Tuberculose no Afeganistão: pessoas enfrentam barreiras no acesso ao tratamento

Hospital de MSF em Kandahar fornece cuidados médicos para a doença, combinados a acompanhamento domiciliar e atividades de promoção da saúde.

Foto: Lynzy Billing/MSF

Jawahira foi encaminhada para o hospital de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Kandahar, no início deste ano, de uma clínica em Daikundi, no Afeganistão. “Eu costumava visitar clínicas particulares, mas em vez de me darem medicação para tuberculose (TB), eles geralmente me receitavam apenas analgésicos”, diz ela.

Os valores gastos na procura por tratamento também foram uma questão. “Minha casa é longe, em Uruzgan, então quando fomos consultar um médico, tive que gastar 6 mil afegãos (R$ 365) para o transporte e depois 13 mil (R$ 790) para os medicamentos que me deram”.

Os custos que Jawahira teve em cada visita ao médico somam cerca de um terço da renda média mensal no Afeganistão. De acordo com o Banco Mundial, estima-se que 60% da população do país estejam desempregadas e não recebam nenhum rendimento. Enquanto isso, o efeito das sanções, combinado com medidas financeiras adicionais contra o governo do Emirado Islâmico do Afeganistão, estão sendo sentidos em todo o país.

Muitas vezes, as pessoas têm dificuldade para pagar até mesmo alimentos básicos, quanto mais despesas de viagem e honorários médicos para visitas hospitalares. Enquanto isso, o sistema público de saúde está com escassez de recursos, profissionais e financiamento.

A história de Jawahira é apenas uma das muitas contadas por pacientes de MSF que mostram como, com muita frequência, a economia falida e o sistema de saúde disfuncional do Afeganistão deixam pessoas que precisam de tratamento médico avançado sem opções razoáveis. Ou elas mergulham em dívidas ou se contentam em visitar uma unidade de saúde que podem pagar, porém, cuja qualidade dos cuidados pode ser pior.

O hospital de TB de MSF em Kandahar, que possui 24 leitos, é a única instalação médica que oferece cuidados avançados para a doença no sul do Afeganistão. Muitos de seus pacientes vêm das províncias vizinhas de Helmand, Uruzgan, Nimroz e Zabul, mas outros viajam até 350km de distância, das províncias de Farah, Dikondi, Badghis, Ghazni e Paktika.

“Nossa área de alcance é tão grande que é impossível saber exatamente quantas pessoas estão nela”, diz o conselheiro médico de MSF Allieu Tommy. “Muitos viajam de longe, e nós os apoiamos pagando pelos custos de transporte, despesas de hospedagem e alimentação para aliviar alguns dos encargos econômicos”. Sem esses incentivos, a maioria dos pacientes não poderia arcar com as despesas para comparecer ao tratamento.

Falta de informações sobre a tuberculose

As dificuldades para alcançar e oferecer cuidados médicos não são as únicas barreiras para o tratamento da TB enfrentadas pelas pessoas no Afeganistão. Outra questão é a falta generalizada de conhecimento sobre a doença.

“Nossa filha Bibi tem nove anos e está doente desde a infância, mas não sabíamos de sua doença – nunca tínhamos ouvido o nome tuberculose antes”, diz seu pai, Hamdullah.

Foto: Lynzy Billing/MSF

As equipes de MSF realizam atividades regulares de promoção da saúde nas comunidades locais em Kandahar para melhorar a compreensão das pessoas sobre a doença. Os profissionais também fornecem informações para pacientes e cuidadores no hospital em Kandahar. “Quando uma pessoa chega pela primeira vez e descobre que tem tuberculose, falamos com ela sobre o que é a doença, como ela é transmitida, como tomar cuidado com seus familiares e quanto tempo o tratamento levará”, explica a enfermeira de MSF Taiba Azizi.

Fornecer essas informações é simples, mas eficaz. “Agora entendo os sintomas, e as pessoas em casa sabem que é uma doença perigosa”, diz Hamdullah. “Se alguém a tivesse visto [Bibi] antes, teria dito que ela não se recuperaria. Mas agora, sabemos que ela pode superar isso. Ela já começou a comer e a andar. Esperamos que esteja melhorando”.

MSF também testa os familiares dos pacientes quanto à TB, pois a doença é altamente transmissível, particularmente quando as pessoas vivem próximas.

Tratamento domiciliar

Alguns pacientes apresentam uma forma da doença resistente aos medicamentos convencionais para tuberculose e necessitam de uma terapia que dura de nove a 12 meses. Isso pode ser especialmente difícil de lidar enquanto se está em um hospital, longe de amigos e parentes. Como resultado, muitos pacientes não conseguem finalizar seu tratamento. Mas, após excelentes resultados de pesquisa, em 2023 será introduzido um regime de curta duração (seis meses), que deve facilitar a conclusão do tratamento para as pessoas.

MSF já estabeleceu um programa de tuberculose resistente a medicamentos (TB-DR) que combina atendimento hospitalar especializado com tratamento supervisionado em casa para ajudar os pacientes a lidar melhor com os regimes.

“O que oferecemos é um sistema pelo qual uma pessoa passa os primeiros 30 dias em nossas instalações sob observação cuidadosa e, se não tiver grandes efeitos colaterais adversos dos medicamentos tomados, recebe alta para cuidados domésticos”, diz Azizi. “Nossa equipe faz acompanhamentos semanais por telefone, o que significa que os pacientes só precisam voltar ao hospital uma vez por mês para renovar seus medicamentos e fazer uma consulta presencial”.

Mulheres e crianças são mais vulneráveis à tuberculose

Mais de 70% dos pacientes no hospital de tuberculose de MSF em Kandahar são mulheres e crianças. “Mulheres e crianças ficam em casa em quartos empoeirados e mal ventilados por períodos mais longos do que os homens”, diz Tommy. “Se uma mulher for infectada, as crianças provavelmente pegarão a doença também. Outros fatores culturais também desempenham um papel. As mulheres sussurram ou falam em tons muito baixos entre si, especialmente se os homens estiverem na sala. As infecções do trato respiratório são, então, facilmente transmissíveis devido à sua proximidade”.

Foto: Lynzy Billing/MSF

Um desafio adicional para as pacientes do sexo feminino é que elas geralmente precisam ser acompanhadas por um membro da família do sexo masculino para o hospital. Isso, juntamente com as barreiras econômicas, pode reduzir significativamente seu acesso aos cuidados de saúde.

Estima-se que a tuberculose e suas formas resistentes matam mais de 13 mil pessoas no Afeganistão a cada ano. O acesso a cuidados adequados continua a ser um grande desafio para os pacientes na parte sul do país, principalmente devido à infraestrutura médica insuficiente, ao tempo de tratamento e aos obstáculos financeiros. Embora o hospital de TB de MSF em Kandahar forneça tratamento gratuito e de qualidade para muitos, ele não pode ser visto como uma solução a longo prazo. O povo do Afeganistão precisa de um sistema de saúde que atenda às suas necessidades.

A instalação de saúde de TB de MSF em Kandahar visa fornecer aos pacientes um tratamento de qualidade, gratuito e eficaz. O hospital possui um laboratório, um ambulatório e 24 leitos para pacientes com DR-TB e comorbidades e para aqueles que desenvolvem efeitos colaterais graves após tomar a medicação para DR-TB. Este ano, as equipes de MSF forneceram mais de 13 mil consultas para pacientes com TB sensível e resistente a medicamentos e internaram mais de 70 pacientes para tratamento hospitalar.

MSF também fornece aos pacientes apoio de saúde mental, realiza atividades de promoção da saúde dentro do hospital e na área circundante e fornece apoio técnico e financeiro aos laboratórios provinciais que oferecem testes de TB.

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