“Aqui, fui inspirado pela força de vontade da população”

Hugo Renato trabalhou com MSF na Ucrânia. ©️Arquivo pessoal

Durante os seis meses em que estive na Ucrânia*, de janeiro a julho de 2023, ser acordado às 3 horas da manhã para descer para a área segura do hotel por conta de ataques aéreos virou rotina, e não ouvir qualquer barulho de explosões ao fundo por horas, em um dia comum, virou uma preocupação, já que o silêncio poderia ser indicativo de um ataque ainda maior.

Durante o período em que estive na Ucrânia, percebi que os ucranianos que não estão tão próximos das linhas de frente seguem suas rotinas diárias, e as cidades continuam movimentadas. Mas, devido ao contexto, todos passaram a conviver com toques de recolher em certas horas da noite, sirenes de possível ataque aéreo a qualquer momento do dia, entre outros sinais de que o país inegavelmente está em guerra.

Atuei no projeto de Médicos Sem Fronteiras (MSF) baseado na cidade de Dnipro. Trabalhamos oferecendo desde o suporte direto a hospitais das regiões mais ao leste, próximas à linha de frente do conflito armado, até o encaminhamento de pacientes em ambulâncias para hospitais mais seguros. Também atuamos em clínicas móveis, que alcançam as regiões isoladas onde a locomoção de pessoas – especialmente com idade avançada – se tornou limitada devido ao conflito.

Em um cenário como esse, eu, como gestor de Recursos Humanos e Finanças, tive grandes responsabilidades. Com frequência, profissionais ucranianos se ofereciam para abdicar de suas folgas para seguir apoiando a população com serviços médicos. Uma das minhas responsabilidades era lembrá-los de que, mesmo que suas motivações em ajudar o próprio país sejam imensas, eles também precisam de descanso adequado e reconhecimento justo.

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Dentre os nossos profissionais das mais diversas áreas – médicos ou não –, ouvi histórias de pessoas que migraram do extremo leste para a cidade grande guiadas pelo instinto de sobrevivência. Pessoas que perderam entes queridos e amigos próximos subitamente. Na Ucrânia, dificilmente você conhece um indivíduo sem uma história relacionada à guerra para contar.

Na parte das finanças, a responsabilidade em alocar e pôr em uso os recursos que recebemos dos nossos doadores também é um desafio em um contexto como esse. Definir prioridades quando no fim do dia temos um único objetivo, que é o de levar ajuda humanitária às pessoas que precisam, é complexo. Acredito que, para realizar o trabalho de maneira eficiente, é preciso entender, juntamente com toda a equipe de gestão, as necessidades prioritárias e os processos que garantem a eficácia e a agilidade da atuação de Médicos Sem Fronteiras.

Hugo (no centro, de azul) com equipe de profissionais ucranianos. ©️Arquivo pessoal

Escrevo este diário de bordo no trem saindo da Ucrânia – uma pequena parte da longa jornada de volta pro Brasil. Definitivamente, vejo minha participação neste projeto como um dos meus maiores desafios desde que comecei a trabalhar com Médicos Sem Fronteiras.

Leia também: A reconstrução de vidas impactadas pela guerra implacável na Ucrânia

Aqui, fui inspirado pela força de vontade da população em se apoiar mutuamente e creio que, ao ajudar no desenvolvimento de nossas atividades, exerci minha contribuição para apoiá-los. Fica aqui meu desejo por dias melhores ao povo ucraniano e um simples agradecimento por terem me permitido fazer parte de suas vidas em um momento tão delicado como esse. Dyakuyu (obrigado, em ucraniano)!

 

*Diário escrito em julho de 2023.

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