Malauí: Programa de HIV/Aids descentralizado compensa falta de recursos humanos

Iniciado em 2001, projeto no sul do país já proporcionou tratamento com antirretrovirais para mais de 13 mil pessoas

Com cerca de 930 mil pessoas infectadas, entre adultos e crianças, o Malauí tem um dos maiores índices de incidência de HIV/Aids do mundo. Doze porcento da população com idades entre 15 e 49 anos está infectada e 68 mil pessoas morrem devido à doença todos os dias. Mais de 13 mil pacientes de MSF recebem antirretrovirais (ARVs). Mas apesar das 211 unidades nacionais oferecerem ARVs gratuitamente em 2008, apenas 50% dos pacientes têm acesso aos medicamentos e outros 290 mil ainda esperam por tratamento.

“Todos os meses, MSF inclui entre 300 a 500 pacientes adicionais no programa de ARVs”, conta Mickaël le Paih, o chefe de missão. "As necessidades são enormes”.

Cooperação, descentralização e cuidados perto de casa

Devido à extensão das necessidades e a falta de funcionários de saúde – 40% dos postos estão vagos e são muito difíceis de serem preenchidos – o distrito de Chiradzulu, e o resto do país, necessita de outras formas de tratamento.

Em colaboração com autoridades sanitárias distritais, MSF simplificou os protocolos de tratamento e delegou responsabilidades pelo programa nos centros de saúde da região. “Em termos concretos, a equipe médica de MSF trabalha diariamente junto com a equipe do Ministério da Saúde nos centros de saúde”, explica le Paih.

Os objetivos do tratamento descentralizado são garantir o acesso a ARVs para o máximo de pacientes soropositivos possível do distrito e oferecer serviços perto de casa. “Os pacientes não têm mais que andar por quilômetros para chegar ao hospital”, conta Séverine Doumeizel, coordenadora do projeto. “Eles também recebem melhor acompanhamento médico no caso de uma complicação, ou se não se sentem bem, é mais simples e mais rápido para eles voltarem ao centro”.

Nouma deixa a sala de exames de MSF do centro de saúde Bilal. Ele entrou para o programa de MSF em 2008. Como ele desenvolveu resistência aos medicamentos de primeira linha, recentemente passou para uma terapia de segunda linha. “Foi complicado ir ao hospital do distrito. É difícil para eu andar e não tenho um carro. E também não é fácil pagar por transporte porque é muito longe. Levo meia hora da minha casa para o hospital”, conta Nouma.

Prestando contas e delegando

Para atingir o objetivo de reduzir a sobrecarga da equipe médica – e graças aos avanços no tratamento -, alguns pacientes devem ir ao centro de saúde duas vezes por ano e ter suas prescrições renovadas a cada três meses.

“Há vários critérios de inclusão para esse programa”, explica Isaak, supervisor do projeto. “O paciente tem que estar sob terapia de primeira linha, tem que ter seguido o regime de maneira apropriada por mais de um ano e ter o nível de CD4 (marcadores da imunossupressão) acima de 350. Se for mulher, não pode estar grávida”.

A ideia é enfatizar a educação terapêutica para os pacientes e dar a eles mais responsabilidade. Em maio deste ano, 740 pacientes aproveitaram desse “monitoramento em cadeia”. No caso de uma complicação, eles podem ir diretamente para o centro de saúde, sem precisar esperar pelo dia que têm consulta marcada.

A estratégia de delegar responsabilidades para funcionários de saúde sem especialização e, por vezes, para profissionais não-sanitários, que geralmente são reservados aos profissionais mais qualificados, está se disseminando nos países em desenvolvimento. É uma forma de lidar com a falta de recursos humanos. No Malauí, algumas responsabilidades médicas foram delegadas às enfermeiras porque elas são profissionais em maior número. Elas foram treinadas para iniciar o tratamento de ARV e monitorar pacientes estáveis e podem agora oferecer cuidados normalmente dispensados por médicos.

Apenas os casos mais delicados são transferidos para “oficiais clínicos”, trabalhadores sanitários que passaram por quatro anos de treinamento médico, mas que também são escassos.

Ouvindo e Aconselhando

A equipe não especializada, mas treinada, também realiza triagem e oferece apoio psicossocial e nutricional. Um paciente que toma ARVs precisa atender e concordar em continuar o tratamento para o resto da vida. Isso requer proximidade e apoio contínuo, motivo pelo qual MSF montou uma equipe de aconselhamento para complementar o monitoramento médico. Os conselheiros estão lá para ajudar os pacientes com os problemas diários provocados pelo HIV e para garantir que eles tomem os medicamentos regularmente.

Abordagens específicas foram elaboradas para crianças, que representam 10% dos pacientes. As ferramentas de comunicação desenvolvidas para crianças com entre 7 e 14 anos de idade têm por objetivo passar as informações apropriadas sobre a sua doença. "Nós sabemos que é importante abordar a questão do HIV rapidamente com as crianças”, explica Violet, uma agente psicossocial. “Isso significa começar com seis anos de idade. A maioria dos pacientes que aprenderam sobre sua doença depois dos 14 ou 15 anos tiveram dificuldades em tomar os medicamentos de forma apropriada. Vocês têm que conversar muito com as crianças e envolvê-las”.

E o futuro?

Todas essas evoluções foram conduzidas em cooperação estreita com o Ministério da Saúde. MSF espera transferir, gradualmente, as responsabilidades ao órgão. "O objetivo de descentralização foi estabelecida em 2005”, lembra Le Paih. "Finalmente conseguimos. Acesso ao tratamento de HIV de alta qualidade está disponível em todo o distrito de Chiradzulu. Estamos tentados a pensar em algo em longo prazo agora, o que, claro, envolveria a possibilidade de passar as atividades de MSF durante os próximos anos”.

Mas mesmo que esses métodos inovadores de delegar a responsabilidade de tratamento tragam alívio para a equipe de saúde e permitam que novos pacientes entrem no programa rapidamente, eles não foram implementados em escala nacional e têm limites.

"Mesmo se toda a população pudesse ser examinada amanhã, o Ministério da Saúde ainda teria que lidar com a falta de recursos humanos. MSF não pode contratar muitas pessoas, por questões financeiras e logísticas. O Ministério da Saúde deve também continuar a expandir sua habilidade de tratar e monitorar pacientes HIV”, defende a coordenadora do projeto.

Enquanto isso, MSF continua a desenvolver programas como o de prevenção de transmissão de HIV de mãe para filho, que vem sido oferecido nos centros de saúde desde março de 2008, usando terapia tripla de maneira profilática. Os programas também incluem atendimento pediátrico e detecção de falhas na terapia.

Graças ao programa de MSF, mais de 4,3 mil pacientes receberam tratamento ARV no distrito de Chiradzulu em 2008. Desde que o projeto teve início em 2001, a organização monitorou e tratou 13 mil pacientes.

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