“Meu trabalho no Sudão, meu país, não é apenas um emprego; é uma parte da minha humanidade”

Em Histórias de MSF, o médico sudanês Mohammad Bashir descreve os desafios enfrentados pela população diante de um sistema de saúde devastado pela guerra.

Profissionais de Médicos Sem Fronteiras da equipe liderada por Mohammad Bashir, que está segurando a bandeira à direita da imagem. © MSF
Por Mohammad Bashir, coordenador-médico adjunto de MSF no Sudão

“Antes do dia 15 de abril de 2023 [data do início da guerra], eu nunca imaginei que me encontraria em Cartum, a capital do meu país, trabalhando em uma zona de conflito.

Sou um médico do Sudão e trabalho com Médicos Sem Fronteiras(MSF) há vários anos, mas nunca vi nada parecido com o sofrimento que as pessoas em meu país têm enfrentado diariamente. Esse conflito é devastador. Mais de 7 milhões de pessoas estão deslocadas por causa da guerra no Sudão e nos países vizinhos. Pessoas que fugiram em razão da violência e que, atualmente, estão praticamente sem recursos em acampamentos improvisados.

Como muitas delas, o conflito não poupou a mim e a meus entes queridos.

 

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Saúde em colapso

O Sudão tem lutado há muito tempo com um sistema de saúde frágil, e o conflito em curso o fez desmoronar. Nos últimos meses, tenho apoiado as equipes de MSF em dois hospitais no estado de Cartum e em uma instalação de saúde no acampamento de refugiados de Um Rakuba, no leste do país.

Quando as pessoas pensam em necessidades médicas em um conflito, geralmente associam a pessoas feridas por bombas ou balas, mas também tenho visto um número crescente de emergências causadas por complicações de doenças crônicas não tratadas. Pessoas que podem ter controlado com sucesso a diabetes ou asma durante anos, agora não conseguem encontrar os medicamentos que precisam para viver.

A necessidade de cuidados maternos também é imensa, especialmente para mulheres grávidas que precisam de cesarianas ou partos de emergência. É por isso que em Umdawanban, um dos hospitais onde atuei, profissionais de MSF têm apoiado a equipe da maternidade, auxiliando em mais de 1.500 partos desde julho do ano passado.

Mas em todo o país, muitos serviços de maternidade não funcionam regularmente, deixando as mulheres grávidas que enfrentam complicações com risco de vida sem acesso a cuidados obstétricos de emergência. E onde os serviços de saúde estão disponíveis, a qualidade do atendimento continua sendo uma preocupação.

 

É preciso mais

Como cidadão sudanês e médico, me sinto profundamente preocupado quando considero as crescentes necessidades de saúde em minha terra natal. Algumas são anteriores ao conflito, mas todas elas foram agravadas por ele. O Sudão tem um histórico alarmante de surtos de doenças, como sarampo e meningite. Essas doenças altamente contagiosas podem ser evitadas por meio da vacinação, mas sem ela podem ser fatais, especialmente em crianças pequenas. Um fator que coloca as crianças particularmente em risco é a desnutrição, que prejudica o sistema imunológico.

Com o colapso do sistema de saúde e centenas de milhares de pessoas que fugiram da violência, muitas vezes vivendo em acampamentos improvisados e lotados, os programas de vacinação em larga escala e o suporte nutricional são mais do que cruciais, eles são uma possível salvação.

Determinação

No Sudão, a maioria das áreas em que MSF está atuando continuam sendo zonas de confrontos ativos. Isso torna nosso trabalho particularmente desafiador e perigoso, mas também nos mantém mais determinados.

A determinação que menciono aqui não se concentra apenas em MSF; eu a estendo às comunidades que se unem para apoiar umas às outras. Por exemplo, no acampamento de refugiados de Um Rakuba, no leste do Sudão, MSF oferece cuidados humanitários extremamente necessários a milhares de pessoas que vivem lá e em seus arredores.

Mohammad Bashir, à direita da imagem, com duas profissionais da equipe de Médicos Sem Fronteiras. © MSF

Quando o conflito eclodiu, não estava claro se seria possível continuar nosso apoio no local, mas com a determinação de uma equipe central, não houve nenhuma lacuna no serviço. Em 2023, realizamos 40 mil consultas médicas para refugiados e para a comunidade local, e ajudamos 507 mulheres a dar à luz com segurança. Nossa determinação é compartilhada: em Um Rakuba, acompanhei de perto o importante papel que os voluntários locais e as parteiras da comunidade estão desempenhando.

 

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Apenas a determinação não é suficiente

Mas, às vezes, somente a determinação não é suficiente. Meu juramento como médico é fazer tudo o que puder pelas pessoas que precisam de cuidados de saúde. E em minha função como coordenador-médico adjunto de MSF, isso significa não apenas tratar pacientes individuais, mas também coordenar o atendimento em uma escala maior, garantindo que a equipe e os suprimentos estejam onde são mais necessários.

Mas como posso manter meu compromisso em uma situação em que os recursos e as mãos que ajudam estão impedidos e expostos a perigos? Essa pergunta ecoa em meus pensamentos dia e noite.

Agora é uma questão de vida ou morte que todas as partes envolvidas nesse conflito reconheçam o único objetivo de MSF: oferecer cuidados médicos às pessoas em situação de maior vulnerabilidade, gratuitamente. Precisamos de acesso e proteção para nossas equipes e suprimentos, assim como para os pacientes, não amanhã, mas agora! As vidas que nos esforçamos para salvar dependem disso.

 

Uma parte de mim

Meu trabalho no Sudão, meu país, não é apenas um emprego; é uma parte da minha humanidade. E meu dever ético é, assim como meus colegas de MSF, fazer tudo o que pudermos para aliviar o sofrimento diante de um conflito.

Continuo dedicado a essa causa.”

 

Sobre Mohammad Bashir

Mohammad Bashir trabalha com MSF há vários anos.  Ele tem supervisionado as atividades médicas nos hospitais Umdawanban e Alban Aljadeed, no estado de Cartum, apoiados por MSF desde meados de julho de 2023.

No hospital de Umdawnban, nossos profissionais fornecem cuidados de saúde pediátricos e maternos. Além disso, o hospital Alban Aljadeed é a única instalação pública em funcionamento na região do Nilo Oriental. Lá, MSF tem apoiado a sala de emergência e o centro cirúrgico, onde a equipe ofereceu mais de 12 mil consultas ambulatoriais de emergência desde agosto de 2023.

Bashir também atuou com a equipe médica do acampamento de refugiados de Um Rakuba, no estado de Al Gedaref, onde realizamos 40 mil consultas ambulatoriais somente em 2023.

Sua função se estendeu ao atendimento de algumas emergências de saúde, como a resposta a um surto de cólera. Seus esforços em dois desses hospitais forneceram apoio vital a aproximadamente 500 pessoas afetadas pela doença em 2023.

 

Atuação de MSF no Sudão

Atualmente, nossas equipes trabalham em 11 estados: Cartum, Al-Jazeera, Nilo Branco, Nilo Azul, Rio Nilo, Al Gedaref, Darfur Ocidental, Darfur do Norte, Darfur Central, Darfur do Sul e Port Sudan. Também estamos prestando assistência a refugiados e repatriados do outro lado das fronteiras do Sudão, no Sudão do Sul, na República Centro-Africana e no Chade.

Nossos profissionais no Sudão fornecem tratamento de emergência, cirurgias e administram clínicas móveis para pessoas deslocadas pela violência, tratando doenças transmissíveis e não transmissíveis, fornecendo cuidados de saúde materna e pediátrica, incluindo partos seguros. Além disso, fornecemos serviços de água e saneamento, doamos medicamentos e suprimentos médicos para instalações de saúde e incentivos salariais ; oferecemos treinamento e apoio logístico para as equipes do Ministério da Saúde do Sudão. MSF também está dando continuidade a algumas de suas atividades médicas que estavam em vigor antes do início do conflito. 

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