“Planejar, reformular e flexibilizar fazem parte do trabalho humanitário”

Eu me chamo Lais Monteiro Vazami, sou brasileira, psiquiatra de Médicos Sem Fronteiras (MSF) e estou há um mês trabalhando no leste da República Democrática do Congo (RDC), na região de Goma, capital da província de Kivu do Norte. A perspectiva é de permanecer por cerca de quatro meses aqui. A situação no país é bastante tensa, pois o conflito armado vigente impõe muitos deslocamentos à população, muito sofrimento e não parece haver perspectiva de término. Infelizmente, essa crise parece não ter tanta visibilidade internacional. Muitas pessoas de diferentes nacionalidades com as quais conversei antes de vir não tinham a menor ideia do que se passa por aqui.

Somente na região de Kivu do Norte, há 2,2 milhões de pessoas deslocadas, de acordo com o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Todas elas provavelmente passaram por processos muito difíceis, muito traumáticos. O deslocamento forçado, por si só, traz consequências para a saúde física e mental da população. Além disso, a violência sexual dentro da RDC é uma questão particularmente alarmante e, infelizmente, torna a situação de mulheres e crianças ainda mais vulnerável. Por essas e outras razões, faz muito sentido que uma organização médico-humanitária esteja presente no país. Trazer serviços de saúde a um lugar instável, em conflito, com muitas questões de segurança, muitas restrições, dificuldade de acesso e de transporte é muito desafiador. Ao mesmo tempo, é muito gratificante quando, apesar dessas dificuldades, conseguimos oferecer serviços médicos de qualidade à população. Acredito que essa seja a grande força de MSF: ser capaz de atuar em contextos muito difíceis.

Falando especificamente de saúde mental, temos um programa bastante diverso por aqui, que inclui visitas domiciliares, psicoeducação, consultas psicológicas, consultas com conselheiros, psicoestimulação para crianças hospitalizadas e, mais recentemente, consultas psiquiátricas. Grande parte das nossas atividades são conduzidas pela equipe local, ou seja, esses profissionais da RDC não só estão implicados nas ações, como são fundamentais. O meu modesto papel por aqui é garantir o treinamento da equipe para lidar com casos psiquiátricos, promover a integração dos diferentes serviços médicos (oferecer psiquiatria dentro de hospital geral), trabalhar pela boa prática clínica e, obviamente, zelar pelos direitos humanos dos nossos pacientes.

As atividades médicas têm corrido conforme as possibilidades do contexto. Por vezes, é necessário repensar o planejamento, reformular abordagens e flexibilizar – o que faz parte da natureza do trabalho humanitário. Por fim, há muito ainda a ser feito, mas mesmo assim fico feliz a cada treinamento realizado, a cada paciente atendido, a cada alta. São essas pitadas de otimismo que trazem a força necessária para seguir trabalhando.

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