“Aprendi a colocar a humanidade em primeiro lugar. É uma lição que ensino aos meus filhos”

Claude Ndoko, agente de saúde comunitária, conta, em Histórias de MSF, o que o motiva no trabalho, sua experiência como paciente com febre de Lassa e os desafios no surto de Ebola

Claude Ndoko em frente à ala pediátrica do hospital governamental de Magburaka, no distrito de Tonkolili, Serra Leoa, apoiada por Médicos Sem Fronteiras © Daniel García/MSF

Claude Ndoko trabalha com Médicos Sem Fronteiras (MSF) há 22 anos. Ele é agente de saúde comunitária na unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica do hospital de Magburaka, na Província do Norte de Serra Leoa, apoiado por MSF. Ele descreve sua experiência com o trabalho médico-humanitário e os desafios de lidar com surtos de doenças como Ebola e febre de Lassa.

 

O que o motivou a trabalhar com MSF?

O que me motivou foi o fato de que os pacientes são sempre a prioridade. Como estudante de medicina, eu já sabia disso, mas com MSF, isso foi realmente reforçado. Em apenas alguns meses trabalhando com MSF, me senti em casa e pude dizer que tinha encontrado uma família.

Comecei a trabalhar com MSF em 2001, no distrito de Moyamba, Província do Sul de Serra Leoa, durante a guerra civil (1991-2002). Embora o conflito armado ainda estivesse em andamento, a situação já começava a acalmar e todos esperávamos que o fim do confronto chegasse em breve.

Nasci na aldeia de Gbangbama, no distrito de Moyamba, por isso já conhecia MSF, porque eles trabalhavam na região. Eu havia acabado de me formar em enfermagem e estava ansioso para começar a trabalhar. Naquela época, MSF prestava cuidados a crianças, mães lactantes e mulheres grávidas no hospital público de Moyamba. Comecei a trabalhar como enfermeiro e, após alguns meses, me tornei supervisor da equipe de enfermagem.

Qual foi a parte mais gratificante do seu trabalho?

Em 2002, me mudei para o distrito de Tonkolili, onde MSF apoiava o hospital público de Magburaka. Comecei a trabalhar em uma ala pediátrica pela primeira vez, e foi lá que me apaixonei verdadeiramente pelo meu trabalho. Aquela experiência deu um novo propósito ao meu trabalho.

Sou pai e, quando cuido das crianças nas enfermarias, é como se estivesse cuidando dos meus próprios filhos.”

Já tratei muitas crianças no hospital. Duas delas hoje são enfermeiras e trabalham no Ministério da Saúde. Sinto muito orgulho quando as vejo.

Em 2006, voltei para a faculdade para me tornar agente de saúde comunitária. Vendi lenha e trabalhei na agricultura para poder pagar as mensalidades. Depois de me formar, trabalhei com o Ministério da Saúde em uma campanha de imunização, principalmente contra a febre amarela, o sarampo e a poliomielite na Província do Norte, na cidade de Kabala.

Depois, me mudei para Bo, onde MSF oferecia serviços de saúde a crianças menores de 15 anos e gestantes, no centro de referência de Gondama. Trabalhei como supervisor clínico e, ainda naquele ano, como analista de dados.

Quais foram os momentos mais desafiadores durante todos esses anos?

Trabalhar com febres hemorrágicas tem sido o aspecto mais desafiador do meu trabalho durante esses anos. Em 2010, trabalhei com MSF em uma resposta à febre de Lassa no distrito de Bo, na Província do Sul. Eu era o único agente de saúde comunitária que concordou em trabalhar nas enfermarias na época. Éramos uma equipe muito pequena: um médico, algumas enfermeiras e eu. A maioria das pessoas estava com medo, mas eu fiz porque queria salvar vidas. Eu mesmo fui um ex-paciente de febre de Lassa e perdi colegas devido à doença.

Sei como é ser isolado e não ter cuidados adequados porque as pessoas têm medo de se aproximar de você.”

Durante surto de Ebola em 2014 em Serra Leoa, deixei de cuidar de pacientes com febre de Lassa para cuidar de pacientes com Ebola. O ebola era novo para nós. Muitas pessoas estavam confusas sobre o que era e de onde vinha. Começou um jogo de culpar uns aos outros porque todos estavam procurando respostas. Foi preciso muita coragem para seguir na área médica naquele momento.

Muitas organizações estavam em Serra Leoa para ajudar na resposta, incluindo MSF. Precisávamos fazer a nossa parte como profissionais de saúde para conter a transmissão e tratar os pacientes. Minha mãe ligava para mim quase todos os dias e me pedia para não trabalhar durante esse período. Ela tinha medo de perder seu filho mais velho. Eu sempre respondia a ela “nya longoh ngie kpomiweh”, que significa “eu tenho que ajudar”. Ela nunca entendeu por que eu fazia isso, mas hoje ela me chama de soldado.

Claude Ndoko e o médico Christoph Hoehn na área de triagem de pacientes com suspeita de Ebola em Bo. Dezembro de 2014. © Anna Surinyach

Durante todos esses anos, usar equipamento de proteção individual todos os dias foi muito difícil, especialmente durante a estação seca, quando as temperaturas são escaldantes. Alguns dias eram simplesmente insuportáveis, mas lembrávamos uns aos outros que também precisávamos nos proteger.

Quando o Ebola foi declarado extinto em 2015, voltei ao meu trabalho no hospital público de Magburaka, novamente com MSF, mas desta vez na UTI pediátrica.

Quais são os seus planos para o futuro?

Vou me aposentar no fim deste ano e pretendo começar a cultivar um jardim. Gostei muito de trabalhar com MSF todos esses anos. Aprendi a colocar a humanidade em primeiro lugar, com altruísmo como princípio fundamental. É uma lição que nunca vou esquecer e que ensino aos meus filhos.

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