A realidade de famílias sírias que vivem refugiadas nas ilhas gregas

Migrantes enfrentam condições desumanas no campo de Vathy, na ilha de Samos

A realidade de famílias sírias que vivem refugiadas nas ilhas gregas

Milhares de sírios fogem todos os anos dos conflitos armados e da violência em seu país e embarcam em uma jornada pelo mar Mediterrâneo para chegar à Europa, onde esperam encontrar um lugar pacífico em que possam recomeçar a vida. Boa parte desses refugiados chega primeiro às ilhas gregas e logo percebem que terão de continuar lutando para sobreviver. Nos centros de recepção, as condições são desumanas e envolvem falta de água, comida e saneamento, em abrigos improvisados e superlotados. Além disso, os refugiados podem esperar meses ou anos até ter uma resposta sobre a solicitação de asilo no continente.

Com a chegada da pandemia de COVID-19, os movimentos das pessoas nos campos de refugiados ficaram ainda mais restritos. Esse agravante, somado aos anos de negligência das autoridades gregas e da União Europeia (UE), culminou em um incêndio que destruiu o campo de Moria, na ilha de Lesbos, no início de setembro.

Na ilha de Samos, o campo de refugiados de Vathy, onde vivem cerca de 4.500 pessoas, segue os passos de Moria e, para piorar, cerca de 50 casos de COVID-19 foram recentemente confirmados no local.

No final de julho, antes dos casos do novo coronavírus serem relatados em Vathy, as equipes de MSF ouviram três famílias sírias que viviam no local. Conheça suas histórias:

Darwish e Aysha

Darwish (74) e Aysha (68) são de Deir ez-Zor, na Síria, e vivem em um abrigo improvisado em Vathy. Eles perderam seu primeiro abrigo em um incêndio que eclodiu no acampamento no fim de abril e passaram quase um mês morando em uma barraca de verão em um campo aberto, totalmente expostos ao sol, até que uma família que estava indo embora lhes ofereceu abrigo improvisado. O casal tem quatro filhos e um neto, um menino de 10 anos de idade que é asmático. Um de seus filhos está sofrendo de uma deficiência visual permanente causada por fragmentos de bomba e Darwish e Aysha têm graves problemas médicos, que também os tornam vulneráveis à COVID-19. Mesmo assim a família não recebeu um lugar seguro no continente até agora.

Darwish é cardíaco e hipertenso, tem problemas renais e não consegue andar. Aysha também é hipertensa e sofre de dores de cabeça e tontura todos os dias. “Nossos filhos precisam fazer de tudo por nós. Eles têm que nos levar ao banheiro, nos dar comida e sair do campo, quando podem, para comprar remédios. As condições de vida neste campo são insuportáveis. Existem cobras e ratos, não temos eletricidade e muitas vezes há brigas”, relata ela. Darwish procurou atendimento médico na ilha, mas não conseguiu. “Os médicos do campo nos dizem que em Samos é impossível encontrar um tratamento especializado para o meu problema de saúde. Dizem que só no continente poderemos encontrar um médico. O mesmo se aplica ao meu filho de 24 anos.”


Foto: Enri Canaj / Magnum Photos para MSF

Amira

Amira é uma mulher de 62 anos de Jabab, um vilarejo sírio localizado no distrito de Al-Sanamayn, em Daraa. É viúva e mãe de três rapazes. Seu marido foi morto por homens armados e dois de seus filhos, um de 30 e outro de 25, foram gravemente feridos por estilhaços na Síria.

“Meu filho mais velho tem uma perna paralisada e meu outro filho tem feridas no peito. Ambos precisaram de várias cirurgias para sobreviver, e fugiram para a Turquia em 2016. Não tendo acesso a cuidados de saúde, vieram de bote para a Grécia e foram transferidos de avião para a Alemanha como casos médicos graves. Eles estavam viajando sozinhos, carregando um ao outro por 15 dias. Não os vejo desde então.”

Amira veio a Samos com a nora e o filho mais novo em dezembro de 2019 para se reencontrar com os filhos na Alemanha. No entanto, até hoje isso não foi possível e, apesar da sua idade e do seu estado de saúde, está presa na ilha e foi forçada a viver em condições muito anti-higiénicas no campo de Vathy durante seis meses.

“Quando chegamos, nos deram apenas um cobertor. Eu estava com tanto frio e esse cobertor não podia fazer nada. Eu rapidamente percebi que sofreríamos neste campo. À noite, ratos e cobras entram nas tendas e nos picam. Não conseguimos dormir, apenas ficamos preocupados o tempo todo com o que nos acontecerá a seguir. Mas o pior é o banheiro. Fechamos os olhos antes de ir ao banheiro. É muito, muito ruim o que está acontecendo no campo”.

Amira é asmática e precisa de cirurgia na tireoide. Também sofre de alergias, tem dificuldade para respirar e, devido a fortes dores nas costas, não consegue dormir à noite. Ainda tem medo da COVID-19, pois pertence ao grupo de alto risco. “A COVID-19 está em todo o mundo e muitas vidas foram perdidas. Receio que chegue à ilha de Samos, mas estou velha e ninguém se preocupa com os idosos”, ela diz, mas essa não é a sua maior preocupação.

“Minha única preocupação e meu único desejo é ver meus filhos antes de morrer. Nós escapamos da guerra e aqui eu sinto que estou em outra guerra. Eu não consigo descansar. Estou cansada. Eu só quero ter uma vida pacífica em um lugar seguro. Quero ver meus filhos, quero ser mãe deles. Para abraçá-los, estar ao seu lado como toda mãe faria, agora que estão doentes, entre as cirurgias na Alemanha. Eles precisam de mim. Eu sinto a dor deles daqui. Eu sinto que eles me querem ao lado deles. Só quero sentir o cheiro deles antes de morrer”, afirma com lágrimas nos olhos. Ela não vê os filhos há quatro anos. Amira está atualmente em um hotel na ilha de Samos e MSF fornece a ela os medicamentos de que precisa, enquanto o caso é seguido por um advogado e um assistente social.


Foto: Enri Canaj / Magnum Photos para MSF

Khalil al Khalil

Khalil al Khalil é um homem de 67 anos de idade. Ele sofre de pneumonia crônica e hipercolesterolemia, que é o aumento da concentração de colesterol no sangue. Ele morou por oito meses no campo de Vathy, em um abrigo improvisado, com seu filho e filha menores de idade. Originalmente da cidade de Deir ez-Zor, na Síria, ele trabalhava como motorista de táxi. “Não é justo que pessoas da minha idade sejam abandonadas e vivam em um acampamento como Vathy, sem acesso a médicos ou medicamentos. Tenho medo da COVID-19 e tento cuidar de mim isolando-me em minha barraca. No entanto, sei que se o coronavírus chegar ao campo, só Deus nos salvará”.

Ele havia tentado várias vezes ver um médico no acampamento, mas não foi possível porque o médico não tem capacidade para atender a todos. “Nós, como sírios, achávamos que a União Europeia e os europeus eram abertos e amantes da hospitalidade. Pensamos que a Europa nos trataria com respeito e dignidade. Nós pensamos que seria seguro. O meu único desejo é viver uma vida pacífica com os meus filhos, mas para isso precisamos da ajuda da Europa”. Khalil al Khalil e os filhos foram transferidos para Atenas.

Foto: Enri Canaj / Magnum Photos para MSF

 

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