, poderei ir para casa com ele.”

Stephanie Kamangomda com seu filho Archange, que nasceu prematuro, sob o “método canguru”, em que o contato pele a pele prolongado aquece a criança, mantém seu equilíbrio emocional e, por fim, melhora suas chances de sobrevivência. Barbara Debout, 2022.

 

Uma prioridade para as equipes de MSF

A situação crítica na RCA em relação à saúde materno-infantil levou MSF a fornecer atendimento obstétrico de emergência gratuito para mulheres e recém-nascidos em locais de todo o país. MSF também está treinando a equipe do Ministério da Saúde, além de renovar e equipar instalações médicas para que possam fornecer um bom padrão de atendimento.

Em 2021, as equipes de MSF auxiliaram o parto de 19.600 mulheres, incluindo 1.020 por cesariana, enquanto 1.900 recém-nascidos foram tratados em unidades neonatais apoiadas por MSF em todo o país. No entanto, é necessário mais apoio para levar esses serviços essenciais a mulheres e crianças em todo o país.

“A situação exige investimentos ambiciosos de todos os parceiros internacionais para fortalecer o acesso aos serviços de saúde reprodutiva”, diz Colgo. “É inaceitável que tantas vidas de mulheres e crianças sejam perdidas todos os dias por razões que são facilmente evitáveis”.

 

 

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