Melhorando o acesso a partos seguros no Quênia

MSF oferece cuidados de saúde sexual e reprodutiva na região de Likoni

Melhorando o acesso a partos seguros no Quênia

Estas são histórias de três mulheres que ilustram o sucesso e os desafios da expansão da saúde sexual e reprodutiva na região costeira de Likoni, no Quênia. A redução da mortalidade materna e infantil é fundamental para cumprir as metas de saúde dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Serão necessários esforços incessantes para atingir esses objetivos. MSF tem trabalhado para reforçar a capacidade das autoridades de saúde na oferta de um pacote abrangente de cuidados obstétricos e neonatais de emergência. Desde o momento em que MSF começou a oferecer serviços de saúde sexual e reprodutiva no início de 2017, a região de Likoni aumentou sua capacidade geral de gerenciar partos complicados. MSF está agora trabalhando com as autoridades de saúde para um repasse sustentável de suas atividades, mas não antes de integrar ao programa a vacinação contra hepatite B logo após o parto.  

Em uma tarde recente em julho, três mulheres se encontraram em um hospital recém-reformado na cidade costeira de Likoni, no Quênia.

Rose estava se preparando para dar à luz seu terceiro filho. Ela havia tido um sangramento e estava sendo levada às pressas para a sala de parto. Roselyn tinha viajado todo o caminho até Likoni, vindo do extremo sul; seu coração estava inquieto. Ela havia passado por duas cesarianas no passado e tinha pouca coragem de passar por uma terceira. A grávida de dois meses Kibibi esperou com vinte outras mulheres pela primeira consulta. A última vez que ela deu à luz foi em um contêiner.

De contêineres para um hospital completo
Likoni fica separada do centro regional de Mombaça por uma fina faixa de água, que se estende continente a dentro. Durante muito tempo, as grávidas de Likoni tiveram que atravessar para Mombasa para dar à luz no principal hospital da cidade. Mas a travessia movimentada da balsa costumava causar atrasos frequentemente dolorosos, às vezes até fatais, para as mulheres que precisavam de cuidados obstétricos de emergência.

Como medida paliativa, no início de 2017, Médicos Sem Fronteiras (MSF) instalou contêineres no centro de saúde de Mrima, oferecendo um pacote abrangente de cuidados obstétricos e neonatais de emergência. Paralelamente, as equipes de MSF começaram a reabilitar o centro de saúde; ao longo de um ano, foi acrescentada uma sala de cirurgia e uma unidade de recém-nascidos e o hospital recebeu novos equipamentos, para que as mulheres da região pudessem ter acesso sustentável aos serviços de saúde sexual e reprodutiva.

Kibibi diz que a última vez que ela veio aqui, estava prestes a dar à luz seu primeiro bebê. Ela foi rapidamente levada para o que era então chamado de “vila de contêineres”, onde lhe disseram que seu bebê não estava recebendo oxigênio suficiente. Ela se lembra do pavor que sentiu quando foi levada para a sala de cirurgia. Mas depois de algumas horas, quando o efeito de sonolência da anestesia passou, seus sentidos despertaram para o pulso suave e rítmico de um menininho deitado ao seu lado.

Seguindo o conselho que recebeu durante seu último parto, desta vez Kibibi foi para o hospital assim que soube que estava grávida. Os contêineres ficaram de lado, mas o prédio do hospital agora tinha uma nova maternidade. Esperando para passar por uma triagem médica para HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, ela compartilhou seu desejo de que seus filhos sejam saudáveis. Ela não trabalhava, e seu marido era trabalhador informal, mas ela disse que estava determinada a ver seus filhos florescerem.

Enquanto isso, na ala de internação, Roselyn esperava com as feições franzidas de ansiedade. Ela precisou passar por uma cirurgia no útero recentemente e esperava que ela não ter que suportar mais um procedimento doloroso. Ela sentiu sua pressão cair; cada respiração parecia exigir mais esforço. Para seu imenso alívio, Roselyn deu à luz sem ter que se submeter a uma cesariana. “Eu estava com a barriga grande, mas ela saiu pequena”, ela brinca após o parto, deixando para trás semanas de tensão acumulada.

Em uma enfermaria próxima, Rose reuniu toda sua força para dar um empurrão final. A cabeça de um menino apareceu, mas logo todo movimento parou. Num piscar de olhos, os médicos correram para a sala de emergência, onde decidiram operar Rose. O bebê finalmente saiu; fracos esboços de ar escapando pelas narinas asseguravam que ele estava vivo. Ele abriu os olhos minúsculos, mas permaneceu em silêncio. A condição de Rose não era boa. Quase imediatamente após o parto, ela começou a sangrar novamente. Uma cirurgia atrás da outra, ela chegou a ficar com apenas quatro litros de sangue sobrando. “Eu quase me entreguei”, diz Rose. Bolsas de sangue e o trabalho rápido dos cirurgiões conseguiram arrastar Rose para fora do abismo, mas suas dificuldades ainda estavam longe de terminar.

Transição sustentável
Apenas alguns anos atrás, seria quase impossível para mulheres como Rose ter acesso a assistência obstétrica de emergência em Likoni. Não só o centro de saúde Mrima está bem equipado para administrar partos complicados, como outras instalações de saúde na região também começaram a oferecer cuidados de saúde sexual e reprodutiva.

Em breve, a maternidade do centro de saúde Mrima será inteiramente mantida pelas autoridades de saúde da região. “Nós estabelecemos um comitê de direção conjunto composto por profissionais de saúde locais e equipes de MSF para supervisionar o processo de transição, que deve ser concluído até 2021”, diz Dana Krause, representante de MSF no Quênia.

“Além de garantir um repasse tranquilo, nossa principal prioridade será introduzir a vacina contra hepatite B para recém-nascidos, em um esforço para o aumento da vacinação no nível nacional”, acrescenta Krause.
A hepatite B é uma infecção viral com risco de vida, que causa danos ao fígado e é frequentemente transmitida pela mãe ao filho no nascimento. As infecções agudas são incuráveis, então a vacinação ao nascer tem provado ser uma estratégia eficaz para prevenir a transmissão do vírus da hepatite B.

O nascimento de esperança
Rose teve um vislumbre de seu bebê em uma breve pausa imediatamente após o menino nascer, antes de ficar inconsciente. Quando ela recuperou a consciência, sua família deu a notícia para ela: o garotinho havia falecido.
“É difícil perder alguém que você carrega por nove meses”, disse Rose com sua voz suave e postura plácida. “Você vê suas amigas carregando bebês; é muito doloroso ”. Cada uma dessas palavras saiu lenta e clara.
Um homem jovem e alegre se aproximou de uma cama ao lado de Rose, onde Roselyn estava embalando uma garotinha nos braços. Ele mal olhou para a garota e, com uma determinação concentrada, começou a reunir todos os pertences sob o leito de Roselyn.  Assim que ele colocou tudo empilhado em um balde, um largo sorriso apareceu em seu rosto. Ele colocou o braço em volta de Roselyn, quase convidando os espectadores a tirar uma foto.

Do outro lado da cama de Roselyn, Rose estava deitada com o marido de um lado e a prima do outro. Ela havia pedido ao marido que retirasse as pequenas roupas que, cuidadosamente dobradas, estavam em um canto, para que a lembrança do bebê não voltasse para assombrá-la.  
“As outras mulheres têm me aconselhado”, disse Rose. “Quando meus parentes não estavam aqui, minhas companheiras de ala cuidaram de mim. No futuro, se alguém enfrentar essa situação, também darei orientação e aconselhamento.”

Enquanto isso, a família de Roselyn estava se preparando para deixar a maternidade.  “Quando eu estava grávida, não tinha certeza se eu sairia viva”, disse Roselyn. “Eu disse a mim mesma, se nós duas sobrevivêssemos, eu daria ao bebê o nome de ‘esperança’”. Foi assim que, em uma tarde de julho, no centro de saúde Mrima, a esperança nasceu.  
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Em 2018, MSF assistiu 6.927 partos no Centro de Saúde Mrima, incluindo 738 por cesariana. De janeiro a julho de 2019, MSF assistiu 4.224 partos, incluindo 468 cesarianas.
 

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