Água, fonte da vida

Buscando prevenir doenças e promover dignidade, especialistas em água e saneamento de MSF buscam soluções inovadoras para contextos desafiadores

Sera James, moradora da comunidade de Akello, no Sudão do Sul, retira água do poço enquanto conversa com suas amigas. ©Njiiri Karago/MSF

A água é fonte de saúde e dignidade. No entanto, uma em cada quatro pessoas no mundo não tem acesso à água potável manejada de forma segura, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e 3,5 milhões ainda vivem sem saneamento básico.

Em muitos países onde Médicos Sem Fronteiras (MSF) trabalha, testemunhamos a dificuldade enfrentada pelas pessoas para conseguir acesso à água, mesmo que em quantidades mínimas.

Seja em crises provocadas por conflitos armados, pela emergência climática ou por desastres socioambientais, o esforço se repete: a água se torna um bem raro, e, com frequência, sua escassez força as pessoas a recorrerem a fontes contaminadas, inadequadas ao consumo. Nesses casos, o recurso mais essencial à sobrevivência pode acabar se tornando um agente de disseminação de doenças.

Entregar água potável à população faz parte das atividades médicas como forma de prevenção de doenças.”

Rosana Abissab, especialista em saúde ambiental de MSF

Oferecer fontes de água de qualidade a comunidades é garantir, além de dignidade, recursos para a prevenção de doenças. Em alguns lugares, a infraestrutura básica é tão precária que construí-las se torna parte da estratégia médica de MSF como forma de evitar epidemias.

Por isso, o trabalho de especialistas em água e saneamento é essencial. Em muitos de nossos projetos, inclusive, esses profissionais passaram a ocupar a função de especialistas em saúde ambiental e respondem à coordenação médica, com responsabilidades que incluem controle de vetores, manejo de resíduos hospitalares, oferta de água de qualidade em quantidades adequadas e saneamento básico. A prevenção de doenças, portanto, é tão importante quanto o tratamento.

Agrrey Nyaleso Isanyili e Oloya Phillip, profissionais de MSF, celebram, ao perfurarem um poço de água para a comunidade. SUDÃO DO SUL ©Njiiri Karago/MSF

“Na minha opinião, a atividade de saúde ambiental teria a mesma importância que a vacinação, por exemplo”, defende a bióloga Rosana Abissab, especialista em saúde ambiental de MSF.

• Entenda a importância: quatro impactos da falta de acesso à água potável na vida das pessoas

 

Acesso à água em tempos de guerra

A ligação entre conflitos armados e escassez de água nem sempre é óbvia. Em Gaza, por exemplo, o controle da água se tornou uma arma de guerra desde o início da ofensiva israelense.

Em julho de 2024, um relatório da Oxfam* apontou que as pessoas tinham acesso a apenas 4,74 litros por dia para todos os usos — incluindo beber, cozinhar e higiene pessoal —,muito menos que o padrão mínimo aceito internacionalmente para a sobrevivência básica em emergências, que é de 20 litros por dia.

A qualidade da pouca água disponível em Gaza também é preocupante — resultado da destruição quase total da infraestrutura de água e de saneamento e do estrito controle das forças israelenses sobre tudo o que entra no território, incluindo água potável e insumos essenciais para recuperar essa infraestrutura.

De janeiro a fevereiro de 2025, quase um quinto das 82 mil consultas de saúde primária realizadas pelas equipes de MSF em Gaza estavam relacionadas à falta de água e a condições de higiene precárias, incluindo infecções no couro cabeludo e doenças de pele, como a sarna.

Youssef Al-Khishawi, profissional de água e saneamento de MSF, durante distribuição de água na cidade de Rafah. GAZA ©MSF

 

Escassez de água em acampamentos de refugiados

Entre os refugiados do Sudão, outro país em guerra, o acesso à água se tornou igualmente difícil. No acampamento de Metche, que reúne cerca de 40 mil refugiados sudaneses no Chade, país vizinho, as pessoas conseguiam acesso a, no máximo, seis litros de água por dia para todos os usos em 2023. As equipes de água e saneamento de MSF trabalharam em regime de urgência para perfurar novos poços na região, que é extremamente árida.

Paul Jawor, especialista em água e saneamento, em instalação de MSF no acampamento de Metche. CHADE ©Linda Nyholm/MSF

Tanto em Metche quanto em outros acampamentos de refugiados no Chade, houve um aumento no número de casos de hepatite E, provocado pela escassez de água potável e pela falta de saneamento básico. A doença, que pode ser fatal, é altamente contagiosa e transmitida principalmente pela água contaminada. Em 2024, MSF era responsável pelo fornecimento de 70% da água potável na região e intensificou as atividades de promoção de saúde para disseminar informação sobre prevenção da hepatite E.

Algumas das principais doenças relacionadas à falta de água potável e ao saneamento precário:

Hepatite E
Cólera
Febre tifoide
Esquistossomose
Malária
Dengue

 

Emergência climática

Além de enfrentar os efeitos de conflitos armados, países como Sudão e Chade lidam também com as consequências da emergência climática — e não só eles. Em nossos projetos pelo mundo, somos testemunhas de que a crise climática não é uma previsão de futuro, mas um problema atual.

A insegurança hídrica, especificamente, acentuada pelos regimes de seca mais prolongados e até por desastres socioambientais cada vez mais frequentes, afeta a vida das pessoas de diversas formas.

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DESNUTRIÇÃO

Quando há pouca água, não é possível cultivar alimentos, e as pessoas perdem seus meios de subsistência.

PROPAGAÇÃO DE DOENÇAS
Quando não há acesso à água potável, há um maior risco de se utilizar água inadequada para o consumo e de contrair doenças.

“Para responder rapidamente à escassez de água, utilizamos conhecimentos e métodos da comunidade, ao mesmo tempo que introduzimos ferramentas para agilizar a coleta”, conta Paul Jawor, consultor de água e saneamento de MSF, sobre o trabalho no Chade.

As alternativas propostas pelas comunidades são muito importantes no trabalho especializado de MSF, porque, conforme aponta Rosana Abissab, “a população de alguma forma sabe como obter água em seu território”. Ela testemunhou essa troca de conhecimento entre MSF e a população também no Sudão.

O investimento em prevenção vale a pena.”
Rosana Abissab, especialista em saúde ambiental de MSF

A organização, por sua vez, dispõe de equipamentos modernos para facilitar o trabalho e torná-lo mais eficaz. “Temos kits maravilhosos em nossos estoques para manejo de resíduos sólidos hospitalares, por exemplo, ou para purificar e achar água”, explica ela. Mas, com frequência, essas ferramentas encontram grandes obstáculos para cruzar as fronteiras de territórios em conflito, como Sudão e Gaza. Nesses casos, os profissionais de MSF precisam recorrer à criatividade e improvisar novos usos para materiais ou equipamentos do qual já dispõem.

Aziza carrega água distribuída por MSF no acampamento de Adré. CHADE ©Ante Bussmann/MSF

Colaborar para que as pessoas nos lugares onde trabalhamos usufruam de algo tão fundamental à vida quanto água de qualidade é o primeiro passo para promover cuidados de saúde e é, portanto, parte fundamental da missão de MSF.

*Relatório publicado em junho de 2024 pela Oxfam

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