Ajudando a reconstruir o Haiti após o furacão

Núbia Aguiar, enfermeira brasileira, relata como foi trabalhar no Haiti dias depois da passagem do furacão Matthew

Ajudando a reconstruir o Haiti após o furacão

Eu soube sobre a passagem do furacão Matthew no Haiti pela televisão, em outubro de 2016. Foi a minha primeira experiência pós-catástrofe com MSF. A ansiedade é inevitável, quando ouvimos falar de catástrofe imaginamos o caos e fiquei ansiosa pensando no que encontraria de verdade e como responderia a isso. A informação era que o trabalho já havia sido iniciado pelos colegas de MSF que lá estavam, mas ainda havia muitas pessoas sem cuidados nos lugares distantes esperando ajuda.

Cheguei na capital do Haiti, Porto Príncipe, no dia 12 de outubro e segui no dia seguinte para Jérémie, onde passaria os próximos dois meses. Lá, tudo estava destruído: as casas, totalmente ou parcialmente no chão, as árvores caídas, muito lixo e entulhos nas ruas. Foi bem triste ver aquele caos de cima; do helicóptero, tudo era cinza.

Fiz parte de uma equipe de clínica móvel, fazíamos atendimentos de urgência às pessoas feridas e priorizávamos os lugares mais distantes e mais afetados, as comunidades entre as montanhas, por exemplo, onde o acesso era bem complicado. A princípio, ficaria um mês, depois prolonguei para mais um.

Eu esperava encontrar dificuldade (para a realização do trabalho, as distâncias a percorrer, a comunicação) e isso foi precisamente o que encontrei. Mas, infelizmente, o problema no atendimento de saúde à população é crônico e isso ficou pior com a destruição dos centros de saúde. Os problemas ficaram mais evidentes.

O mais desafiador era realizar as transferências dos pacientes mais graves a um hospital, porque os hospitais do governo disponíveis não estavam preparados. Isso nos dava grande preocupação no segmento do cuidado ao paciente, que às vezes era interrompido.

No início, a predominância eram as fraturas e feridas profundas decorrentes da catástrofe. Os pacientes sentiam muitas dores pelo corpo, estavam abalados emocionalmente, não dormiam bem. As doenças decorrentes da falta de saneamento e água contaminada eram comuns, como dermatoses e parasitoses intestinais. A cólera afetou algumas vilas na região onde eu estava, mas foi mais intensa em outra região. Depois, vivenciamos o início de uma crise nutricional, faltava comida, principalmente nas regiões mais distantes. Essas pessoas perderam suas casas ou estavam muito destruídas, perderam suas plantações e animais. Em alguns lugares, a água também estava contaminada, então era bem difícil recomeçar sem sustento, sem moradia, sem alimentação e ainda mais com problemas de saúde decorrentes da catástrofe.

O que mais me impressionava era a força das pessoas. Encontrei gente com esperança, coragem e disposição para reconstruir sua vida.

Conheci uma enfermeira haitiana que me contou sua experiência durante o furacão. Ela estava trabalhando em um centro de saúde numa região bem distante quando foram atingidos. O telhado foi levado e os pacientes começaram a gritar, mesmo ela e o outro enfermeiro se desesperaram, a sensação de impotência foi grande. O centro foi fechado sem possibilidade de atendimento, ela foi para região de Jérémie procurar emprego e encontrou a casa de sua família parcialmente destruída. Felizmente, ela conseguiu emprego, estava feliz com a possibilidade de recomeçar e em poder com seu trabalho ajudar seu povo.

Com o tempo, o cenário foi mudando. As pessoas começaram a reconstruir suas casas, a natureza reagiu e a vegetação começava a ficar verde de novo; o cinza estava desaparecendo aos poucos. As patologias gerais ficaram mais evidentes mostrando que as urgências diminuíam. É sempre bem triste deixar as pessoas com quem convivemos intensamente nos projetos, mas quando fui embora estava satisfeita com o trabalho realizado e feliz por ter aprendido com eles e também por ter compartilhado da minha experiência.

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