Após 25 anos, MSF conclui projeto de HIV/Aids no Malaui

Atividades foram repassadas às autoridades locais, que garantirão a continuidade dos cuidados aos pacientes.

© Julie Remy/MSF

Em julho deste ano, Médicos Sem Fronteiras (MSF) encerrou o capítulo de um de seus projetos mais antigos no Malaui, lançado há cerca de 25 anos em resposta à epidemia de HIV/Aids.

Iniciamos as atividades de prevenção e controle de HIV/Aids no Malaui em 1994, no distrito de Mwanza, antes de expandir as atividades para o distrito de Chiradzulu, em 1997, onde se estima que 20% da população adulta vivia com HIV.

Em agosto de 2001, MSF iniciou um programa para fornecer acesso gratuito à terapia antirretroviral (TARV) no hospital distrital de Chiradzulu. Antes dessa data, nenhum tratamento para HIV estava disponível no país, e a ação médica em relação aos pacientes limitava-se à prevenção e tratamento de infecções oportunistas. De acordo com o UNAIDS – programa das Nações Unidas contra o HIV/Aids -, cerca de 86 mil pessoas morreram de causas relacionadas à doença no Malaui em 2001.

Fred Minandi, um agricultor aposentado, lembra com orgulho que foi o quarto paciente a receber a TARV no projeto de Chiradzulu, em 16 de agosto de 2001, aos 41 anos.

Tive a sorte de ser um dos primeiros pacientes a receber tratamento”.

– Fred Minandi, paciente de MSF no projeto de Chiradzulu.

“Aqueles dias [anos 1990-2000] foram muito ruins, as pessoas estavam morrendo. Perdi meu irmão e minha irmã para a Aids. Quando eu estava doente, não tinha esperança. Naquela época, ninguém estava recebendo TARV, até que MSF começou a fornecê-la”, explica Fred.

“Em 1999, fiz um teste de HIV no hospital distrital de Chiradzulu. Eu não estava mais trabalhando, porque estava muito doente e tinha infecções oportunistas desde 1997. Eu testei positivo para o vírus. Mais tarde, me encontrei com conselheiros de MSF, que me disseram que iriam começar a receitar a TARV. Tive a sorte de ser um dos primeiros pacientes a receber tratamento. Depois de um mês, consegui começar a trabalhar novamente.”

 

Fred Minandi, hoje com 63 anos, foi o quarto paciente a receber terapia antirretroviral (TARV) no início do projeto de controle de HIV/AIDS de MSF no distrito de Chiradzulu, Malaui. © Pascale Antonie/MSF

 

A história do projeto em Chiradzulu não é apenas sobre o fornecimento de medicamentos aos pacientes. O programa provou que era possível combater o HIV em ambientes rurais empobrecidos e que os pacientes cumpririam a rigorosa rotina de tratamento da infecção pelo HIV, uma ideia recebida com desconfiança significativa na época. O programa estabeleceu um precedente e ajudou a abrir caminho para defender preços de medicamentos mais baratos e garantir o acesso à TARV em países de baixa renda.

Em julho de 2002, Fred Minandi foi convidado para falar na 14ª Conferência Internacional sobre HIV/Aids em Barcelona, onde a apresentação de MSF sobre “Acesso à TARV em programas de MSF” incluiu a experiência no projeto em Chiradzulu.

“Sou um dos primeiros pacientes a receber tratamento gratuito no Malaui e, se estou aqui falando sobre isso hoje, é porque estou recebendo tratamento. Alguns de vocês dirão que os africanos não podem tomar remédios adequadamente porque não sabemos dizer as horas. Não tenho relógio, mas posso dizer que, desde que comecei minha terapia tripla, nunca esqueci de tomar uma única dose”, disse Fred na conferência.

Até o final de 2003, mais de 2 mil pacientes estavam em TARV no programa de Chiradzulu, com uma taxa média de 200 novos pacientes por mês, mostrando resultados clínicos comparáveis aos encontrados em países de alta renda.

Descentralização de cuidados e outras estratégias de saúde

Com o passar dos anos, a ampliação do número de pacientes que recebem TARV foi possível simplificando as abordagens de tratamento, descentralizando os cuidados para instalações de saúde periféricas e transferindo certas tarefas da equipe médica para os profissionais da área paramédica – e até mesmo não médica.

Os avanços nas estratégias de tratamento também permitiram que os pacientes em condição estável que estavam em tratamento há pelo menos um ano fizessem suas consultas médicas uma vez a cada seis meses, em vez de a cada dois a três meses. Esse sistema de consulta de seis meses ajudou a reduzir a carga sobre os pacientes e a equipe médica.

A colaboração entre MSF e o Ministério da Saúde do Malaui, juntamente com esse modelo de descentralização e mudança de tarefas, contribuiu para moldar políticas e diretrizes no Malaui sobre o cuidado e o tratamento de pessoas vivendo com HIV.

Em 2009, todas as estruturas de saúde no distrito de Chiradzulu foram capazes de fornecer toda a gama de serviços para pacientes com HIV/Aids, desde testes até prevenção da transmissão de mãe para filho e tratamento de pacientes infectados também com tuberculose.

Em 2013, um estudo de MSF no distrito mostrou que 65,8% das pessoas que precisavam de TARV estavam recebendo os medicamentos apropriados. Uma pesquisa de base populacional revelou que também havia um nível muito baixo de novas infecções (0,4%), sugerindo que a grande oferta de tratamento para a infecção pelo HIV desempenhou um papel na redução da transmissão.

Esse progresso foi possível não apenas pela parceria entre MSF e as autoridades locais de saúde, mas também pelas próprias pessoas atendidas pelo projeto. Pacientes como Fred formaram grupos de apoio e foram contratados por MSF como conselheiros de cuidados de pares para incentivar as pessoas a fazer o teste e ajudar os pacientes a cumprir o tratamento.

“Essa abordagem de equipes com cuidadores e conselheiros de pares capacitou os pacientes a se encarregarem de seus cuidados e apoiarem os outros em suas jornadas de tratamento”, lembra Fred, sobre seus dias como conselheiro de pares no centro de saúde de Mauwa, no distrito de Chiradzulu.

Cuidados para crianças e adolescentes

Ainda que as pessoas que vivem com HIV enfrentem muitos dos mesmos problemas, independentemente da idade e das circunstâncias, com o tempo ficou claro que crianças e adolescentes têm desafios específicos e precisam de atenção extra e cuidados dedicados.

Com os pacientes às vezes menores de 10 anos de idade, até mesmo a simples explicação do que é testar positivo para o HIV e o que isso significa para a vida de alguém pode ser complicada. Outros pacientes podem estar se aproximando da maturidade sexual e lutando para aceitar o fato de que vivem com uma infecção sexualmente transmissível.

Em 2017, MSF iniciou “Clubes de Adolescentes” aos sábados e continuou a administrá-los até o final de 2022. A iniciativa oferecia cuidados relacionados ao HIV, acompanhamento, serviços de saúde sexual e reprodutiva e apoio psicológico e social a adolescentes que vivem com HIV.

 

Adolescentes esperando por consultas durante um “Clube de Adolescentes” de MSF, em Chiradzulu. © Francesco Segoni/MSF

 

A participação nessas sessões, que forneciam um espaço seguro e amigável onde os adolescentes também podiam contar com o apoio dos colegas, mostrou estimular maior adesão ao tratamento e contribuir para o bem-estar geral do paciente. Para muitos desses pacientes, o “Clube de Adolescentes” ajudou na transição de estarem sobrecarregados por uma condição que eles lutam para entender, para um melhor preparo para enfrentá-la. Em 2019, cerca de 9.200 adolescentes frequentavam os clubes no distrito de Chiradzulu.

 

Continuidade das atividades

Após mais de 20 anos de colaboração com MSF, as autoridades de saúde do distrito de Chiradzulu e seus parceiros assumiram totalmente o atendimento de todos os pacientes e atividades, entre 2022 e 2023, garantindo a continuidade do tratamento e cuidados com o HIV.

O Malaui tem uma das maiores taxas de prevalência de HIV do mundo, com 990 mil pessoas (UNAIDS, 2021) vivendo com o vírus em uma população de quase 20 milhões. Projetos como o de Chiradzulu estabeleceram uma referência no Malaui para o tratamento da infecção pelo HIV.

Em colaboração com MSF e outros parceiros, o país ampliou os programas de prevenção e tratamento, resultando em grandes avanços. Das 990 mil pessoas que vivem com HIV, 93% têm conhecimento sobre sua condição, 91% estão em TARV e 85% têm cargas virais suprimidas (UNAIDS, 2021).

“Quando faço o teste de carga viral hoje em dia, o vírus é indetectável. Em 2001, quando o conselheiro disse que a TARV poderia prolongar minha vida, pensei que seriam dois ou três anos, mas aqui estou eu, 22 anos depois”, diz Fred, com um sorriso no rosto.

Ao todo, 55 mil pessoas com teste positivo para HIV foram inscritas no programa de Chiradzulu, desde 2001 até o encerramento do projeto em 2023.

Compartilhar
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on print