MSF denuncia violência contra pessoas aprisionadas em centros de detenção na Líbia

Organização pede o fim das detenções arbitrárias de refugiados, solicitantes de asilo e migrantes no país.

Sobrevivente resgatado no Mar Mediterrâneo mostra cicatriz de agressões que sofreu no período em que foi detido arbitrariamente na Líbia e levado para o deserto. Setembro de 2022. © Candida Lobes/MSF

Refugiados, solicitantes de asilo e migrantes aprisionados em centros de detenção em Trípoli, na Líbia, têm sofrido violência sexual, agressões, têm sido espancados, mortos e sistematicamente privados das condições humanas mais básicas, incluindo acesso adequado a alimentos, água, saneamento e cuidados médicos.

Ao longo de 2023 até o momento em que MSF encerrou suas atividades médicas em Trípoli, em agosto, nossas equipes testemunharam e documentaram as condições de vida e os abusos dentro dos centros de detenção de Abu Salim e Ain Zara, onde milhares de pessoas, incluindo crianças, continuam a ser arbitrariamente aprisionadas. As conclusões obtidas por MSF estão no novo relatório (“Você vai morrer aqui” – Abuso nos centros de detenção de Abu Salim e Ain Zara*) publicado pela organização.

“Continuamos horrorizados com o que vimos nas detenções de Abu Salim e Ain Zara”, lamenta Federica Franco, coordenadora-geral de MSF na Líbia. “As pessoas são totalmente desumanizadas, expostas todos os dias a condições e tratamentos cruéis e degradantes.”

De acordo com as equipes de MSF que forneceram cuidados médicos em ambos os centros de detenção, a violência em massa e indiscriminada era frequentemente usada pelos guardas. Muitas vezes, isso ocorria como punição por descumprimento de ordens, solicitação de cuidados médicos, pedidos por comida extra ou em retaliação a protestos e tentativas de fuga.

Violência sexual

No centro de detenção de Abu Salim, onde apenas mulheres e crianças são aprisionadas, as mulheres relataram terem sido submetidas a revistas corporais íntimas, espancamentos e violência sexual. Esses abusos foram perpetrados por guardas e também por homens, muitas vezes armados, que estavam fora do centro de detenção e foram levados para dentro do local.

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“Naquela noite, ela [uma guarda] nos levou para outro cômodo da prisão, onde havia homens sem uniforme, mas talvez fossem guardas ou policiais”, lembra uma mulher aprisionada em Abu Salim. “Quando chegou a minha vez, a mulher me disse que se eu tivesse relações sexuais com ele, eu poderia sair. Comecei a gritar. Ela me puxou para fora e me bateu com um cano. Fui levada de volta para a sala grande com as outras mulheres. Lá ela me disse: ‘Você vai morrer aqui.’”

Casos de violência e condições degradantes

No centro de detenção de Ain Zara, homens aprisionados contaram à equipe de MSF sobre práticas de trabalho forçado, extorsão e outros abusos de direitos humanos, incluindo a morte de pelo menos cinco pessoas devido à violência ou à falta de acesso a cuidados médicos essenciais.

As equipes de MSF documentaram 71 casos de violência ocorridos entre janeiro e julho de 2023. Médicos trataram lesões como fraturas ósseas, feridas nos braços e pernas, hematomas nos olhos e danos à visão.

Centenas de pessoas estão amontoadas em celas tão superlotadas que elas são forçadas a dormir sentadas.”
– Federica Franco, coordenadora-geral de MSF na Líbia.

Pessoas aprisionadas relataram que a violência era regularmente associada a várias formas de intimidação e tratamento degradante. Entre elas, o despejo de água suja e esgoto nas mulheres e crianças, a retenção de refeições como forma de punição e a privação de luz por dias.

“Centenas de pessoas estão amontoadas em celas tão superlotadas que são forçadas a dormir sentadas, com derramamentos de esgoto de fossas sépticas cheias e banheiros entupidos”, diz Franco. “Não há comida suficiente e há pouca água para beber ou se limpar. Combinado com as condições terríveis, isso contribuiu para a disseminação de doenças infecciosas, como diarreia aguda, sarna e catapora.”

Falta de acesso a itens básicos de higiene

Itens essenciais, como roupas, colchões, kits de higiene, cobertores, fraldas e fórmulas de leite para bebês, eram distribuídos apenas irregularmente e eram constantemente confiscados pelos guardas.

No centro de detenção de Abu Salim, as equipes de MSF viram na pele dos bebês o impacto da utilização de fraldas improvisadas, feitas de toalhas e sacolas plásticas, e do uso prolongado de fraldas. As mulheres relataram que foram forçadas a usar pedaços de cobertor ou camisetas rasgadas como absorventes improvisados durante o período menstrual.

Acesso à ajuda humanitária dificultado

Além das terríveis condições de vida e do tratamento desumano, as pessoas aprisionadas em Abu Salim e Ain Zara não tinham acesso regular a cuidados médicos e assistência humanitária. Dezenas de vezes, as equipes de MSF tiveram acesso negado a ambos os centros de detenção e a celas individuais dentro dos centros.

Enquanto estavam em Abu Salim, nossas equipes documentaram mais de 62 casos de interferência na assistência médica de MSF, incluindo violações do sigilo médico e o confisco de itens essenciais.

A situação terrível que testemunhamos nos centros de detenção da Líbia é uma reverberação direta das políticas de migração prejudiciais da Europa.”
– Federica Franco, coordenadora-geral de MSF na Líbia.

MSF perdeu completamente o acesso ao centro de detenção de Ain Zara no início de julho e ao centro de detenção de Abu Salim em agosto de 2023. Essa situação e frequentes obstruções ao fornecimento da assistência humanitária baseada em princípios foram fatores que contribuíram para a decisão de MSF de encerrar suas atividades em Trípoli.

“Após sete anos fornecendo assistência médica e humanitária em Trípoli, a situação terrível que testemunhamos nos centros de detenção da Líbia é uma reverberação direta das políticas de migração prejudiciais da Europa, destinadas a impedir que as pessoas deixem a Líbia a todo custo e que sejam mandadas de volta à força para um país que não é seguro para elas”, diz Franco.

MSF pede o fim do aprisionamento arbitrário na Líbia e que todos os refugiados, solicitantes de asilo e migrantes sejam libertados dos centros de detenção e recebam proteção significativa, abrigo seguro e caminhos seguros e legais para sair da Líbia.

 

De 2016 a agosto de 2023, MSF forneceu assistência médica e humanitária para refugiados, solicitantes de asilo e migrantes mantidos em centros de detenção de Trípoli e para pessoas que viviam em condições precárias em ambientes urbanos em Trípoli. Os serviços de MSF nos centros de detenção incluíam cuidados gerais de saúde, apoio de saúde mental, encaminhamentos para instalações médicas especializadas para pessoas com condições que representavam risco de morte e a facilitação do acesso a serviços de proteção.

Hoje, MSF continua a trabalhar na Líbia, atualmente nas regiões de Misrata, Zuwara e Derna, e mantém suas atividades de busca e resgate para dar assistência a refugiados, solicitantes de asilo e migrantes que se veem forçados a arriscar suas vidas cruzando o Mar Mediterrâneo Central.

*Leia o relatório completo em inglês aqui.

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