Papua-Nova Guiné: levando a cura pelo curso das águas

A enfermeira francesa Aurélie Rawinski nos leva rio acima a partes remotas da Papua-Nova Guiné

Papua-Nova Guiné: levando a cura pelo curso das águas

Lembro-me do momento em que finalmente recebi o e-mail me oferecendo um posto em MSF. Meu coração batia forte! Eu estava no trabalho, no meio de duas horas de aula que eu dava para meus alunos de enfermagem, mas não pude resistir à vontade de abri-lo imediatamente.

Eu esperava voltar à África, sonhava com o Oriente Médio e agora estava indo para a Oceania, para Papua-Nova Guiné, um território desconhecido. Na mesma noite, li os documentos relativos ao projeto, rindo sem graça diante dos avisos sobre crocodilos e cobras. Nos documentos, soube que Kerema era uma vila isolada conectada à capital por uma única estrada, que imaginei estar provavelmente mais próxima de uma pista.
Enviei minha resposta positiva. Foi decidido que, em três meses, eu começaria meu primeiro projeto com MSF, na Papua-Nova Guiné!

Kerema
Depois de alguns dias de instruções e descanso na capital (as nove horas de fuso-horário me afetaram um pouco), peguei a estrada para chegar ao meu vilarejo, localizado na província do Golfo.
Essa província é uma das mais isoladas, para não dizer abandonadas, e também é objeto de medos locais relacionados à bruxaria. Não é fácil recrutar profissionais qualificados aqui e muitos na equipe são profissionais que se mudaram da capital ou de outras províncias.

Desde 2011, os 300 km que separam Port Moresby, capital da Papua-Nova Guiné, de Kerema são acessíveis por uma estrada. Na verdade, não é tão ruim assim. Deve-se dizer que depois das estradas em Madagascar, nada mais desse tipo me surpreende…

Logo o barulho da cidade dá lugar a uma vegetação luxuriante, indício de chuvas abundantes. A faixa cinza da estrada serpenteia entre as árvores, com algumas casas sobre palafitas e cortada por muitos riachos. Os habitantes parecem se sentir tão à vontade nessa estrada que esqueceram sua principal função; são encontrados sentados no meio dela, levantando às gargalhada quando o carro se aproxima.

Quando nos aproximamos de Kerema, o verde dá lugar ao azul, com o oceano colorindo ao fundo. Nossa base consiste em duas casas, também azuis, aninhadas no meio da vegetação e, esticando o pescoço, você pode até ver o mar. Sou seduzida à primeira vista! Herdo uma sala com duas janelas, instalo meus incensos e outras bugigangas e estou em casa. Pelos próximos nove meses.

Sensibilização da comunidade
A vantagem de ter um papel de sensibilização é que temos a chance de conhecer o país. Desde os meus primeiros dias no trabalho, percebi que esse seria o principal benefício de ser a enfermeira daqui. Encontro com os pacientes, em seu ambiente, em sua comunidade, para permitir que eles continuem seu regime de tratamento difícil nas melhores condições possíveis.

Como a tuberculose pode ser curada, o tratamento é longo (entre 6 e 20 meses, dependendo do tipo de tuberculose que o paciente tem). O regime de medicação deve ser seguido estritamente e geralmente é acompanhado por efeitos colaterais.

A estratégia do projeto é, portanto, baseada na descentralização dos serviços, contando com equipes em três cidades da província do Golfo (Kerema, Malalaua, Ihu), mas também através de vários pontos de distribuição no coração dos vilarejos, cujos únicos nomes evocam outros lugares: Uaripi, Pukari, Uamai ou Hepea…

Rio acima
Troco informações por 10 dias com meu antecessor e, como parte disso, estou a caminho de Popo Mikafiru, para ver nossos pacientes e entregar-lhes um mês de medicamentos.

Às 9 da manhã, sob forte chuva, partimos – eu, um agente comunitário de saúde e um responsável pela educação e apoio do paciente. Chegamos duas horas depois à beira de um rio e depois viajamos mais uma hora de barco. Nosso capitão está vestindo um paletó muito largo para ele, por cima de uma camisa havaiana laranja. Ainda está chovendo forte, ele não vê quase nada e está saindo com uma mão e manobrando o bote com a outra!

Quando viro a cabeça, vejo praticamente só o capuz do meu casaco. Ainda assim, identifico as casas de madeira e folhas de palmeira que ficam sobre palafitas ao longo do rio. No caminho, encontramos uma de nossas pacientes em uma balsa de madeira, chegando para receber tratamento usando apenas a força de seus braços.

Popo Kapure, Popo Luluapo e, finalmente, Popo Mikafiru …

Popo Mikafiru
Na chegada, encharcados até os ossos, mas finalmente lá, os moradores correm para nos ajudar a descarregar o barco: temos medicamentos para tuberculose, é claro, mas também uma balança para monitorar a desnutrição e como a adaptação ao tratamento afeta o peso dos pacientes.

As pessoas do vilarejo nos levam para baixo de uma casa de palafitas e oferecem tapetes para que não fiquemos na lama. Pouca coisa acontece ali, então é como se todo o vilarejo estivesse participando da consulta. Certamente, a confidencialidade médica parece difícil de garantir nessas condições, mas é ao mesmo tempo uma oportunidade para uma maior conscientização sobre essa doença contagiosa, que é objeto de muitas crenças falsas.

O objetivo da nossa visita mensal a esse vilarejo é oferecer aos nossos pacientes o próximo mês de tratamento da tuberculose. Ao mesmo tempo, garantimos que seus sintomas estão melhorando e que eles não perderam uma dose do medicamento. Se as coisas não estão indo como esperávamos, avaliamos o porquê. E vir ao vilarejo também nos dá a oportunidade de detectar possíveis novos pacientes.

Somos assistidos em nosso trabalho por “apoiadores do tratamento”, pessoas da comunidade responsáveis por dar a medicação diária aos pacientes mais fracos ou mais isolados, garantindo que ninguém perca uma consulta e incentivando as pessoas que têm sinais e sintomas da doença a aparecer no dia da nossa visita.

Miss França
Apenas uma hora e meia depois, é hora de partir; temos de voltar antes do pôr do sol por razões de segurança. Depois de toda a chuva, o sol voltou e eu me sinto como a Miss França, sendo saudada e cumprimentando todas as pessoas que passam pela praia! Três horas depois, chegamos a Kerema.

Seis horas de transporte para nove pacientes: a relação custo-efetividade pode ser debatida, mas as vidas provavelmente serão salvas. E não é um dos princípios de MSF ir aonde ninguém mais vai?
 

Compartilhar
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on print