O assunto é doenças negligenciadas

Terminado o Congresso Internacional de Medicina Tropical, Médicos Sem Fronteiras responde às perguntas enviadas por internautas sobre o tema

De 23 a 27 de setembro, Médicos Sem Fronteiras (MSF) marcou presença no 18º Congresso de Medicina Tropical e Malária, evento que reuniu cerca de dois mil cientistas de 59 países. Esta foi a primeira vez que a organização médico-humanitária participou do evento como expositora, a frente de mesas de discussão e palestras. Por três dias, profissionais de MSF tiveram a oportunidade de compartilhar seus mais de 25 anos de experiência no tratamento de calazar, doença de Chagas, doença do sono, úlcera de Buruli e malária.
 
Seguidores de MSF nas redes sociais enviaram perguntas relativas ao congresso e às doenças negligenciadas durante o dia 27 de setembro. Nesta entrevista, a equipe médica da organização responde. Confira!
 
O que são doenças negligenciadas? O que a população pode fazer para ajudar?
São doenças tratáveis e curáveis que afetam, principalmente, populações com poucos recursos financeiros que, justamente por isso, não despertam o interesse da indústria farmacêutica. Os métodos de tratamento e diagnóstico dessas doenças são antigos e inadequados e demandam investimento em pesquisa e desenvolvimento para se tornarem mais simples e efetivos. Atualmente, a Organização Mundial da Saúde classifica 17 enfermidades como doenças negligenciadas. Entre elas estão: calazar, doença do sono, dengue, esquistossomose, tarcoma, doença de Chagas, etc. A população pode contribuir com a disseminação de informações, engrossando o coro liderado por organizações não governamentais a favor do investimento em pesquisa e desenvolvimento voltados para essas doenças. Além disso, é possível engajar-se com a causa acompanhando o desenrolar de políticas públicas, pressionando agências internacionais e governos a agirem.
 
Quais das doenças negligenciadas são as mais letais?
É muito complicado fazer um comparativo da letalidade entre essas doenças, porque elas são tão negligenciadas que, em muitos casos, não há registros oficiais suficientes que deem embasamento para comparações desse tipo. O que se pode dizer é que algumas delas, como a doença do sono, chegam a atingir índices de mortalidade de quase 95% caso não sejam tratadas. Já outras enfermidades podem gerar complicações de longo prazo que podem levar à morte, como é o caso da doença de Chagas. Mesmo doenças que não são diretamente fatais, como a úlcera de Buruli ou a hanseníase, causam efeitos devastadores na vida das pessoas, afetando sua capacidade produtiva e as mantendo no mesmo círculo vicioso de pobreza e negligência.

Qual das doenças negligenciadas possui maior incidência no Brasil? E quais os tratamentos disponíveis para as pessoas infectadas?
Em números absolutos, a dengue é a doença com maior incidência no país, mas não há tratamento específico e nem vacina.
 
Com as constantes mudanças de temperatura no Brasil, a tuberculose pode vir a ser um problema no futuro?
As mudanças climáticas vêm influenciando na transmissão de várias doenças, principalmente aquelas que são transmitidas por vetores, e este não é o caso da tuberculose. A doença, no entanto, é, atualmente, um grande problema de saúde pública no Brasil, afetando, majoritariamente, os estados do Rio de Janeiro e do Amazonas.
 
A hanseníase ainda pode ser tornar uma dor de cabeça para o Sistema Único de Saúde (SUS)?
A hanseníase é, atualmente, um problema de saúde pública no Brasil, que é o segundo país com a maior prevalência da doença, ficando atrás apenas da Índia. Além dos serviços oferecidos aos pacientes pelo sistema de saúde nacional, deveriam existir mais campanhas para a conscientização da população voltadas para combater o estigma, que é, em muitos casos, o grande responsável pela demora na procura por tratamento da doença.
 
A epidermólise bolhosa é uma doença negligenciada?
Não, a epidermólise bolhosa não é considerada uma doença negligenciada.
 
Como andam as pesquisas e testes relacionados ao medicamento ravuconazol, que deve ser disponibilizado aos portadores até 2014?
Em breve, vamos ter os resultados preliminares e, a partir deles e assim que todos os procedimentos junto às entidades regulatórias sejam cumpridos, será avaliada a disponibilização do medicamento.
 
Até que ponto o governo tem o dever de estar presente e colaborando para a prevenção e promoção das doenças negligenciadas?
Completamente, principalmente se levarmos em consideração que as populações afetadas por essas doenças não dispõem de recursos para buscar alternativas ao sistema público de saúde; o governo deve buscar ampará-las. O contexto das doenças negligenciadas, no entanto, é extremamente complexo e requer o envolvimento de todos os agentes – públicos e privados – para o ser enfrentado. No Brasil, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem contribuído de forma fundamental para o estudo e o combate dessas doenças.
 
Existe alguma ação estratégica de MSF junto a entidades como a Organização das Nações Unidas (ONU) visando que países emergentes invistam em laboratórios públicos para produzir seus próprios medicamentos e distribuí-los gratuitamente?
Médicos Sem Fronteiras atua com diversos parceiros na luta contra as doenças negligenciadas. Como o contexto diz respeito exclusivamente ao setor de saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) é a instituição com a qual MSF mantém relacionamento com o objetivo de desenvolver melhores ferramentas para diagnóstico e tratamento das doenças negligenciadas.
 
O responsável por doenças negligenciadas não deveria ser o governo? Não deveria haver um apoio financeiro às desenvolvedoras de moléculas?
O combate às doenças negligenciadas é um tema complexo que deve, sim, ter envolvimento do governo, por meio do desenvolvimento de políticas públicas para combater tais doenças e condições sociais, como o investimento em saneamento, por exemplo, e políticas preventivas que garantam o acesso a tratamento adequado. Além disso, o incentivo a instituições de pesquisa voltadas para doenças negligenciadas, como a Fiocruz, e a organizações que atuem em rede com institutos de pesquisa e indústrias farmacêuticas no mundo todo, como a DNDi (Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas), é essencial para transformar inovação em prática, para que novos medicamentos e formulações sejam desenvolvidos para atender populações negligenciadas. Outro elemento importantíssimo é o envolvimento da sociedade civil e das pessoas afetadas por tais condições. É isso o que garante que as políticas de saúde atendam às prioridades determinadas pelos próprios indivíduos.
 

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