Mossul, Iraque: uma cidade se recuperando da guerra

Sistema de saúde luta para cobrir necessidades; muitos hospitais permanecem danificados

Foto por: Christina Rizk/MSF

“Ainda me lembro do momento exato em que entendi o que significa ser neutro e imparcial”, disse Abdulrahman Dhannoon Khaleel (29), coordenador de apoio do projeto no oeste de Mossul. “Isso foi em 2017, eu estava em MSF há pouco tempo. Estávamos trabalhando em um hospital improvisado no bairro de Nablus, no oeste de Mossul, perto da frente de batalha. Pessoas feridas chegavam ao nosso hospital a cada hora”.

Entre as frentes

Entre 2016 e 2017, as forças de segurança do Iraque, apoiadas por uma coalizão internacional liderada pelos EUA, lançaram uma ofensiva militar para retomar Mossul do grupo Estado Islâmico, que ocupava a cidade há três anos e meio. “A situação era caótica”, lembra Abdulrahman Dhannoon Khaleel.

“Um dia, recebemos uma criança ferida em um hospital improvisado de MSF. O menino, de seis anos de idade, estava sendo interrogado sob a suspeita de que seu pai era membro do grupo Estado Islâmico. Nos colocamos na frente do menino e o protegemos. A única coisa que importava para nós era que ele precisava de ajuda médica“.

“No final, descobriu-se que ele e seus pais eram civis”, diz Dhannoon. “Eles tentaram fugir da cidade, mas não conseguiram escapar dos conflitos. Eles foram varridos pela batalha e ficaram presos na cidade antiga (um labirinto de pequenas ruas e casas históricas) até que o bairro fosse liberado. No caos, o menino foi separado de seus pais”.

Agora, mais de quatro anos depois, os efeitos devastadores da guerra não apenas ainda são visíveis, mas também são fortemente sentidos na província de Ninewa, no noroeste do Iraque, e em sua principal cidade, Mossul. Muitas pessoas ainda estão deslocadas, o trauma psicológico da população permanece sem tratamento e muitas das unidades de saúde danificadas ainda não estão totalmente funcionais novamente.

Foto por: Peter Bräunig/MSF

Esperança para o futuro

“Eu estava aqui quando o grupo Estado Islâmico tomou a cidade em 2014 e até o fim da guerra. É impossível explicar como foi isso”, lembra o jovem de 29 anos. “Simplesmente não há palavras… Era como ser torturado por dentro. Não havia futuro… nada. As coisas que vivenciamos colocam um fardo pesado sobre nós. Ninguém fala sobre isso, no entanto. Sim, a guerra acabou, sim, a cidade está mais segura, mas você ainda pode ver muita fúria e dor nos olhos das pessoas onde quer que você vá“.

“As pessoas aqui querem olhar para frente”, continua Abdulrahman Dhannoon. “Muitos diriam que estão felizes, mas, na realidade, temos visto muita miséria, realmente muita miséria”. Assim como sua população, Mossul está lutando para se recuperar. Os rastros da guerra ainda moldam a paisagem urbana, mas os esforços de reconstrução estão progredindo.

As equipes de MSF estão tentando curar as cicatrizes físicas e psicológicas da guerra, fornecendo acesso aos cuidados de saúde altamente necessários para a população fortemente afetada de Mossul. MSF administra um hospital que oferece serviços gratuitos de neonatologia, maternidade e pediatria no bairro de Nablus, na margem oeste do rio Tigre. Mais a leste, em Al-Nahrawan, um dos bairros mais empobrecidos de Mossul, nossas equipes administram outro projeto semelhante. Em ambos os locais, uma média de até mil crianças nascem e recebem cuidados por mês.

No leste de Mosul, MSF também oferece cirurgia reconstrutiva e cuidados pós-operatórios abrangentes no Hospital Al-Wahda. Lá, nossas equipes fornecem os cuidados necessários para pessoas feridas por traumas acidentais ou violentos. De janeiro a outubro de 2021, realizamos 1.029 intervenções cirúrgicas, 4.494 e 1.351 internações e consultas ambulatoriais, respectivamente. Serviços de apoio psicológico e aconselhamento de saúde também estão disponíveis nos três locais.

Foto por: Peter Bräunig/MSF

Um sistema de saúde em recuperação

“As pessoas tendem a pensar que quando um conflito termina, as coisas naturalmente voltam ao normal”, explica Esther van der Woerdt, coordenadora-geral de MSF no Iraque. “Mas a verdade é que a recuperação leva anos, para não dizer décadas. Muitas das infraestruturas básicas foram destruídas ou danificadas durante os confrontos e muitas delas ainda precisam ser reconstruídas ou reabilitadas. As estruturas de saúde pública em Mossul estão lutando para cobrir as necessidades e algumas pessoas ainda não podem pagar pelos cuidados de saúde, seja porque perderam tudo nos conflitos e/ou mal conseguem sobreviver depois de perder seu sustento. Nesse sentido, os serviços de saúde gratuitos que oferecemos são essenciais para as pessoas”.

Além de fornecer esses serviços, MSF está ajudando o sistema de saúde da cidade a se recuperar e também está fornecendo o suporte necessário para garantir que ele possa lidar com novas emergências. Em 2019, MSF reconstruiu um hospital dedicado ao tratamento de doenças infecciosas no leste de Mossul para melhorar o acesso aos serviços de saúde à comunidade local. Entre março e dezembro de 2020, a organização apoiou o sistema de saúde de Mossul para lidar com a pandemia de COVID-19. MSF transformou temporariamente seu centro de cuidados pós-operatórios com 62 leitos (conhecido hoje como Hospital Ortopédico Al-Wahda), no leste da cidade, em um centro de isolamento e tratamento da COVID-19 para casos suspeitos e confirmados.

Desde o momento em que MSF transformou o hospital em uma instalação para COVID-19 até o retorno às atividades normais, nossas equipes haviam cuidado de 975 pacientes com COVID-19. Para expandir ainda mais o apoio à resposta à COVID-19 na província de Ninawa, MSF também administrou uma unidade de terapia intensiva com 16 leitos, entre novembro de 2020 e abril de 2021, para oferecer cuidados avançados a pessoas com COVID-19 severa e crítica, onde 14 pacientes foram atendidos.

“Nossas atividades na cidade estão evoluindo com o contexto”, conclui a coordenadora-geral. “E estamos tentando nos adaptar da melhor maneira possível às necessidades médicas da população, pautados exclusivamente por nossa ética médica e princípios neutros e imparciais”.

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