Uma década do maior surto de Ebola da história: veja cinco questões para serem lembradas

Epidemia da doença declarada em 2014 durou dois anos e causou mais de 11 mil mortes.

Há 10 anos, em 23 de março de 2014, a Guiné declarou um surto de Ebola. As epidemias da doença eram conhecidas por serem perigosas, porém pequenas. Mas não dessa vez: levaria dois anos até que o surto acabasse, registrando mais de 11 mil mortes.

Michel Van Herp, um renomado especialista em Ebola mesmo antes de 2014, relembra o maior surto da doença de todos os tempos e responde a cinco perguntas-chave.

O que aconteceu há 10 anos?

Paciente com Ebola é levado da ambulância para o centro de tratamento. Janeiro de 2015. Serra Leoa. © Anna Surinyach

Quando lemos os relatos de pessoas morrendo de uma doença desconhecida na Guiné, no início de 2014, pensamos que provavelmente era um surto de Ebola, mesmo que essa doença fosse extremamente rara na África Ocidental. Enviamos nossas equipes especializadas em Ebola para os locais.

Naquela época, Médicos Sem Fronteiras (MSF) era uma das poucas organizações com experiência em surtos da doença. Mas ficou claro que essa epidemia estava latente há meses e já estava presente em mais lugares do que todos estavam acostumados a lidar.

O surto aconteceu em um lugar do mundo onde ninguém esperava o Ebola, em uma área que não interessava às autoridades, e ninguém estava pronto para lidar com a situação. Os governos, as agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e as organizações de ajuda demoraram muito, muito tempo para levar o surto a sério. MSF tocou freneticamente o alarme várias vezes, mas ninguém parecia estar ouvindo.

Por que esse surto foi diferente?

Centro Médico de Ebola de MSF em Freetown, inaugurado na escola Prince of Wales. Janeiro de 2015. Serra Leoa. © Yann Libessart/MSF

Nunca houve surtos de Ebola em tantos países ao mesmo tempo. O vírus se espalhou na Guiné, Serra Leoa e Libéria, mas também houve casos no Senegal, Mali e Nigéria. Foi também a primeira vez que países ocidentais, como Itália, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, tiveram casos de Ebola.

A escala dessa epidemia era absolutamente inédita. Quando finalmente terminou, em março de 2016, mais de 28 mil pessoas haviam sido infectadas, das quais 11 mil morreram. Antes dessa epidemia, o maior surto de Ebola havia registrado 425 pessoas infectadas. Todos, incluindo MSF, ficaram completamente sobrecarregados com esse surto da doença.

A resposta ao surto também foi diferente?

Clínica de Tratamento de Ebola Nongo em Conacri. Novembro de 2015. Guiné. © Sam Phelps

Por quase seis meses, o mundo tentou ignorar o surto de Ebola. Somente um tempo depois, outros governos e organizações de ajuda finalmente começaram a ajudar.

Na época, não havia tratamentos para o Ebola. Os pacientes eram admitidos em uma clínica de Ebola principalmente para evitar que infectassem outras pessoas. Em surtos anteriores, um integrante da família poderia acompanhar o paciente, mas em 2014 foi diferente.

Para admitir o grande número de pacientes, estruturas muito grandes tiveram que ser construídas em 2014. Os procedimentos de segurança tinham que ser extremamente rigorosos, e era impossível permitir familiares. Essa abordagem em larga escala assustou os pacientes e suas famílias.

Até o final de 2014, dezenas de organizações de ajuda, a maioria delas inexperientes com o Ebola, estavam envolvidas em diferentes aspectos da resposta ao surto da doença. A coordenação de todas essas organizações, em vários lugares em diversos países, foi extremamente desafiadora.
Alguns governos recorreram a táticas autoritárias para forçar os pacientes e suas famílias a cooperar. Isso os assustou ainda mais.

O foco nos pacientes e suas famílias, que havia sido tão fundamental para conter surtos anteriores, foi completamente perdido na enorme máquina que a resposta ao Ebola se tornou.

Aprendemos alguma coisa?

O epidemiologista Michel Van Herp explica à população de Gbando o que é o Ebola e como evitar a transmissão da doença. Março de 2014. Guiné. © Joffrey Monnier/MSF

Muitas das coisas que consideramos “lições aprendidas” são questões que sabíamos antes de 2014, que, no entanto, haviam sido esquecidas. Mas também aprendemos coisas novas. Aprendemos como poderíamos fazer uma simples coleta de material oral nas pessoas que haviam morrido para identificar se a causa da morte estava relacionada ao Ebola. Isso nos permitiu entender melhor a dinâmica da epidemia.

Também organizamos estudos clínicos e descobrimos uma boa vacina contra a cepa Zaire do Ebola. E aprendemos com a organização das pesquisas, por isso fomos mais rápidos durante o surto da doença em 2018 na República Democrática do Congo, onde encontramos tratamentos com anticorpos para a cepa Zaire do ebola.

O que precisa ser feito futuramente?

Enfermeiro prepara vacina contra o Ebola em Bikoro. Maio de 2018. República Democrática do Congo. © Louise Annaud/MSF

Há coisas muito concretas que podemos melhorar. Devemos voltar a permitir que um familiar acompanhe um paciente na clínica de Ebola. Podemos protegê-los melhor agora, com vacinação e medicamentos para profilaxia pré-exposição.

Pacientes muito doentes devem receber um tratamento com anticorpos muito mais rápido. Os anticorpos podem ser verdadeiros salva-vidas e, quanto mais cedo um paciente os receber, melhor eles funcionarão. Devemos adaptar nossos modelos para fazer o melhor uso dessa opção.

Precisamos continuar procurando outros tratamentos. O vírus Ebola pode provocar uma resposta inflamatória tão forte que é capaz de matar o paciente. Se tivéssemos um medicamento para “acalmar” essa resposta inflamatória, salvaríamos mais pacientes com Ebola.

Também devemos melhorar o acompanhamento dos pacientes após sua recuperação. O vírus pode permanecer no cérebro, nos olhos e nos testículos dos sobreviventes. Outro tipo de medicamento, antivirais, pode “limpar” o vírus desses lugares. E seis meses após a recuperação total, os sobreviventes do Ebola devem receber uma vacina, para dar outro impulso ao sistema imunológico.

Nos últimos 10 anos, certamente cometemos erros quando respondemos a surtos de Ebola. Mas, em geral, é evidente que fizemos progressos, e há boas opções para progredir ainda mais. As chances de um paciente com Ebola no próximo surto serão muito melhores do que há dez anos.

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