Etiópia: MSF divulga investigação interna sobre o assassinato de três profissionais

María, Tedros e Yohannes foram mortos durante ataque em Tigré, em junho de 2021

Carro em que María, Tedros e Yohannes viajavam, em uma foto capturada pela equipe de busca de MSF em 25 de junho de 2021. ©MSF

Médicos Sem Fronteiras (MSF) publicou as conclusões de uma investigação interna sobre o assassinato brutal de três integrantes da equipe da organização — María Hernández Matas, Tedros Gebremariam Gebremichael e Yohannes Halefom Reda — na região central de Tigré, Etiópia, ocorrido em 24 de junho de 2021.

A investigação confirmou que o ataque foi um assassinato intencional e direcionado a três trabalhadores humanitários claramente identificados. Também foi constatado que um comboio das Forças de Defesa Nacional da Etiópia (ENDF, sigla em inglês) estava presente no momento do incidente, na mesma estrada onde nossos colegas foram mortos.

María, Tedros e Yohannes trabalhavam com MSF para fornecer assistência médica em Tigré, uma região afetada pelo conflito. Em 24 de junho de 2021, eles viajavam em um veículo claramente identificado como pertencente a MSF para um vilarejo perto da cidade de Abi Adi, no centro de Tigré, para encaminhar pacientes feridos em conflitos recentes à época. Durante a viagem, o veículo foi interceptado, e os três profissionais foram mortos.

Da esquerda para a direita: Yohannes Halefom Reda, assistente de coordenação, tinha 31 anos e era da Etiópia; María Hernández Matas, 35, da Espanha, começou a trabalhar com MSF em 2015; Tedros Gebremariam Gebremichael, 31, também da Etiópia, era motorista de MSF desde maio de 2021. ©MSF

Quatro anos depois, MSF ainda não tem respostas conclusivas sobre o que aconteceu com os integrantes de sua equipe, apesar das tentativas incansáveis de dialogar com a República Federal Democrática da Etiópia (FDRE, sigla em inglês) e a Frente Popular de Libertação do Tigré (TPLF, sigla em inglês) — cujas forças estavam presentes na zona de conflito mais ampla.

“Apesar das repetidas garantias das autoridades etíopes de que uma investigação estava em andamento, quatro anos depois, nem MSF nem as famílias das vítimas receberam respostas convincentes. Só podemos supor que não há vontade política suficiente para divulgar as conclusões de uma investigação concluída”, afirma Paula Gil, presidente de MSF-Espanha.

“Na ausência de qualquer versão oficial, temos a obrigação moral para com a nossa equipe e as famílias dos nossos colegas falecidos de tornar públicas as nossas próprias conclusões – um passo necessário para esclarecer um assassinato brutal que não pode ser ignorado ou enterrado”, destaca Gil.

Isso não foi resultado de um tiroteio, nem um trágico erro. Nossos colegas foram mortos no que só pode ser descrito como um ataque deliberado.”

– Paula Gil, presidente de MSF-Espanha

Imediatamente após o incidente, MSF instaurou uma investigação interna — prática padrão após um episódio crítico de segurança. As evidências confirmaram que o ataque à equipe de MSF foi intencional e direcionado.

As vítimas — todas vestindo coletes brancos claramente identificados com o logotipo de MSF e viajando em um veículo que exibia visivelmente o logotipo e a bandeira de MSF — foram baleadas várias vezes à queima-roupa, enquanto estavam de frente para seu agressor. Os corpos foram encontrados a até 400 metros do veículo, que foi incendiado e crivado de balas.

“Isso não foi resultado de um tiroteio, nem um trágico erro. Nossos colegas foram mortos no que só pode ser descrito como um ataque deliberado”, acrescenta Gil.

A investigação interna de MSF também estabeleceu claramente que um grande comboio das Forças de Defesa Nacional da Etiópia em retirada se deslocava para o sul, na mesma estrada onde os integrantes da equipe de MSF foram mortos, no dia do ataque. Isso foi corroborado por várias fontes disponíveis no domínio público, incluindo reportagens da mídia e imagens de satélite de código aberto, bem como inúmeras testemunhas civis.

Além da presença confirmada das Forças de Defesa Nacional da Etiópia na área, o que ainda precisa ser esclarecido é a extensão e a natureza do seu envolvimento no ataque. MSF recebeu relatos preocupantes de testemunhas — incluindo civis que viajavam com o comboio das Forças de Defesa Nacional da Etiópia — que implicavam diretamente soldados do grupo no ataque. Uma testemunha relatou ter ouvido uma conversa por rádio em que um comandante das Forças de Defesa Nacional da Etiópia dava ordens para “atirar” em um carro branco que se aproximava e “eliminá-los”.

Desde 2021, MSF realizou mais de 20 reuniões de alto nível com autoridades do governo etíope e apresentou inúmeros pedidos formais para que seja realizada uma investigação confiável e transparente e para que as conclusões sejam compartilhadas.

María, Tedros e Yohannes perderam a vida enquanto ajudavam pessoas em situação de crise. […] O assassinato deles não deve ser esquecido.”

– Paula Gil, presidente de MSF-Espanha

“Nos últimos quatro anos, fizemos tudo ao nosso alcance para colaborar de forma construtiva com as autoridades etíopes, incluindo o compartilhamento das conclusões de nossa análise interna em várias ocasiões entre novembro de 2021 e outubro de 2023, juntamente com materiais de apoio, com o Ministério da Justiça”, afirma Gil.

“A análise de MSF demonstra claramente que era — e continua sendo — viável estabelecer os fatos sobre o incidente. Diante disso e das informações comprovadas que confirmam a presença da ENDF no momento do ataque, é inconcebível e inaceitável que as autoridades etíopes tenham consistentemente deixado de concluir uma investigação confiável e compartilhar suas conclusões”, completa Gil.

MSF está tornando pública a investigação interna não apenas por obrigação moral, mas também para exigir que os governos protejam os profissionais humanitários e as instalações médicas e que os responsáveis pelos ataques a equipes médicas e humanitárias sejam responsabilizados.

Atos de violência contra profissionais humanitários estão aumentando em todo o mundo, enquanto os Estados negligenciam cada vez mais o dever de investigar e julgar violações do direito internacional humanitário, e a comunidade internacional continua a ignorar a situação.

O assassinato brutal de María, Tedros e Yohannes é um caso emblemático dos perigos enfrentados pelos trabalhadores humanitários. Se não houver investigação de um ataque tão hediondo, isso criará um precedente perigoso na Etiópia e reforçará um padrão alarmante de impunidade para ataques à saúde em todo o mundo.

“María, Tedros e Yohannes perderam a vida enquanto ajudavam pessoas em situação de crise. Eles estão em nossos pensamentos todos os dias. O assassinato deles não deve ser esquecido ou recebido com silêncio. MSF espera que, ao buscar a verdade sobre o que aconteceu, possamos contribuir para a construção de um ambiente mais seguro para os [profissionais] humanitários — não apenas na Etiópia, mas em zonas de conflito em todo o mundo”, conclui Gil.

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