MSF conclui projeto de saúde mental em Petrópolis

Na semana passada, a organização encerrou as atividades de fortalecimento técnico para enfrentamento a desastres com treinamento de cerca de 250 pessoas.

Foto: Diego Klein/MSF

“Eu não consigo nem olhar muito para aquele espaço ali. Naquele espaço vago é… duro de falar…. mas eu tinha um afilhado de casamento, compadres, o afilhado do meu marido. É um momento de muita dor.”

O relato é de Maria Dutra de Moura, moradora de Petrópolis, que aponta para o Morro da Oficina, que desabou após as fortes chuvas que atingiram o município da região serrana do Rio de Janeiro em fevereiro deste ano. A tempestade provocou deslizamentos e transbordamento de rios, causando mais de 200 mortes e deixando centenas de pessoas desabrigadas. Segundo as autoridades, esse foi o maior desastre já registrado na cidade.

Poucos dias após a tragédia, profissionais de Médicos Sem Fronteiras (MSF) estiveram no local para identificar as principais necessidades da população. Com experiência em contextos de emergência e catástrofes socioambientais, a organização percebeu que os protocolos de atendimentos em saúde mental poderiam ser aprimorados e desenvolveu treinamentos locais, que foram encerrados na semana passada. “Em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde e com a Fiocruz, conduzimos atividades de capacitação focadas em saúde mental para os profissionais da área de saúde, da educação e de assistência social, além de lideranças comunitárias. No total, cerca de 250 pessoas participaram”, explica Bruno Alcântara Cardoso, coordenador do projeto.

Foto: Diego Klein/MSF

 

Os treinamentos aumentam a capacidade de resposta psicossocial local, que pode assim chegar até a população. “Criamos espaços de diálogo e de troca de experiências sobre atuação nesta área, trazendo conteúdo técnico sobre resposta de saúde mental e suporte psicossocial em cenários de emergência e desastre”, afirma Álvaro Palha, coordenador de saúde mental do projeto de MSF.

Maria Aparecida da Silva foi uma das lideranças locais que passou pela formação. Embora a sua casa não tenha sido atingida, ela conhece muitas pessoas que sofreram com os impactos da chuva. “Foi muito triste, já moro aqui há quase 50 anos e ninguém esperava por isso. Acho que ninguém espera. A gente já está de luto. Petrópolis está de luto, mas estamos tentando nos erguer. Acho que a gente tem que ter força para ajudar o vizinho, um amigo ou até um cachorro”, diz.

Muitos dos desabrigados foram acolhidos no Centro de Defesa de Direitos Humanos de Petrópolis do qual Carla de Carvalho é coordenadora. Ela conta que a cidade está traumatizada. “Qualquer chuva ou ameaça de temporal, todo mundo entra em pânico. Ninguém pode sequer ouvir o anúncio da Defesa Civil de que vai chover. Há duas semanas aconteceu novamente. As pessoas estão com seus empregos ameaçados, com as suas casas ameaçadas e com as suas famílias ameaçadas. Então está todo mundo muito traumatizado”, explica Carla. Com a cidade ainda se recuperando da tempestade de fevereiro, um novo temporal atingiu a região no domingo, dia 20 de março, causando novas inundações, deslizamentos e vitimando mais pessoas.

Foto: Diego Klein/MSF

 

Carla também participou dos encontros técnicos em saúde mental de MSF. “Um grupo de fora traz vivências, experiências e olhares que a gente que está dentro do furacão não consegue parar para perceber. Então acho muito interessante. Saber que o acolhimento que a gente faz é algo que reflete psicologicamente na pessoa. Às vezes achamos que estamos simplesmente tratando a pessoa bem, dando o donativo que ela precisa, acolhendo dentro do que a gente entende, mas a gente não percebe que isso pode influenciar para que ela fique melhor ou pior”, explica.

Crise climática e o aumento das tragédias humanitárias

Esta é a segunda vez neste ano que Médicos Sem Fronteiras realiza uma ação de capacitação na área de saúde mental em contexto de emergências e desastres no país. As equipes da organização também estiveram em Itabuna, na Bahia, treinando cerca de 500 profissionais da linha de frente, entre 21 de fevereiro e 11 de março, para identificar e referenciar pacientes que necessitassem de atendimento em saúde mental. Mais uma vez, as chuvas torrenciais provocaram uma tragédia que impactou o bem-estar psicossocial da população.

Assim como nestas ações realizadas no Brasil, MSF tem atuado ao redor do mundo em ambientes vulneráveis à ação do clima. Em muitos países onde a organização trabalha, as equipes médico-humanitárias já estão respondendo a situações relacionadas com as mudanças que resultam em alterações nos padrões de chuva, temperatura e eventos climáticos extremos mais frequentes, como ciclones, furacões, secas e enchentes.

“As equipes de MSF são compostas de profissionais médico-humanitários, não de cientistas climáticos, mas, testemunhamos diretamente como a mudança climática agravou crises sanitárias e humanitárias em diversos contextos onde atuamos”, afirma Carol Devine, conselheira para assuntos humanitários e líder de inteligência climática de MSF.

 

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