As conquistas e os desafios do trabalho no sistema penitenciário da Ucrânia

As conquistas e os desafios do trabalho no sistema penitenciário da Ucrânia

Quando cheguei ao aeroporto de Kiev, na Ucrânia, não havia ninguém esperando por mim. No embarque, em Bruxelas, na Bélgica, fui avisada de que meu voo chegaria às 2h da manhã e, por isso, seria necessário ter uma lista telefônica de emergência à mão. E de que a temperatura poderia estar perto de -15°C.

Perguntei em um russo impossível de entender onde havia um telefone. Eu não conseguia entender o alfabeto cirílico. Um policial se ofereceu para ajudar e, então, consegui entrar em contato com o coordenador de recursos humanos, que imediatamente enviou um carro para me buscar.

No dia seguinte, eu conheci quem se tornaria meu melhor amigo, um psiquiatra italiano adorável. Ele me mostrou a casa, o escritório, o hospital e o caminho da casa para o escritório. Os colegas estavam esperando por mim, foi uma recepção muito agradável, que eu sempre vou guardar na minha memória.

O projeto de MSF em Donetsk, na Ucrânia, começou em 2011, após uma avaliação na região de Donbass, realizada em 2010, que divulgou necessidades humanitárias e médicas urgentes e não-atendidas de pacientes coinfectados com tuberculose (TB) e tuberculose resistente a medicamentos (TB-DR) e HIV no Sistema Penitenciário Estadual. O objetivo geral do projeto era diagnosticar, tratar e prevenir a tuberculose, incluindo formas da doença resistentes a medicamentos e pacientes coinfectados com HIV, na penitenciária e nas instalações da prisão preventiva do Departamento Penitenciário Estadual da Ucrânia na região de Donetsk.

Em meados de 2014, um conflito armado começou na região de Donbass quando choques entre forças pró e anti-governo levaram à criação de duas repúblicas autoproclamadas. Embora as atividades de MSF tenham sido fortemente afetadas pela instabilidade da situação, a equipe pôde continuar prestando atendimento até outubro de 2015. Foi quando MSF recebeu notificação por escrito do Comitê Humanitário dizendo que seu credenciamento na autoproclamada República Popular de Donetsk (RPD) havia sido anulado, obrigando a organização a interromper imediatamente suas atividades.

Após o encerramento do projeto, foi decidido fazer uma revisão das “lições aprendidas”, com uma retrospectiva das conquistas, os desafios e as oportunidades aproveitadas e perdidas durante a atuação. Conseguimos ao longo dos anos: melhorar a detecção precoce de casos de pacientes com TB/TB-DR por meio do fortalecimento das atividades do laboratório e apoio à equipe do Departamento Penitenciário Estadual da Ucrânia; introduzir atividades de suporte ao paciente e uma abordagem centrada no paciente, que não existia anteriormente no departamento; ampliar o acesso a antirretrovirais para pessoas com HIV e coinfectadas com TB/HIV e a introdução de um atendimento mais integrado de TB/HIV; ampliar o acesso a medicamentos de qualidade e implementação de um sistema funcional de fornecimento e distribuição de medicamentos, mesmo durante o conflito e apesar do contexto instável e inseguro em que a equipe teve que trabalhar; introduzir medidas reforçadas de controle de infecções; melhorar a conexão entre o sistema penitenciário e o setor civil no que diz respeito aos cuidados com TB/DRTB e HIV.

Profissionalmente, para mim, participar deste projeto foi um sucesso, principalmente pela complexidade de reunir, documentar e analisar todo o processo de atuação de MSF em um contexto de guerra na Ucrânia. Pessoalmente, sou uma pessoa melhor depois de visitar cinco prisões ucranianas toda semana, trabalhando com meus pares neste contexto difícil, aprender a falar e a escrever em russo, a cultura, os desafios de fornecer serviços de saúde em uma prisão localizada em zona de guerra, observando a cada minuto a frente de batalha que estava a 20 metros de mim.

Muita coisa marcou minha vida para sempre. A equipe foi maravilhosa, os pacientes e suas famílias, também. A humanidade por trás de um prisioneiro siberiano, a bondade por trás daqueles rostos rudes. Ainda me emociono. Os muitos amigos que fiz lá serão minhas irmãs e meus irmãos para sempre.

Vou continuar com MSF. Quero atuar como médica em qualquer lugar do mundo!

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