Estratégia de Combate à Doença de Chagas não pode continuar a ignorar os pacientes

MSF faz um apelo a países endêmicos para que diagnostiquem e tratem doentes e por mais pesquisas de medicamentos

No centenário do descobrimento da doença de Chagas e dia do aniversário de seu descobridor, o pesquisador brasileiro Carlos Chagas, a organização não governamental internacional humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) lança a campanha “Chagas: é hora de romper o silêncio”. A organização faz um apelo para que os governos dos países endêmicos não considerem os pacientes casos perdidos e apostem no diagnóstico e no tratamento de pessoas infectadas, em vez de se concentrar somente no controle vetorial. Além disso, MSF faz um apelo para um maior esforço em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos medicamentos, testes rápidos de diagnóstico adaptados às necessidades dos locais com maior prevalência da doença e testes de cura.

A doença de Chagas é causada pelo parasita Trypanosoma cruzi. Na maioria dos países latino-americanos, a principal via de transmissão é o vetor, ainda que também se possa transmitir de mãe para filho, por transfusão de sangue, transplante de órgãos e alimentos contaminados. Durante anos, as pessoas com a infecção podem não apresentar sintomas, mas na fase crônica um terço delas desenvolve graves lesões, principalmente cardíacas e intestinais, que podem provocar a morte. “Um dos principais problemas que temos de enfrentar é que durante anos os pacientes não apresentam sintomas, assim não sabem que estão doentes e não recebem tratamento. É vital trabalhar ativamente para detectar os casos e poder encontrar e tratar as pessoas”, explica a Dra. Nines Lima, referência de MSF para Chagas.

Chagas causa 14 mil mortes por ano e estima-se que entre 10 e 15 milhões de pessoas estejam infectadas. Além disso, como resultado do deslocamento em nível mundial, cada vez mais registram-se casos nos Estados Unidos, na Europa, na Austrália e no Japão. Apesar de ser uma doença potencialmente mortal, historicamente, no âmbito da atenção primária, os programas de Chagas deram ênfase à prevenção e à luta contra o vetor (inseto que transmite a doença), deixando em segundo plano o tratamento dos já infectados. A integração das ações de diagnóstico e tratamento no âmbito da atenção primária facilitaria o acesso ao tratamento, que poderia salvar suas vidas.

Três anos após a solenidade em que o país recebeu da Organização Mundial de Saúde (OMS) a certificação pela eliminação do barbeiro (Triatoma infestans), a doença continua a fazer parte dos projetos de MSF. “Em 2007, MSF, em parceria com a Fiocruz, capacitou microscopistas para a identificação do parasita T. cruzi em todos os estados amazônicos. O resultado foi a detecção de surtos de doença de Chagas na região, onde se desconhecia sua presença”, alerta David Souza, coordenador da Unidade Médica de MSF no Brasil. Atualmente, estima-se que existam três milhões de pessoas vivendo com Chagas no país e que quase 100 milhões estejam expostas a ela na América Latina. “Grupos de pacientes estão se formando em São Paulo e Recife para buscar apoio e enfrentar os inúmeros desafios impostos pela doença. Mas isso não é suficiente. É preciso que a pesquisa e o desenvolvimento sejam orientados pelas necessidades em saúde e que as autoridades brasileiras promovam medidas que garantam apoio aos pacientes”, lembra o médico.

Quanto mais rápida a detecção da infecção, maiores as posibilidades de que o tratamento seja efetivo. Os dois únicos medicamentos existentes atualmente – benznidazol e nifurtimox – foram desenvolvimos há mais de 35 anos e em pesquisas não especificamente destinadas a Chagas. Ainda que os medicamentos sejam muito efetivos em recém-nascidos e crianças, em adolescentes e adultos as taxas de cura giram em torno de 60% e 70%. Além disso, os pacientes de idade mais avançada têm mais posibilidades de sofrer com efeitos adversos. “Os médicos não tratam as crianças e muito menos os adultos por temerem os efeitos adversos. Estamos demonstrando que esses efeitos são gerenciáveis em ambos os casos. Agora, não é ético continuar deixando os pacientes sem tratamento”, aponta o Dr. Tom Ellman, coordenador geral do projeto de Chagas de MSF na Bolívia.

Por ser uma doença principalmente associada à pobreza, Chagas está há anos ausente das agendas políticas e dos programas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Um estudo recente de G-Finder revela que durante o ano de 2007 só se gastaram US$10,1 milhões em P&D para Chagas. Menos da metade foi para a pesquisa de medicamentos, vacinas, diagnósticos ou produtos de controle vetorial. A Comissão de Direitos
de Propriedade Intelectual, Inovação e Saúde Pública da OMS reconheceu em 2006 o fracasso dos mecanismos de financiamento atuais para doenças negligenciadas

Com os meios disponíveis atualmente para tratar Chagas, as equipes médicas devem enfrentar muitas limitações e em certas ocasiões não têm nenhuma opção de tratamento. É urgente que se estimule a pesquisa e o desenvolvimento para que se desenvolvam novos testes rápidos de diagnóstico, melhores medicamentos e testes de cura para enfrentar esta doença. “A falta de incentivos comerciais relegaram Chagas ao esquecimento durante anos. Precisamos encontrar novas formas de incentivar P&D e conseguir melhores ferramentas para atender os pacientes”, explica Gemma Ortiz, responsável pela Campanha de Chagas de MSF.

Durante os próximos meses, MSF continuará a desenvolver atividades informativas e de sensibilização para difundir a campanha “Chagas: é hora romper o silêncio”.

MSF está disponibizando o site www.msf.org.br/chagas para explicar em que consiste esta doença e destacar a enorme distância que há entre o número de pessoas infectadas por Chagas e as que recebem tratamento. Os visitantes podem participar da campanha e romper o silêncio mandando informações sobre essa doença silenciosa a seus amigos.

Médicos Sem Fronteiras trabalha em projetos de luta contra a doença de Chagas desde 1999. Atualmente, a organização está trabalhando em três subúrbios da cidade de Cochabamba, na Bolívia, o país com maior prevalência da doença. As atividades são realizadas em parceria com o Ministério da Saúde boliviano e de forma integrada em cinco centros de atenção primária, onde se trata e diagnostica crianças e adultos de até 50 anos. Com esta mesma abordagem, a organização está abrindo um novo projeto na zona rural do departamento de Cochabamba, onde está trabalhando para envolver as comunidades em todos os componentes da estratégia (prevenção, diagnóstico e tratamento), em uma região onde é grande a presença do vetor.

Até o fim de 2008, MSF havia feito o teste de Chagas em mais de 60 mil pessoas e tratou 3.100 pacientes, sendo que cerca de 2.800 finalizaram o tratamento com êxito. Isso demonstra que, ainda que os meios atuais não sejam ideais, o diagnóstico e o tratamento de Chagas são viáveis em locais com recursos limitados e regiões remotas.

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