Uganda: o drama de milhares de pessoas que vivem em pânico

Crianças são seqüestradas para ingressar como jovens soldados no Exército de Resistência do Senhor e mulheres são raptadas – muitas vezes estupradas – e desfiguradas pelos combatentes. Conheça aqui duas emblemáticas histórias de vida

Desde de 1986, o Exército de Resistência do Senhor (LRA, Lord Resistance Army) vem seqüestrando crianças para torná-las jovens soldados. Além disso, o LRA saqueia casas e mutila mulheres. Em 1996, a situação mudou dramaticamente. O governo obrigou um grande contingente de pessoas a ir para as "cidades protegidas", uma estratégia militar cujo propósito era proteger os civis do LRA, mas também enfraquecer o apoio da população ao Exército de Resistência do Senhor.

Jimmy, o pequeno soldado

Jimmy tinha apenas 10 anos de idade quando ele e outras nove crianças foram seqüestradas pelo LRA. Cerca de 15 homens vestidos em uniformes das forças governamentais e em roupas femininas atacaram a cidade onde eles viviam. Os demais moradores conseguiram fugir.

As crianças foram levadas para o sul do Sudão, que faz fronteira com o norte da Uganda. Por dois anos, Jimmy permaneceu em poder do LRA. Durante este tempo ele testemunhou coisas horríveis.

"Eu acompanhava o comandante e tinha que andar na frente procurando por forças governamentais", diz Jimmy. "Eu era espancado com freqüência e vi coisas que eu preferia não ter visto".

Jimmy diz que nunca matou ninguém mas que viu outros homens e crianças seqüestrados apanhando com machados e sendo queimados na fogueira dos acampamentos. Muitos foram mortos.

"Eu vi quando eles mataram um homem que trabalhava na plantação de bananas e vi eles matarem outro homem que tentou fugir. Nós andávamos desde o amanhecer até tarde da noite sem comer quase nada. Tínhamos que comer folhas e ficávamos com diarréia", lembra Jimmy.

MSF inclui saúde mental em todas as atividades de saúde nos campos de deslocados internos no norte da Uganda. Jimmy recebe apoio psicossocial por meio deste projeto.

"As crianças têm dificuldades para dormir e sofrem de pesadelos e enxaquecas. Além disso, elas se esforçam para se adaptar à vida com seus pais e outras crianças da mesma idade", explica Anne Vikan, assistente social da clínica de MSF, que promove encontros informais sobre saúde mental, além de oferecer terapia individual e em grupo para as crianças e mulheres afetadas pela violência.

O drama de meninas e mulheres

No norte da Uganda, mulheres são muitas vezes raptadas, desfiguradas e depois libertadas novamente, com o objetivo de obrigar a população local a ingressar "voluntariamente" no LRA. A adolescente Akiro Grace foi levada por jovens soldados enquanto buscava comida nos arredores da cidade. Ela foi seqüestrada juntamente com outras 10 meninas.

Eles cortaram o nariz, os lábios e parte das orelhas de Akiro. "Não sei porque eles fizeram isso comigo", diz ela. Esta é uma tática comum do LRA para amedrontar a população local.

"MSF pode encaminhar as mulheres para um hospital em Kampala para serem submetidas a cirurgia plástica", diz Anne Vikan. "Já conversei com muitas delas e suas histórias são terríveis. Cada uma aqui tem uma história para contar. A princípio é difícil para nós entendermos, porque tudo o que elas dizem é absurdo. Só depois nos damos conta do que essas mulheres tiveram que passar".

"Temos que focar nas coisas que as fazem viver novamente. Eu sei que parece inacreditável, mas as pessoas nos recebem com alegria e bom humor. Temos muito o que aprender com essas mulheres também", diz Anne Vikan.

Um futuro motorista

Jimmy conseguiu escapar da guerrilha depois de dois anos. Ele chegou ao centro de triagem de MSF em Gulu e foi transferido para o campo de Aloi, no distrito de Lira, onde os demais membros da sua família vivem. O campo é um dos maiores no norte da Uganda com 60 mil deslocados internos. A mãe dele diz que não acreditava mais que iria vê-lo novamente, e ficou radiante quando soube pelo rádio que ele estava a salvo e com saúde.

"Levando tudo em consideração, pode-se dizer que Jimmy teve muita sorte. Sua família está feliz em tê-lo de volta, ele já fez novos amigos e está tendo a chance de receber tratamento. "Quero ser um motorista no futuro", diz ele mostrando o carrinho de brinquedo que fez com arame.

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