Pandemia de COVID-19, uma pandemia de desigualdades

Discurso da dra. María Guevara, secretária médica internacional de MSF, no evento virtual da Organização Mundial do Comércio (OMC) sob o título “COVID-19 e equidade em vacinas: o que a OMC pode contribuir?”

Pandemia de COVID-19, uma pandemia de desigualdades

“O atual sistema de produção e fornecimento de vacinas, geograficamente concentrado e controlado por empresas farmacêuticas, não serve para responder à COVID-19. Estamos falando sobre salvar vidas, não sobre proteger sistemas.

Dra. Ngozi, vossas excelências e distintos convidados, obrigada pela oportunidade de falar e participar deste importante encontro de hoje.

Também queremos parabenizar a dra. Ngozi por sua nomeação como diretora-geral da OMC e saudar sua liderança inspiradora.

Médicos Sem Fronteiras (MSF) atua em resposta à pandemia de COVID-19 desde janeiro de 2020. Em muitos lugares onde trabalhamos, vemos em primeira mão as contínuas desigualdades globais em termos do acesso a ferramentas médicas e vacinas contra a COVID-19. A realidade é que o mundo está longe de garantir que todos os profissionais de saúde da linha de frente e grupos vulneráveis em todo o mundo estejam vacinados.

Apesar da velocidade sem precedentes no desenvolvimento das vacinas e a expansão inicial da capacidade de fabricação, reitero que enfrentamos um problema de escassez aqui e agora. Estamos testemunhando as inevitáveis limitações de fabricação, agravadas pelo fato de que alguns países garantiram muito mais doses do que o necessário para vacinar toda a sua população por meio de acordos bilaterais.

Neste período de escassez, precisamos lidar urgentemente com as desigualdades imediatas no acesso às vacinas contra a COVID-19. Coletivamente, temos que garantir que todos os profissionais de saúde da linha de frente e grupos de alto risco em todo o mundo tenham prioridade no acesso às vacinas.

Em paralelo, dado que esta pandemia está longe de terminar, devemos abordar urgentemente o problema da escassez.

Para atender a demandas globais sem precedentes, são necessárias soluções para aliviar as restrições de fornecimento e ações imediatas para criar condições que permitam saídas a médio e longo prazo para garantir que a capacidade de fabricação e abastecimento não seja apenas ampliada, mas diversificada.

Devemos possibilitar e desenvolver as capacidades locais em todo o mundo para contribuir de forma independente para um sistema de abastecimento global mais sustentável especialmente em países de baixa e média renda. O atual sistema mundial de produção e abastecimento, geograficamente concentrado e controlado pela indústria farmacêutica, pura e simplesmente, NÃO é adequado para responder a esta pandemia.

O fornecimento global não deve depender de prerrogativas puramente comerciais e direitos exclusivos das empresas farmacêuticas que detêm a tecnologia. MSF, junto com muitas outras organizações da sociedade civil, têm pedido aos principais desenvolvedores de vacinas que compartilhem abertamente sua propriedade intelectual e transfiram conhecimento e tecnologia, mas até agora isso não tem sido suficiente.

Gostaria de lembrar que a indústria farmacêutica continua a rejeitar a iniciativa liderada pela OMS, o Acesso Conjunto à Tecnologia contra a COVID-19 (C-TAP), como um meio possível. Confiar apenas nas atuais medidas voluntárias das empresas tem limitações próprias e provou NÃO abordar adequadamente os desafios assustadores desta pandemia.

Qualquer mecanismo voluntário deve ter medidas aplicáveis que garantam a cobertura global de abastecimento, total transparência, uma prestação de contas clara e condições não exclusivas.

Em relação à OMC, a isenção temporária da propriedade intelectual que reforça os monopólios é uma contribuição importante que a OMC, como uma instituição multilateral baseada em regras, pode fazer para apoiar esta resposta à pandemia. MSF pede a todos os governos que apoiem a suspensão temporária da propriedade intelectual e que negociações formais comecem logo.

Certamente, a isenção por si só não pode resolver todos os problemas que enfrentamos nesta pandemia, mas é uma opção legal importante e um passo urgente a tomar entre outras medidas que deveriam estar disponíveis para uso dos governos.

Os países precisam de novas opções legais para lidar com as incertezas e barreiras legais que podem impedir a produção e o fornecimento de produtos médicos com antecedência, enquanto nós nos preparamos para os desafios futuros. Preparação e rapidez são essenciais para responder com eficácia a emergências.

Por fim, fazemos um apelo a todos os membros da OMC para que trabalhem juntos em busca de uma solução global que permita a todos os países proteger todas as populações e realmente considerem as vacinas como um bem público global. No final, trata-se de salvar vidas, não de proteger sistemas.

Obrigada.”

 

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