Sudão do Sul: em meio a um surto de hepatite E, MSF realiza campanha de vacinação em comunidades remotas

Campanha é voltada para mulheres e meninas entre 16 e 45 anos, que correm maior risco de morte por hepatite E; taxa de mortalidade entre gestantes com a doença pode chegar a 40%.

Profissional de MSF administrando uma dose da vacina para prevenção da hepatite E. © Gale Julius Dada/MSF

Em resposta a um surto mortal de hepatite E no Sudão do Sul, Médicos Sem Fronteiras (MSF) iniciou uma campanha de vacinação em colaboração com o Ministério da Saúde do país para oferecer proteção a mulheres e meninas em idade reprodutiva, que correm o maior risco de morte pela doença. A taxa de mortalidade pode chegar a 40% entre mulheres grávidas, e a doença não tem cura, o que significa que muitas pessoas em estágios avançados de hepatite E não sobrevivem.

Desde abril de 2023, foram tratados 501 casos de hepatite E no hospital de MSF em Old Fangak, no estado de Jonglei. Vinte e uma pessoas morreram – a maioria mulheres. A campanha de vacinação é a primeira a ser realizada durante os estágios agudos de um surto ativo e em uma parte tão remota e isolada do Sudão do Sul. Objetivo é evitar mais mortes pela doença.

Cerca de 20 milhões de pessoas são infectadas todos os anos [no mundo] e, dentre elas, 3 milhões apresentam sintomas que precisam de tratamento.”
– Mamman Mustapha, coordenador-geral de MSF no Sudão do Sul.

“A hepatite E é uma doença transmitida pela água e que pode ser fatal”, explica Mamman Mustapha, coordenador-geral do projeto de MSF no Sudão do Sul. “Cerca de 20 milhões de pessoas são infectadas todos os anos [no mundo] e, dentre elas, 3 milhões apresentam sintomas que precisam de tratamento. No entanto, nem todo mundo consegue ter acesso ao tratamento em tempo hábil, principalmente em países com um número limitado de instalações de saúde, como o Sudão do Sul. Nesses locais, mesmo que as pessoas consigam chegar a um hospital, com frequência já é tarde demais. Infelizmente, não há cura para esse tipo de hepatite, e estima-se que cerca de 70 mil pessoas morrem por conta da doença a cada ano no mundo. É por isso que a vacina é tão importante, ela pode salvar vidas”.

MSF realizou a primeira campanha de vacinação contra a hepatite E no mundo

Desenvolvida em 2012, a vacina é aprovada para uso em situações de emergência pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2015. Apesar disso, ela só havia sido usada uma vez antes desta campanha: em 2022, MSF realizou uma ação inédita no mundo ao utilizá-la em uma campanha de vacinação em massa no acampamento de deslocados internos de Bentiu, também no Sudão do Sul.

Assista: Hepatite E: primeira campanha de vacinação do mundo é realizada no Sudão do Sul
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Naquela época, o surto estava em andamento há mais de dois anos. A vacina foi usada para fornecer proteção a mais de 25 mil pessoas. Essa última campanha no condado de Fangak se baseia na experiência em Bentiu, mas está sendo administrada em um contexto muito diferente.

“O condado de Fangak está situado em uma parte extremamente remota do norte do Sudão do Sul, nos pântanos de Sudd, uma vasta área úmida pontilhada de pequenas comunidades, onde as pessoas têm acesso excepcionalmente limitado até mesmo aos cuidados de saúde mais básicos”, explica Mustapha.

Avião de MSF carregado com vacinas para hepatite E. Sudão do Sul, dezembro de 2023. © Nasir Ghafoor/MSF

“Até mesmo levar nossas vacinas infantis de rotina para Old Fangak é um desafio. Só é possível chegar ao hospital de barco, atravessando o rio Nilo, ou por via aérea. Mas a pista de pouso de Old Fangak está inundada há quatro anos e, por isso, primeiro tivemos que levar as vacinas de avião até um vilarejo próximo e depois transportá-las por mais 35 km ao longo do rio até o hospital. As vacinas precisam ser mantidas entre 2 e 8 graus Celsius e, embora isso seja relativamente fácil em nosso hospital, é um processo completamente diferente tentar garantir que essa cadeia de frio não seja quebrada durante as oito horas que levamos para chegar a algumas das comunidades que estamos atingindo com essa campanha”.

Saúde da população tem sido afetada por inundações recorrentes

A vida já era difícil no condado de Fangak mesmo antes de a hepatite E começar a afetar a população. Nos últimos quatro anos, as inundações recorrentes destruíram as plantações e mataram o gado. Os vilarejos que antes eram acessíveis a pé, se tornaram ilhas, e hoje, as pessoas não têm outra opção a não ser usar canoas para ir de um lugar a outro.

• Leia também: Inundações catastróficas causam deslocamento em massa e uma crise humanitária no Sudão do Sul

Os casos de malária aumentaram porque as águas da enchente não recuaram e as poças de água estagnada criaram o local perfeito para a reprodução de mosquitos. Ao mesmo tempo, os casos de desnutrição aumentaram porque as pessoas tiveram que mudar sua alimentação – aprendendo a pescar ou recorrendo ao consumo de nenúfares [plantas aquáticas] para sobreviver. Agora, elas estão enfrentando uma nova ameaça, pois a hepatite E se espalha pela água que elas bebem e da qual dependem para sobreviver.

Embarcações com doses de vacina para hepatite E. Sudão do Sul, dezembro de 2023. ©Gale Julius Dada/MSF

“Chegar a um posto de saúde já era difícil para as pessoas nesse ambiente; agora, as enchentes tornaram isso ainda mais difícil”, relata Mamman Mustapha, o coordenador-geral do projeto de MSF no país. “Para muitos, uma viagem de oito horas de canoa é a única maneira de chegar a um posto de saúde, e é provável que muitos não consigam fazer a viagem devido ao custo do transporte e à longa distância. Temos a confirmação de que 21 pessoas morreram de hepatite E neste surto atual; e só temos essa certeza porque elas conseguiram chegar ao hospital”.

É muito provável que muitas outras pessoas tenham falecido em casa, sem sequer terem conseguido acessar o tratamento. Para evitar que elas precisem fazer essa viagem, estamos tentando chegar até elas.”
– Mamman Mustapha, coordenador-geral de MSF no Sudão do Sul.

Os desafios de levar vacinas a regiões remotas

“Algumas das comunidades são tão remotas que, por vezes, até a nossa equipe precisou utilizar canoas para chegar até elas. Regularmente, usamos lanchas rápidas para levar nossas equipes das clínicas móveis a vilarejos remotos, mas, devido à localização das comunidades afetadas pelo surto, tivemos que adaptar nossas atividades para chegar às pessoas que estão em risco”, explica Mustapha.

Um desafio adicional é a disponibilidade limitada da vacina e o seu alto custo. A produção é licenciada para apenas um fabricante na China e não é produzida em grandes quantidades. Ela também é volumosa em comparação com outras vacinas, portanto, é difícil de transportá-la e armazená-la, especialmente em áreas de difícil acesso, como Old Fangak.

Esses desafios representam barreiras significativas quando se trata de responder a surtos de doenças em ambientes de emergência como o Sudão do Sul. MSF está pedindo que essas barreiras sejam eliminadas, para que um número muito maior de pessoas possa ser protegido – especialmente mulheres e meninas em idade reprodutiva, que continuam sendo o grupo populacional de maior risco.

Nyapuoka Puot Rial, grávida de três meses, recebeu a primeira dose da vacina. Sudão do Sul, dezembro de 2023. ©Gale Julius Dada/MSF

A vacina requer três doses: 0, 1 e 6 meses após a primeira dose. Até junho de 2024, quando a campanha de vacinação estiver concluída, MSF pretende ter vacinado, com o esquema completo, 12.776 mulheres e meninas com idades entre 16 e 45 anos. Além da campanha de vacinação em si, MSF está realizando o gerenciamento de casos e encaminhamentos em seu hospital, conduzindo campanhas de conscientização da comunidade e vigilância epidemiológica.

MSF apela às organizações humanitárias e de saúde internacionais e locais para que tomem medidas para melhorar as condições de água e saneamento em Old Fangak, por meio da conscientização, da implementação de instalações adequadas de esgoto e saneamento: como banheiros e sistemas de eliminação de resíduos e da perfuração de poços para garantir a disponibilidade de água potável. Isso é fundamental para impedir a propagação da doença e evitar novos surtos.

 

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