Pesquisa com refugiados da RCA conclui que milhares morreram vítimas dos conflitos no país

De acordo com relatos coletados por MSF, foram mais de 2,5 mil mortes em cinco meses, durante o pico da violência

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Um estudo conduzido pela organização internacional humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF), sobre refugiados centro-africanos em Sido, no Chade, apurou que 2.599 pessoas morreram entre novembro de 2013 e abril de 2014, durante momento de violência extrema contra a minoria muçulmana na República Centro-Africana (RCA). Essa pesquisa revelou também que entre essas mortes, 2.100 pessoas foram assassinadas enquanto ainda estavam na RCA e 95% das mortes foram em consequência de tiro, machete, granada,e outros tipos de ferimento.

Entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014, centenas de milhares de pessoas fugiram de abusos e da violência na RCA, buscando refúgio no Chade e em Camarões, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). O centro de pesquisa epidemiológica de MSF, Epicentro, conduziu entrevistas com 3.499 famílias refugiadas em Sido para compreender os índices de violência durante o período de novembro de 2013 a abril de 2014. Aproximadamente 8% (2.599 pessoas) das 32.768 que inicialmente iriam compor as 3.449 famílias questionadas, morreram. Trinta e três por cento das famílias que sobreviveram perderam, ao menos, um parente. Vinte e oito por cento perdeu, ao menos, dois. Mais da metade (57%) das famílias entrevistadas em Sido era originalmente de Bangui, o local da partida da maioria dos comboios de refugiados.

“Os níveis chocantes de violência documentados em nosso estudo, no entanto, não podem causar a impressão de que o pior já passou”, diz o médico Mego Terzian, presidente de MSF. “Equipes de MSF continuam trabalhando dentro dos enclaves na República Centro-Africana onde milhares de pessoas continuam encurraladas, protegidas pelas forças internacionais, mas sem chance de escapar.”

Quase 87% das vitimas eram homens (1.863). A maioria entre 33 e 44 anos. No entanto, a violência não poupou mulheres, crianças ou idosos. Duzentas e nove crianças com menos de quinze anos e 227 pessoas acima dos 60 anos morreram por conta da violência.

Os dados dos sobreviventes e as declarações recolhidas pela equipe de MSF na RCA, Chade e Camarões destacam a amplitude da violência que as populações enfrentaram na RCA e quando deixaram o país. Trezentas e vinte e duas pessoas morreram durante o percurso até Chade. Setenta e oito por cento dessas mortes está relacionado à violência.

Quase toda a população muçulmana da metade ocidental da RCA deixou o país em apenas alguns meses. Muitos dos enclaves que estão sob a proteção das forças armadas internacionais em Bangui, Carnot, Boda e Berberati ainda abrigam algumas centenas de muçulmanos. Eles enfrentam condições de vida muito precárias e têm poucas perspectivas. Confinados em guetos, essa parte da população centro-africana ainda passa por ameaças diárias.

A decisão do governo do Chade, em maio, de fechar suas fronteiras e a assistência humanitária inadequada disponibilizada em Camarões fez com que esses refugiados procurassem abrigo em países vizinhos. Em junho, equipes de MSF registraram mais de 1.700 novas chegadas em Sido, incluindo pessoas vindas da RCA ou de outros campos transitórios no Chade, que foram encontrar os membros da família dos quais haviam sido separados. Alguns tiveram que pagar para atravessar a fronteira ou andaram por horas até achar pontos mais “permeáveis”. Outros foram sob fogo cruzado.

No dia 13 de junho, quatro pessoas foram mortas enquanto tentavam cruzar o rio para chegar até Sido. No dia 3 de julho, 100 pessoas, vítimas de um ataque na vila onde moravam na RCA, não foram autorizados a atravessar em direção a Sido. No mínimo cinco delas foram feridas por arma de fogo durante o ataque, incluindo uma mulher e três crianças. Elas tiveram que caminhar por 24 horas até chegar em Bethel, uma cidade fronteiriça no Chade. MSF ofereceu tratamento médicos a elas e as transportou para o hospital de Goré, após negociar com autoridades, que finalmente aprovaram a transferência.

Após vários meses de deslocamento, os centro-africanos chegam a Camarões exaustos e traumatizados. O estado de saúde deles é alarmante, particularmente em termos de nutrição. Aproximadamente uma a cada duas crianças sofre de desnutrição.

“Ainda há muitas lacunas na distribuição de assistência humanitária às centenas de milhares que conseguiram escapar da violência e chegaram até o Chade ou Camarões,” diz o médico Terzian. “O mínimo que pode ser feito para essa população que sofreu extrema violência, perdeu membros da família, e foi expulsa de suas casas, é prover assistência humanitária.”

MSF está atuando na RCA desde 1997. Mais de 2.300 pessoas trabalham nas seções operacionais em projetos médicos-cirúrgicos localizados em mais de 15 cidades centro-africanas. MSF também atua em campos de refugiados centro-africanos na região sul do Chade e na parte oriental de Camarões.

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