Situação no nordeste da Nigéria piora depois de anos de conflito

Falta de segurança dificulta a ajuda humanitária

Situação no nordeste da Nigéria piora depois de anos de conflito

Luis Eguiluz, coordenador-geral de Médicos Sem Fronteiras (MSF) na Nigéria. Ele explica os desafios que centenas de milhares de pessoas deslocadas enfrentam por viverem em grupos isolados controlados por militares no nordeste do país.

Pode não ter chegado às manchetes da mesma forma que há alguns anos, mas a situação humanitária no nordeste da Nigéria está se deteriorando. Cerca de 1,7 milhão de pessoas vivem deslocadas. * O conflito duradouro entre grupos armados não-estatais e os militares continua a deslocar cada vez mais pessoas, que estão chegando a uma série de cidades com capacidade muito limitada de absorver novos visitantes. Os perímetros de segurança nesses grupos permanecem muito restritos e, embora organizações humanitárias continuem oferecendo ajuda, há pouca segurança no local. E isso tem um impacto ainda maior quando temos cada vez mais pessoas vulneráveis.

Todos os setores de ajuda humanitária foram afetados: distribuição de alimentos, disponibilidade de água potável e capacidade de abrigo. Até mesmo a oferta de atendimento médico é frágil em alguns locais. Há problemas de distribuição de alimentos em algumas áreas dos enclaves, apesar da mudança de distribuições amplas para mais direcionadas. Atores importantes na provisão de água já deixaram a área e, de forma geral, faltam trabalhadores humanitários experientes nos locais mais remotos.

As doações continuam chegando e quase cem ONGs nacionais e internacionais trabalham em Maiduguri, capital do estado de Borno. O desafio para muitas organizações é encontrar parceiros para implementar e oferecer programas fora da cidade.

Existe também um problema na percepção da segurança. Embora seja verdade que aconteçam alguns incidentes de segurança, em comparação com outras grandes crises, como a do Afeganistão, da República Centro-Africana ou do Sudão do Sul, a incidência é muito menor. Alguns centros humanitários foram criados para prover alojamento, internet e segurança para facilitar a implementação de projetos em locais remotos, mas eles estão pouco ocupados. Ao mesmo tempo, muitas pessoas vivem presas em áreas que inacessíveis às organizações humanitárias e temos pouca informação sobre o que elas precisam.

No nordeste da Nigéria, os problemas estão mudando ao invés de serem resolvidos. No ano passado, na cidade de Pulka, perto da fronteira com Camarões, várias centenas de deslocados internos viviam em condições extremamente precárias dentro do complexo onde mantemos um hospital. Um acampamento de trânsito foi construído para fornecer abrigo temporário mas, depois de um ano, milhares de pessoas ainda vivem em barracas superlotadas e esperam longos períodos para conseguir uma abrigo para sua família. As pessoas muitas vezes esperam na fila durante todo o dia durante a estação de secas para poder encher um recipiente de água. Ainda parece que estamos na primeira fase de uma emergência quando, na realidade, esta emergência já dura anos.

Dados os restritos perímetros de segurança, os campos de plantação podem alimentar apenas uma parcela muito pequena da população, já que não há muito espaço para cultivo. Se as pessoas não podem plantar em Borno, onde a agricultura é a principal fonte de renda, como elas vão sobreviver? As pessoas estão completamente dependentes do amplo programa de assistência alimentar atualmente em vigor. A única maneira de reverter isso será quando for seguro deixar os grupos. Mas ainda acontecem incidentes. Recentemente, em Gwoza, quando o exército expandiu o perímetro de segurança da cidade, algumas pessoas foram sequestradas e mortas.

Além disso, é importante lembrar que a população está muito vulnerável em termos de saúde mental. Todas as famílias deslocadas internamente com quem falamos perderam um parente por causa da violência. As pessoas compartilham histórias de tortura, sequestro ou violência sexual. A maioria passou por alguma situação de violência provocada por uma das partes do conflito. Umas viveram no meio dos confrontos, outras sofreram com os bombardeios. 

Algumas pessoas já se deslocaram várias vezes. Elas lutam para viver longe de suas casas. Muitas vêm de vilarejos vizinhos onde não há segurança e foram realocadas para grupos maiores, com o fardo adicional de estarem longe de sua família ou de uma comunidade em particular. Várias mulheres vieram sozinhas: seus maridos morreram ou estão desaparecidos, elas foram separadas de seus pais por anos e abusadas repetidamente.

Existem planos para realocar dezenas de milhares de pessoas que vivem atualmente em Maiduguri e em acampamentos de refugiados em Camarões, nos próximos meses. Enquanto as pessoas são encorajadas a se deslocar para lugares como Pulka ou Gwoza, a realidade é que os lugares para onde estão indo não estão preparados para oferecer nem mesmo os serviços mais básicos. 

Em Pulka ou Gwoza, cidades que recebem regularmente pessoas deslocadas, nossas equipes escutam frequentemente queixas dos recém-chegados. Alguns deles afirmam que prefeririam voltar para o interior, dadas as condições de vida que encontram nas cidades. Hoje, os deslocados no estado de Borno são totalmente dependentes da ajuda humanitária. Seus mecanismos de enfrentamento estão completamente esgotados e a dignidade deles foi afetada.”

No nordeste da Nigéria, MSF está fornecendo cuidados de saúde primários e secundários em 10 locais, no estado de Borno e em Damaturu, capital do estado de Yobe. Com  equipes permanentes ou em clínicas móveis, nossos profissionais mantém programas de nutrição para crianças com desnutrição, respondem a surtos de doenças e oferecem atendimento pediátrico de emergência, de saúde mental e outros serviços.

*No nordeste da Nigéria, em Borno, Adamawa e Yobe, os três estados mais afetados, 1,7 milhão de pessoas são deslocadas internas, segundo o OCHA.

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