Revolução no tratamento da tuberculose permite uma prática mais eficaz e segura

Programa inovador no tratamento da tuberculose já conta com 300 pacientes inscritos na Belarus, um dos 30 países com a maior incidência da doença do mundo.

Foto: Alexandra Sadokova/MSF

“No meu décimo dia de tratamento, pude perceber que algo estava errado com meus ouvidos”, relata Maria, paciente com tuberculose multirresistente a medicamentos. “A medicação estava afetando meu nervo auditivo. As injeções causavam muita dor e deixaram caroços e inchaços no meu corpo. Até mesmo se sentar era doloroso.”

Maria estava recebendo tratamento para tuberculose resistente a medicamentos (TB-DR). Apesar dos avanços obtidos nos últimos 20 anos, a Belarus ainda é um dos 30 países com a maior incidência de tuberculose (TB) do mundo. Cerca de um terço dos pacientes no país têm variantes da doença que são resistentes aos medicamentos mais potentes contra a tuberculose.

O tratamento padrão realizado por Maria leva até 20 meses e envolve injeções dolorosas e uma infinidade de possíveis efeitos colaterais, que vão desde incômodos e dores até depressão e perda auditiva irreversível.

“Eu senti como se tivesse sido sorteada com um bilhete de loteria azarado. Eu honestamente pensei que fosse morrer, que tudo estava acabado para mim.”
– Maria, paciente com tuberculose multirresistente a medicamentos.

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Uma revolução no tratamento da tuberculose

Durante décadas, os pacientes com TB-DR não tiveram outra opção senão submeter-se a esse longo e exaustivo curso de tratamento. Mas em 2017, Médicos Sem Fronteiras (MSF) iniciou um ensaio clínico revolucionário, conhecido como TB-PRACTECAL, para testar abordagens inovadoras para o tratamento da TB-DR.

Em três países – Belarus, África do Sul e Uzbequistão – MSF tratou pacientes com um novo e curto regime medicamentos, todos administrados por via oral, evitando, assim, a necessidade de injeções dolorosas.

Em 2022, os resultados do ensaio TB-PRACTECAL foram divulgados. Eles provaram que o novo regime de tratamento oral de seis meses (composto pelos medicamentos bedaquilina, pretomanida, linezolida e moxifloxacina, conhecidos coletivamente como BPaLM) era mais seguro e eficaz no tratamento da DR-TB do que as práticas de tratamento aceitas atualmente. Esse anúncio virou um novo capítulo na história do tratamento da tuberculose em todo o mundo.

Após esses resultados, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou uma breve atualização sobre as orientações para o tratamento da TB-DR, recomendando agora o uso programático do regime BPaLM de seis meses em vez dos regimes existentes mais longos.

“Eu tinha um mantra na cabeça durante meu tempo no hospital: ‘Não somos pacientes, não estamos doentes, estamos nos recuperando. Todos os dias estamos caminhando para a recuperação.’ Eu disse isso para os outros pacientes também.”
– Volha, paciente recuperada de tuberculose multirresistente a medicamentos.

Foto: Alexandra Sadokova/MSF

Uma nova página na vida de Volha

Em Minsk, capital de Belarus, Volha, mãe de três filhos, foi uma das primeiras pacientes inscritas para participar do ensaio clínico de MSF. Logo após dar à luz gêmeos, ela ficou em choque ao ser diagnosticada com tuberculose amplamente resistente a medicamentos (TB-XDR).

Embora separada de seus filhos recém-nascidos para não colocá-los em risco de infecção, ela ainda conseguiu iniciar o tratamento com uma atitude positiva. Sua perspectiva otimista e o apoio que recebeu de sua família foram fatores importantes em sua recuperação, ela conta.

“O tratamento ocorreu de forma tranquila e não parou em nenhum momento”, diz Volha. “Tudo foi feito com amor pelos pacientes.”

“Eu tentei ver o lado positivo em tudo. Por exemplo, meu punhado de pílulas poderia ser colocado na forma de um coelho”, afirma Volha, que já está completamente recuperada e de volta à sua casa e junto a seus três filhos.

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Foto: Alexandra Sadokova/MSF

Tornando a inovação disponível para todos

Na Belarus, o ensaio clínico TB-PRACTECAL foi seguido por um novo estudo operacional pioneiro conhecido como SMARRTT – que significa “regimes orais de seis meses para o tratamento da tuberculose resistente à rifampicina”.

MSF, em estreita parceria com o Centro Científico e Prático Republicano de Pneumologia e Tuberculose na Belarus, está recrutando pacientes para o estudo SMARRTT, com 300 pessoas já inscritas. O plano é divulgá-lo por todo o país.

“Para mim, tudo nos últimos dois anos girou em torno da TB. Viver assim era impossível. Se eu tivesse começado o tratamento com um regime curto imediatamente, minha vida teria sido diferente.”
– Maria, paciente atualmente inscrita no estudo SMARRTT.

“Anteriormente, durante o ensaio clínico TB-PRACTECAL, só poderíamos incluir pacientes da região de Minsk, mas agora podemos incluir pacientes de toda a Belarus”, diz a Dra. Natalia Yatskevich, pesquisadora-chefe do estudo SMARRTT na Belarus e médica do Programa Nacional de tuberculose. “Farmacêuticos de diferentes regiões vêm até nós e retiram os medicamentos para que os pacientes possam ser tratados em suas cidades de origem.”

Maria está inscrita no estudo SMARRTT, após passar por dois longos anos de tratamento que não conseguiu curá-la da TB-DR. “Para mim, tudo nos últimos dois anos girou em torno da TB”, diz Maria. “Viver assim era impossível. Os pacientes não podem fazer nada porque se sentem péssimos [durante o tratamento]. Se eu tivesse começado o tratamento com um regime curto imediatamente, minha vida teria sido diferente”.

A tuberculose mudou completamente a vida de Maria e sua família; eles tiveram que se mudar para uma nova cidade e fazer um novo círculo de amigos. Durante esse período difícil, o marido de Maria foi um grande apoio para ela.

Foto: Alexandra Sadokova/MSF

O estigma ainda existe quando se trata de tuberculose

Em países onde a incidência da tuberculose é alta, o estigma em torno da doença ainda é um grande problema, e a Belarus não é exceção. Muitos pacientes enfrentam uma falta de aceitação por parte da sociedade e até mesmo por parte de pessoas próximas.

“Contei à minha amiga Anya sobre o diagnóstico e ela entrou em pânico”, lembra Maria. “Ela perguntou: ‘E se você me infectar?’ Eu meio que entendi o ponto de vista dela. Depois disso, Anya parou de se comunicar comigo. Ela tem dois diplomas universitários, ela é uma pessoa inteligente.”

Melhorar as atitudes das pessoas em relação aos pacientes com tuberculose e desenvolver a consciência social exigem tempo e esforços a longo prazo.

A ex-paciente Volha acredita que a baixa visibilidade das pessoas com tuberculose as torna invisíveis pela sociedade em geral. “As pessoas com tuberculose dificilmente são visíveis”, diz ela. “Pela literatura belarrussa, distinguimos as pessoas com tuberculose como meninas pálidas que desmaiam o tempo todo. Mas poucas pessoas com a doença são assim, na realidade.

Tantas vezes eu ouvi as pessoas dizerem: ‘O quê, as pessoas ainda têm tuberculose hoje em dia?’ Sim, elas certamente têm”, disse ela.

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