Dois meses após tufão Rai, nas Filipinas, as pessoas afetadas ainda lutam para seguir em frente

Sobreviventes e profissionais de MSF compartilham suas histórias sobre o impacto do tufão Rai em algumas das áreas mais afetadas nas Filipinas.

Foto: Regina Layug Rosero/MSF

Quase dois meses após o Tufão Rai – conhecido localmente como Odette – atingir as Filipinas, as pessoas nas comunidades mais atingidas continuam deslocadas. No total, mais de 333 mil pessoas foram deslocadas nas 11 regiões afetadas pelo tufão, de acordo com dados do Conselho Nacional de Redução e Gestão de Riscos de Desastres das Filipinas.

O tufão Rai foi a tempestade mais forte a atingir as Filipinas em 2021, deixando pelo menos 405 mortos, 65 desaparecidos e 1.261 feridos, de acordo com o Conselho Nacional de Redução e Gestão de Riscos de Desastres.

Em cooperação com a resposta em curso das autoridades filipinas, as equipes de emergência de Médicos Sem Fronteiras (MSF) que trabalham nas províncias de Dinagat e Surigão do Norte estão se concentrando no apoio a unidades de saúde, administrando clínicas móveis com saúde mental e apoio psicossocial em áreas isoladas, facilitando o encaminhamento de pacientes críticos, distribuindo itens de higiene e doação de materiais médicos essenciais.

Sobreviventes e profissionais de MSF compartilham suas histórias sobre o impacto do tufão em suas vidas e seus meios de subsistência:

Foto: Regina Layug Rosero/MSF

 

“Como podemos nos recuperar disso?”
Marie Kris Yurtes é secretária do Barangay* Catadman, na cidade de Surigão.

“Antes da tempestade, o Departamento do Interior e Governo Local enviou uma mensagem dizendo que o tufão Rai chegaria no dia 16 de dezembro. Eles disseram que deveríamos nos preparar e que provavelmente haveria ventos fortes e ondas grandes.

Assim, na manhã do dia 16, dei a volta por todo o vilarejo. Eu disse às pessoas que quem quisesse ser evacuado, deveria ir à nossa igreja porque esse é o ponto mais alto. A escola, que era nosso centro de evacuação habitual, ficava perto do mar.

Por volta de meio-dia, o vento estava ficando mais forte. Com ventos tão fortes, parecia que havia um tornado, então meu marido e eu levamos nossos três filhos para a igreja. Quando chegamos, já havia cerca de 30 famílias lá.

Vimos duas mangueiras caírem na nossa rua. Vimos telhados voando das casas, caindo no chão. Parecia que o furacão havia arrancado os telhados das casas. Os ventos estavam tão fortes que, mesmo enquanto caminhávamos, parecia que o vento iria nos levar. Na igreja, vimos que alguém havia sido ferido. Eles foram atingidos por uma folha de metal que voou do telhado de alguém.

Fomos verificar nossa casa, meu marido disse que ela havia sumido, havia desmoronado. Olhei as outras casas e elas também haviam desaparecido.

Voltamos para a igreja e os ventos mudaram, de repente começaram a vir do sul. Cerca de duas horas de ventos tão fortes que danificaram o telhado da nossa igreja.

A água do mar quase atingiu a igreja. Não pude fazer nada. Dormimos lá porque não tínhamos mais casa para onde ir. Não comemos naquela noite porque ninguém sabia fazer arroz. Na manhã seguinte, fomos para onde estavam nossas casas e montamos abrigos improvisados.

Desde a tempestade, não há mais nada que possamos fazer a não ser olhar para a nossa casa e ver como vamos consertá-la. Tudo o que era possível salvar, nós consertamos. O que não era possível, jogamos fora. Nossas roupas ficaram molhadas e só temos que lavá-las para termos algo para usar.

Graças a Deus ninguém morreu nesta área. Algumas pessoas estavam doentes, mas na maioria dos casos, eram apenas resfriados e tosse. Nós apenas usamos fitoterapia para tratá-los porque há um longo caminho até a cidade. O centro de saúde foi destruído. Ainda não conseguimos consertá-lo porque trabalhamos primeiro em nossas próprias casas.

Já faz um mês desde a tempestade, e pensamos em como podemos nos recuperar. É muito difícil. Meu salário como secretária não é suficiente. Às vezes pensamos: como podemos nos recuperar disso? Nossos parentes enviaram ajuda, e conseguimos colocar um teto sobre nossas cabeças, mas ainda é muito difícil. Em vez de melhorar nossa casa, agora não temos nada, nossa casa foi totalmente destruída. Estamos apenas agradecidos que muitas pessoas enviaram comida. Nos recuperamos um pouco., mas a dor da falta de moradia é o que sentimos”.

Foto: Regina Layug Rosero/MSF

 

“Temos que contar 10 anos novamente antes de podermos colher qualquer coisa”
Queencel Catulay é agricultora de Barangay Sugbay, na cidade de Surigão.

“Já vi um grande furacão antes, o tufão Nitang, em 1984. As pessoas entenderam o que acontece quando somos atingidos por um furacão extremamente forte. Nossos vizinhos foram parar nos manguezais. E havia outros no tanque de peixes, mortos. Nós realmente esperávamos que o tufão Rai não fosse uma repetição de Nitang.

Achei que fôssemos morrer. Os ventos eram muito fortes e as ondas eram muito grandes, mas todos nós nos ajudamos.

Três dias antes da tempestade, o capitão Barangay e eu fomos de casa em casa falando para as pessoas evacuarem. Algumas não queriam deixar suas casas, seus meios de subsistência e seus animais. Nós realmente tentamos convencê-los a ir para o centro de evacuação. Nós realmente esperávamos não perder uma única pessoa em nosso vilarejo.

Fiquei muito assustada porque vi o vento entrando no centro de evacuação. Então houve outra rajada de vento, e foi como se eles estivessem se chocando. Era como se os ventos fossem chegar ao prédio em que estávamos. Pegamos uma corda e amarramos no prédio para que todos pudessem se segurar.

Todo mundo estava chorando e algumas pessoas disseram que alguém estava faltando. Então saímos para resgatá-los. Estávamos encharcados. Galhos de árvores caíram sobre algumas pessoas, mas nós ajudamos uns aos outros. Havia uma mulher que parecia estar prestes a dar à luz. Ficamos com medo porque não sabemos como ajudar no parto.

A enchente, a água do mar, devia ter três metros de altura no centro de evacuação. Eu disse: “Senhor, por favor, tenha misericórdia, por favor, nos salve”. Não importa se perdermos tudo desde que nenhum de nós morra. Estou muito grato porque ninguém morreu. Mas eu chorei muito porque um dos meus filhos se separou de mim. No momento em que tudo acontecia eu pensei: se vamos morrer, então vamos morrer juntos, todos nós.

No dia seguinte, quando olhei ao redor do vilarejo, era como uma cidade fantasma. Tudo desmoronou, especialmente nosso centro de saúde e nossa escola. Não sobrou um pedaço do telhado, nem as paredes, não sobrou nada.

Aqui em Sugbay, temos 172 famílias. Somos agricultores. Plantamos mandioca e coco. Mas agora os coqueiros não vão crescer. Como os agricultores irão sobreviver? Eles têm que começar do nada. Os coqueiros precisam crescer 10 anos antes que você possa colher. Temos que contar 10 anos novamente antes de podermos colher qualquer coisa.

Algumas pessoas, como o meu marido, vivem do mar. Como podemos viver se não temos barcos? Perdemos nossas redes, nossas gaiolas de peixes, não conseguimos salvar nada. Não temos nada que possamos usar no mar. O empréstimo do barco ainda não foi pago. Agora não sei como vamos pagar. Se pudéssemos ter apenas um barco e redes, seria uma grande ajuda.

Agradeço, apesar de tudo o que aconteceu, porque chegou alguma ajuda: arroz, enlatados, kits de higiene.

Precisamos de ajuda para reparar nossas instalações, especialmente o centro de saúde e a nossa ponte.

Ninguém morreu aqui, graças a Deus. Ninguém se perdeu, ninguém sequer ficou doente, entre todos os que evacuaram.

Nossos vizinhos, idosos, sinto muito por eles. Ainda hoje, uma senhora idosa caiu na estrada porque ela estava muito escorregadia. Isso acontece quando está sempre chovendo.

Mas ainda podemos lidar com tudo, mesmo com todas as dificuldades. Não podemos perder a esperança”.

 

“É muito difícil ter acesso a muitas áreas”
Dra. Chenery Ann Lim é coordenadora de emergência de MSF na resposta ao tufão Rai

“É muito desafiador acessar diversas áreas por aqui. Não estamos falando apenas de dificuldades climáticas. Precisamos de barcos para ir de uma ilha à outra. Às vezes, o barco grande não pode entrar porque as ilhas são muito pequenas, então temos que alugar barcos menores.

Às vezes, quando vamos às ilhas, somos a primeira equipe médica que eles veem. Muitos pacientes têm infecções do trato respiratório superior. Vimos alguns com gastroenterite, outros que precisam de medicamentos de manutenção. Muitos de seus medicamentos foram perdidos porque suas casas se foram. Isto é muito difícil para eles. Por isso, estamos fornecendo serviços de saúde e medicamentos gratuitos.

MSF tem realizado clínicas móveis e distribuindo kits de higiene. Durante as consultas médicas, examinamos as crianças para a desnutrição.

Nos hospitais, há falta de pessoal de saúde porque eles também foram afetados pela tempestade. Por isso, temos uma equipe médica de MSF em um dos hospitais distritais, para ajudar a garantir que os serviços de saúde continuem.

Foto: Regina Layug Rosero/MSF

 

“Era como se todos fossem levados pela água e levados para o meio do mar”
Jonathan Pillejera é logístico de MSF.

“Quando chegamos aqui, vimos como a tempestade devastou toda a ilha. Assim que o barco atracou, pudemos ver onde as árvores haviam caído na montanha, as casas desmoronadas, as ruas cheias de escombros. Ainda chovia e era difícil encontrar barcos que navegassem de Surigão a Dinagat. Apenas alguns navios comerciais estavam viajando, e todos estavam cheios.

As estradas em Dinagat são inclinadas, então a água realmente desce e as estradas ao pé das colinas ficam todas submersas. Até mesmo os sistemas de transporte bao-bao (veículo de três rodas) não podem se movimentar. Há áreas que não podem ser limpas imediatamente.

Visitamos diferentes vilarejos para avaliar suas unidades de saúde. Quase tudo foi destruído e realmente inutilizável, especialmente nas áreas costeiras. Basilisa é uma das áreas mais danificadas, com mais de 50% das casas destruídas. Em Cagdianao, há um vilarejo chamado Boa, onde demorou mais de uma semana para que alguém pudesse ir para lá. Cem por cento das casas foram danificadas, não sobrou muita coisa para as pessoas.

O que quer que façamos, garantimos que seja coordenado adequadamente com os funcionários do governo local e os escritórios de saúde provinciais.

Enquanto conduzimos nossa avaliação na vila costeira de Laguna, o capitão Barangay chorou porque realmente não esperava que isso acontecesse com todo o seu vilarejo. As casas foram totalmente destruídas. Ele disse que era como se as pessoas fossem engolidas por ondas de quatro metros de altura. O centro de evacuação ficava no topo da montanha, e as pessoas viram suas casas serem atingidas pelos ventos e pelas grandes ondas. Era como se todos fossem levados pela água e levados para o meio do mar.

*Barangay é a menor unidade administrativa do governo nas Filipinas.

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