A silenciosa crise humanitária na Colômbia

Diretor geral de MSF na Espanha escreve sobre a falta de atenção internacional dada à crise humanitária na Colômbia. Acredita-se que pelo menos 3 milhões, de um total de 42 milhões de habitantes, estejam deslocados internamente no país

O silêncio começa na longa jornada que inúmeros membros de uma mesma família de agricultores deslocados têm que fazer para fugir dos conflitos na Colômbia. Um silêncio que atinge enormes proporções quando eles têm que atravessar regiões onde acontecem confrontos entre diferentes grupos armados, e onde as pessoas sofrem os mesmos abusos cometidos por todas as partes envolvidas no conflito.

E o silêncio permanece quando eles chegam a qualquer uma das favelas nos arredores das grandes cidades, onde a desconfiança e a intimidação são comuns, os obrigando a estar em alerta constante.

Esta situação contribui para que fiquem ainda mais escondidos, sem identificação e não admitindo serem deslocados internos porque, nos dias de hoje, isto os expõe a um perigo para o qual não há qualquer proteção.

E o silêncio se torna insuportável quando enfrentam doenças provocadas pela pobreza e deixam os centros públicos de saúde sem uma resposta concreta.

E o silêncio também atinge todos os membros da família que ficaram para trás, juntos com um número crescente de pessoas encurraladas entre as duas partes em conflito – as partes que impedem esta população ter acesso a qualquer tipo de serviço ao limitarem seu movimento.

Os profissionais de saúde não têm permissão para chegar até essas comunidades e aqueles que ousam aventurar-se a ir ao posto mais próximo correm o risco de serem alvos de armas onipresentes, de serem presos, ou ainda, de não retornarem. Há milhares de colombianos entre a vida e a morte, não apenas por causa de grupos armados, mas também por doenças que poderiam ser facilmente tratadas.

Eles não estão nas manchetes dos jornais e nenhuma prioridade é dada, por parte do governo, a situação dessas pessoas. Este é um silêncio intolerável num país habitado por 42 milhões de pessoas, dos quais, estima-se que, 3 milhões sejam deslocados internos, segundo o Sistema Único de Registro.

Em oito áreas do país, as equipes de saúde de Médicos Sem Fronteiras (MSF) sofrem ao testemunhar a tragédia humana dos deslocados internos.

Em Soacha, um dos municípios próximos a Bogotá e que abriga a maior quantidade de pessoas deslocadas internamente, as equipes de MSF, trabalham na região desde 1999, já verificaram que a maioria da população deslocada não se identifica ou se registra, com medo de ser estigmatizada pelos vizinhos.
Junto com o impacto direto que o conflito colombiano tem na população por meio de mortes, ferimentos e incapacidades, há outras conseqüências que surgem da superlotação e do estado precário no qual vivem as pessoas, devido à falta de proteção por parte das autoridades responsáveis.

Como conseqüência disso, há um aumento dos índices de desnutrição e de doenças respiratórias e relacionadas à diarréia, principalmente entre idosos, mulheres e crianças.

Metade dos casos de hepatite em todo o país é registrada em Soacha, onde, também, os índices de desnutrição são quatro vezes maiores do que a média nacional.

Um outro sinal ainda mais complexo dos conflitos deve ser acrescentado: os distúrbios psicológicos e as enfermidades provocadas pela violência (estresse pós-traumático, ansiedade, depressão, tentativas de suicídio ou insônia) são agravados pela incerteza e pela falta de segurança.

Diariamente, nossas equipes de saúde tratam vítimas desta crise humanitária e deste silêncio – vítimas que têm uma longa história para contar. São pessoas que testemunharam massacres, detenções e desaparecimento de familiares ou vizinhos; são pessoas que foram atacadas ou ameaçadas por diferentes grupos em conflito; são pessoas que tiveram que pagar ou entregar propriedades, e, em alguns casos, tiveram até que fugir de suas casas para evitar que suas crianças fossem recrutadas forçosamente.

Famílias inteiras de agricultores estão deixando suas casas no campo e indo em direção a regiões urbanas, sem qualquer esperança.

Enquanto a ajuda governamental às vítimas permanecer no papel; enquanto os recursos necessários não são disponibilizados para que o sistema de saúde possa oferecer ajuda mesmo a uma parcela pequena da população que necessita de cuidados urgentes; enquanto as partes em conflito e a administração não pararem de forçar o deslocamento e não respeitarem as leis humanitárias internacionais, o número de vítimas do conflito continuará crescendo.

A gravidade desta crise humanitária é tanta que MSF considera inaceitável não ver a inclusão desta situação nas agendas e encontros internacionais da Colômbia. Não importa o quanto tentamos, não entendemos porque a implementação de medidas que assistam às vítimas do conflito, àqueles que enfrentam o deslocamento, não recebe prioridade máxima.

Este silêncio cruel sobre a vida e a morte de milhares de pessoas na Colômbia encontra cúmplices que foge à nossa compreensão.

Rafael Vilasanjuán
Diretor geral de Médicos Sem Fronteiras na Espanha

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