María, Yohannes e Tedros, lembrados pelos seus colegas

María, Yohannes e Tedros, lembrados pelos seus colegas

María Hernández, Yohannes Halefom e Tedros Gebremariam foram mortos no final junho em Tigré, região ao norte da Etiópia abalada por constantes conflitos armados. María Hernández era uma de nossas coordenadoras de emergência em Tigré, Yohannes Halefom Reda era assistente de coordenação e Tedros Gebremariam Gebremichael trabalhava como motorista.

Eles deixaram familiares e entes queridos, a quem prestamos profundas condolências e com quem compartilhamos a indignação de tal ataque. As mortes de María, Yohannes e Tedros são um golpe devastador para todas as pessoas que fazem parte de nossa organização tanto na Etiópia como no resto dos países onde MSF atua. Seus colegas de Médicos Sem Fronteiras (MSF) lembram suas trajetórias:

MARÍA HERNÁNDEZ

María tinha 35 anos e era de Madri, mas cresceu na aldeia de Sanchotello, em Salamanca. Ela trabalhou pela primeira vez para MSF em junho de 2015 como vice-coordenadora financeira na República Centro Africana, depois como coordenadora financeira no Sudão do Sul (a partir de outubro de 2015) e no Iêmen (a partir de maio de 2017). Posteriormente, María coordenou projetos de campo no Iêmen, México, Nigéria, República Centro Africana e, finalmente, na Etiópia.

Mayur Kale, a quem Maria substituiu como coordenadora de projeto de MSF em Abi Adi, em Tigré central, na Etiópia:

María tinha uma personalidade que te obrigava a se lembrar dela – por sua dedicação, sua paixão por fazer mais e por seu boné preto de MSF, seus longos cachos castanhos e o lindo sorriso. Ela representou o logo de MSF perfeitamente: uma pessoa que corre ou, no caso dela, uma mulher que desafia os limites.

Como coordenadora, María inspirou funcionários e comunidades a trabalhar para as pessoas mais vulneráveis. Seu jeito direto e sempre sorridente não era apenas uma expressão de seu profissionalismo, mas também de suas incríveis habilidades diplomáticas. María era uma pessoa que sabia o que era necessário e o que devia ser feito. Ela era tão ligada à comunidade que o diretor médico do hospital de Axum ficou com os olhos marejados ao nos oferecer suas condolências.

Abi Adi tinha um lugar no meu coração e, quando me disseram que María seria a próxima coordenadora do projeto, senti que não havia ninguém melhor a quem entregar minhas responsabilidades. Helmer, o primeiro coordenador lá, era muito admirado pela restauração dos serviços de saúde em Abi Adi. Eu era apenas um homem preenchendo a lacuna e dando lugar a outra pessoa admirada, uma ‘deusa’ cujo trabalho em Tigré (iniciando os projetos em Adigrat e Axum e continuando em Abi Adi) nunca será esquecido por ninguém. Até em sua última viagem, ela estava fazendo o que realmente amava: abrindo um caminho para os feridos, para as pessoas que ainda não haviam recebido ajuda.

A equipe MSF México:

Estamos com o coração partido. Só podemos agradecer profundamente à María por seu entusiasmo e dedicação durante o ano em que tivemos a sorte de trabalhar, compartilhar e aprender com ela. Ela deixou sua marca em muitos de nós. Compartilhou sua história conosco. Seu sorriso permanente e sua energia eram contagiantes. Ela era uma mulher que não parava. Ela viajou pelo país de norte a sul para ajudar migrantes e refugiados. Em apenas um ano, conseguiu gerar mudanças e nos inspirou com seu comprometimento e dedicação. Seu legado é seu trabalho e ela continuará presente em tudo o que realizarmos na rota dos migrantes: “Continuaremos fazendo o que sabemos fazer de melhor”.

Sua partida é desesperadamente injusta. Sentimos uma tristeza profunda, tem sido devastador. Há vidas que, embora breves, deixam uma marca inapagável em seu rastro. No caso de María, apesar de nossa indignação e raiva, preferimos celebrar sua vida. Curta e efêmera, mas relevante e cheia de significado como exemplo para os outros. Esperamos poder transformar esses sentimentos esmagadores em energia para homenageá-la com nosso trabalho. Isso é o que María teria feito.

Evrard Obawa, que trabalhou com María na equipe de emergência de MSF na República Centro Africana:

Faltam-me palavras quando tento descrever esta mulher corajosa e excepcional, que estava sempre sorrindo e que teve a capacidade de motivar e criar um clima de confiança em sua equipe.

Continuamos a lamentar por María, que se foi no curso de seu trabalho humanitário. Ela mesma confirmou na mensagem de despedida que deixou à nossa equipe antes de sair: “Para você que vacinou todas as crianças que se mudaram, que respondeu à ‘epidemia da gravidez’ com boa disposição e sempre pediu para fazer mais, ir mais longe … Se não pudermos chegar de carro, então vamos vacinar de moto!”

Prezada Maria, esta mensagem afirma seu compromisso e motivação em trabalhar com MSF. Adeus, María Hernández, vá em paz, Charlie Tango, e descanse em paz na terra de seus antepassados.

Shinjiro Murata, diretor-geral de MSF Japão, que trabalhou com María no Sudão do Sul:

María era uma pessoa de coração caloroso, sorriso permanente e caráter alegre. Onde quer que ela estivesse, as pessoas se sentiam sortudas por estarem ao seu lado. Foi uma honra trabalhar com ela no Sudão do Sul em 2015 e 2016.

María não era apenas excelente em seu trabalho, mas também tinha um grande apetite intelectual. Ela gostava de participar dos debates. Um dia, ela nos contou sobre seus próximos passos: “Quero ser coordenadora de projeto”. Depois do Sudão do Sul, descobri que ela havia cumprido missões difíceis, como a do Iêmen. Posso imaginar que nesta última em Tigré ela sentiu uma enorme responsabilidade em responder às necessidades das pessoas. Ela era uma mulher maravilhosa e uma grande humanitária.

É uma perda tremenda para MSF. Para quem conhece María, ainda é difícil acreditar no que aconteceu com ela, mas temos que seguir em frente. Temos que seguir por ela e pelas pessoas que precisam de nós.

María José Sagrado, epidemiologista de MSF, que trabalhou com María no Iêmen:

Querida María, desde o primeiro dia você me ajudou a sentir como se tivesse voltado para casa. Você tinha aquela capacidade de cuidar da equipe e nos fazer sentir que, mesmo em meio a tanto horror e tristeza – que é o que são as guerras – éramos uma grande família e estávamos lá para fazer o que fazíamos de melhor: ajudar os outros.

Lembro que passei meu aniversário lá e você me deu um lenço de cabeça igual ao seu, porque eu disse que adorava aquele que você estava usando.

Uma das coisas que mais gostava era de ficar com você depois do trabalho no terraço do escritório de Sana’a. Tornou-se um dos meus momentos favoritos do dia. Contávamos sobre nossos dias ou simplesmente olhávamos os telhados da cidade e pensávamos no povo do Iêmen, ou falávamos sobre nós mesmas, duas meninas madrilenhas na casa dos 30 anos.

Você foi especial, María. Você tinha aquele “algo” que poucas pessoas têm, que toca o coração e permanece para sempre. Você era uma alma inquieta, sempre com um sorriso no rosto e um olhar limpo e puro; uma ótima pessoa e uma mulher maravilhosa. Você sempre estará em nossos corações. Descanse em paz, minha amiga. Voe alto!

Ana de la Osada, que trabalhou com María no Sudão do Sul:

“Você vai longe em MSF”. Foi o que pensei pouco depois de começar a trabalhar com María em Juba, no Sudão do Sul. Fazia alguns meses que ela havia começado em MSF e trouxe muito entusiasmo e energia em sua mochila. María sempre foi curiosa e atenta aos detalhes, com grande habilidade para analisar as coisas e humildade para perguntar o que não sabia ou entendia. Acho que o Sudão do Sul, em 2016 foi, uma boa sala de aula para reforçar ainda mais o seu desejo de crescer no mundo humanitário. Eu não estava errada. María foi longe em MSF, o mais longe que pôde. É tão triste que ela tenha sido obrigada a parar na estrada tão cedo.

Se há uma coisa de que me lembro daquela época é das viagens de carro todas as manhãs de nossa casa para o escritório. Para começar o dia com boas energias, criamos uma playlist de músicas para nos acompanhar ao longo da jornada. Se alguma vez eu não quisesse colocar a música, havia sempre um: “Vamos lá, Osadilla!”, da María para me encorajar a colocar para tocar, principalmente nos momentos difíceis que vivemos devido à situação do país. Energia e impulso puros: era assim que ela era.

Obrigada, minha amiga.

A equipe MSF Colômbia:

Não tivemos o prazer de conhecer Yohannes e Tedros, mas María era amiga e colega de vários de nós. Nós que a conhecemos, concordamos em uma coisa: ela foi uma pessoa de infinita excelência humana e verdadeiramente maravilhosa, no sentido mais amplo das palavras. María era solidária, empática, humana, charmosa, generosa, afetuosa, profissional e transmitia uma sensação de alegria, um entusiasmo pelo que fazia e acreditava com um prazer único. Ela era uma luz brilhante. Ouvimos palavras semelhantes sobre Yohannes e Tedros de seus colegas; reconhecemos sua valiosa dedicação ao trabalho e a sua própria comunidade.

YOHANNES HALEFOM REDA

Yohannes nasceu em 3 de novembro de 1991 em Mekele, Etiópia, onde fez mestrado em saúde pública enquanto era líder da Associação de Estudantes. Ele foi diretor-médico do hospital Samre, no sudeste de Tigré, e trabalhou para outras organizações internacionais antes de ingressar em MSF em fevereiro de 2021, quando se tornou coordenador-assistente de nosso projeto em Abi Adi, que ele ajudou a implantar.

Helmer Charris, coordenador do projeto de MSF em Abi Adi até março de 2021:

É difícil descrever alguém com quem você trabalhou tão de perto, mas gostaria de homenagear sua memória. Desde o início, quando começamos o processo de recrutamento, ficou evidente que Yohannes era um jovem inteligente e bastante elegante na maneira como falava e se dirigia às pessoas. Ele sempre foi muito respeitoso. Tinha uma delicadeza que contrastava com seu físico, porque ele era um cara grande. Ele era o melhor candidato para o cargo e, para todos nós, sem exceção, parecia ser uma pessoa com um futuro promissor. Ficamos felizes por ele ter se juntado à equipe. Lembro que em seu currículo ele havia escrito um slogan embaixo de seu nome que dizia: “Meu sonho é que todos tenham acesso à saúde”.

Para mim, Yohannes era como a minha outra metade: sempre foi muito cuidadoso, entendeu muito bem os princípios de MSF e manteve uma certa serenidade em todos os momentos, apesar de acompanhar com preocupação a evolução do conflito em Tigré.

As lembranças mais vívidas que tenho de Yohannes são de sua gentileza e serenidade e os constantes comentários sobre retornar à Mekele para se casar com sua noiva. Disse que gostaria que voltássemos para Tigré quando fosse uma terra de paz, para ver todas as coisas maravilhosas da região, admirar suas paisagens e, acima de tudo, encontrar sua família e sua futura esposa. Ele esperava que o projeto em Abi Adi fosse apenas temporário porque, em um futuro próximo, a paz viria para Tigré.

Momoh Sieh Turay, logístico de MSF em Abi Adi até abril de 2021:

Yohannes era um homem incrível. Eu o conheci quando ele começou em MSF, quando estávamos planejando um levantamento de necessidades na área para abrir o projeto em Abi Adi.

Ele era uma pessoa calma e respeitosa, gostava do que fazia, curtia o trabalho. Lembro-me dele dizendo: “Já trabalhei para outras organizações antes, mas agora sinto que estou aprendendo”. Ele nunca expressou qualquer reclamação. Estava sempre se esforçando para entender as necessidades das pessoas e o que MSF poderia fazer para ajudar. É uma perda tremenda para a organização. Rezo para que onde quer que esteja, você seja feliz.

Mayur Kale, coordenador do projeto de MSF em Abi Abdi de março a abril de 2021:

Yohannes foi um humanitário brilhante e comprometido que conquistou o respeito não apenas de seus colegas, mas também das pessoas a quem atendíamos em todos os cantos de Tigré. Ele defendeu veementemente que a população deveria receber serviços médicos gratuitos e acessíveis e trabalhou duro para fornecer ajuda às áreas mais remotas. Recebia um grande número de ligações das pessoas, uma responsabilidade que aceitou de bom grado. E toda vez que as recebia, ele estava preparado.

Em Abi Adi, junto com outras equipes e profissionais de saúde, Yohannes fez um esforço para restaurar o sistema de saúde que atendia a uma população de meio milhão de pessoas. Ele trabalhou duro para garantir que houvesse eletricidade no hospital, para restaurar a rede da clínica móvel com o objetivo de melhorar o acesso a cuidados médicos em áreas remotas e para proteger as ambulâncias que poderiam ser usadas pelos pacientes. Yohannes sempre esteve pronto para tudo e sempre estará conosco.

Yohannes ou “John”, como foi carinhosamente apelidado, ingressou em MSF há apenas cinco meses, mas era um humanitário nato e acreditava apaixonadamente na organização. Como seu supervisor, a última frase que escrevi em sua avaliação foi: “Desejo-lhe boa sorte no futuro e espero que nos encontremos novamente no mundo de MSF!” Infelizmente, esse não pode ser o caso. Voltar para Abi Adi, “o grande vilarejo”, não será mais o mesmo. O vazio e a perda só podem ser preenchidos honrando sua memória e continuando a trabalhar pelos necessitados.

Igor García, assessor de comunicação da unidade de emergência de MSF:

Conheci Yohannes durante uma visita à Tigré em março para documentar como o conflito estava afetando as pessoas em diferentes lugares da região. Abi Adi foi o projeto mais recente inaugurado lá por MSF Espanha.

Yohannes me acompanhou o tempo todo durante várias visitas às escolas, que haviam se tornado o epicentro de uma enorme crise de deslocamento. Passamos horas entrevistando homens e mulheres que haviam perdido tudo – muitas vezes até seus entes queridos -, que dormiam ao ar livre com crianças pequenas, lutando todos os dias para ter algo para colocar na boca depois de passar semanas ou meses em movimento e com a incerteza de não saber o que o futuro traria.

Cada conversa criava um nó na garganta e, às vezes, era impossível continuar. Tivemos que parar por alguns momentos para lidar com a emoção. Lembro-me da integridade e profissionalismo de Yohannes. Lembro-me dos silêncios, dos olhares de compreensão, dos gestos de empatia e, apesar da dificuldade de ouvir seu próprio povo contar histórias tão duras e horríveis, Yohannes manteve a calma e um compromisso indestrutível de ajudar a humanizar, dar rosto e explicar, da forma mais fiel possível, as consequências de uma guerra indesejada e que pegou a todos de surpresa. Descanse em paz, meu amigo.

TEDROS GEBREMARIAM

Tedros tinha 37 anos e foi criado na cidade de Abi Adi, no centro de Tigré. Ele foi educado na escola Abi Gidi antes de se formar no Colégio Técnico e Vocacional Abi Adi, em 2008. Tedros ingressou em MSF em maio de 2021 como motorista, cargo que ocupou anteriormente em várias instituições.

Negin Allamehzadeh, coordenadora de comunicações de MSF em Tigré:

Haftom, amigo de longa data de Tedros e também um colega de MSF, nos disse que, quando criança, Tedros adorava jogar futebol e, quando saíram da escola, o que mais gostavam de fazer era pegar lenha, acender uma fogueira e cozinhar injera (um pão achatado tradicional da Etiópia). Haftom lembra dele como uma pessoa sábia e centrada e, se você já teve o prazer de conhecer “Teddy” – como todos os seus amigos o chamavam -, é fácil entender o que ele quis dizer. Teddy era uma pessoa de fala mansa e gentil, com um espírito generoso. Quando nossa equipe chegou em Abi Adi, todos os negócios estavam fechados. Teddy ofereceu sua experiência e tempo para nos ajudar a encontrar as peças e consertar nossos veículos para que pudéssemos continuar alcançando as comunidades rurais para avaliar as necessidades médicas.

O mais velho de dois irmãos, ele era uma pessoa focada e trabalhadora. Foi o interesse por carros que o levou a conseguir seu primeiro emprego como motorista em uma empresa de energia renovável em Wukro, antes de retornar à Abi Adi para dirigir para o Wegagen Bank. Por fim, ele trabalhou no seu próprio negócio de táxis durante vários anos e, em maio, se juntou oficialmente à MSF como motorista, junto com o seu irmão mais novo, que entrou como segurança.

Teddy morava em Abi Adi com a esposa e duas filhas: uma de oito anos e um bebê nascido há menos de três meses. O que mais gostava de fazer era passar o tempo com sua família e sua mãe, que já é idosa. Ele tinha orgulho de poder cuidar da mãe, que trabalhava duro no mercado todos os dias para sustentar seus dois filhos. E adorava os filmes de Bollywood, aos quais costumava assistir depois de trabalhar com Haftom.

Ele tratou a todos com cortesia e respeito. É assim que todos se lembram de Teddy: pacífico, amigável, gentil e, acima de tudo, generoso. Todos nós o amávamos. Dói muito perdê-lo.

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Há muitas pessoas que gostariam de contribuir com suas memórias de María, Yohannes e Tedros, faltam muitas lembranças aqui. Recolhemos as primeiras homenagens que nos chegaram nestes dias de dor. As atuais dificuldades de comunicação e deslocamento em Tigré infelizmente nos impediram de coletar mais memórias da vida de Tedros vindas de amigos e colegas. As contribuições aqui foram editadas.

 

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