“Estamos todos com medo”: palestinos vivem cenário de crescente insegurança

MSF está presente há mais de vinte anos em Hebron, na Cisjordânia, oferecendo suporte de saúde mental e apoio para aqueles que sofrem os impactos de viver sob ocupação.

Clínicas móveis em Hebron, 20 de dezembro de 2020

Quase três meses depois que uma escalada da violência em Gaza deixou 256 palestinos e 13 israelenses mortos, a situação em toda a Palestina permanece instável. O conflito de Gaza ocorreu em um cenário de crescente insegurança na Cisjordânia, com mais ataques contra palestinos em comparação com o mesmo período em 2020. Nos primeiros seis meses de 2021, segundo a ONU, já ocorreram 273 ataques contra palestinos ou suas propriedades, comparados a 370 incidentes em todo o ano de 2020 e 340 incidentes ao longo de 2019.

Há muito como foco de violência, o distrito de Hebron tem visto um aumento nos ataques perpetrados por colonos desde o início do ano. Aproximadamente 600 colonos israelenses residem na cidade de Hebron ao lado de uma população palestina de mais de 35 mil pessoas. Os colonos são protegidos por mais de dois mil soldados israelenses, de acordo com a organização local de direitos humanos B’Tselem. Em 2021, os palestinos no distrito de Hebron continuaram a enfrentar a violência de colonos tanto dentro da cidade como em todo o distrito, bem como lidando com as realidades diárias da vida sob ocupação que incluem restrições de movimento, acesso limitado a serviços médicos, demolições de casas e a presença contínua dos militares israelenses.

Impacto psicológico significativo

MSF está presente há mais de vinte anos em Hebron, oferecendo suporte de saúde mental e apoio para aqueles que sofrem os impactos de viver sob ocupação. Apenas nos primeiros seis meses de 2021, já havíamos tratado um total de 75 pacientes com problemas de saúde mental após ataques de colonos – incluindo agressões físicas e assédio – em comparação com 65 pacientes em todo o ano de 2020. Essa violência tem provocado um impacto psicológico significativo e de longo prazo na população palestina. Sintomas que MSF trata incluem medo persistente, problemas para dormir e comer, ansiedade, estresse, raiva, enurese noturna (urina na cama entre crianças), dificuldade de concentração ou incapacidade de realizar tarefas diárias.

Zanuta, um vilarejo palestino em Adh Dhahriya, cerca de 20 km a sudoeste do distrito de Hebron, caracteriza a experiência palestina na Cisjordânia. Seus habitantes dependem da pecuária e da agricultura para sobreviver, mas isso se tornou mais difícil devido às políticas israelenses sistemáticas de confisco de terras, infraestrutura insuficiente, incluindo estradas, saúde e educação e, mais recentemente, a chegada de colonos na região.

De acordo com a família Tell em Zanuta, as autoridades israelenses confiscaram cerca de quatro mil acres de terras palestinas usadas como pasto para o gado e deram aprovação para quatro novos assentamentos na área. “Agora estamos cercados por quatro assentamentos. Estamos no meio. Isso aconteceu nos últimos dois meses”, diz Adel Tell. “Não podemos entrar em nossas terras, nem mesmo a pé. Pedimos à polícia [israelense] e à administração civil, mas eles apoiam os colonos. Temos documentos legais que comprovam a propriedade das terras, mas apesar disso, não nos permitem chegar às nossas pastagens e atacam os pastores com cães e armas. Eles estão aterrorizando todos os moradores daqui”, acrescenta.

Mariam Khdeirat é a mãe de Adel. “Tenho problemas com as minhas pernas”, diz ela. “Quando os colonos perseguem meus filhos, tudo que posso fazer é gritar, porque não consigo me mover e não consigo alcançá-los. Quando as crianças levam as ovelhas para pastar, eu fico aqui [na soleira da porta]. Eu fico de olho até eles voltarem. Quando vejo um carro, acredito que são os colonos vindo para atacá-los. Eu fico aqui na minha porta até que eles voltem”.

Estado de medo constante; MSF oferece apoio à saúde mental

“Temos vivido sob muita pressão nos últimos dois meses”, diz Adel. “Vivemos em um estado de medo constante. Todo mundo se sente estressado por si mesmo, por seus irmãos, seus filhos e amigos. Estamos sempre estressados, mesmo quando se está em casa, porque continuamos pensando nesses novos colonos que chegaram e que estão atacando os pastores e o gado. Todos estamos pensando nisso porque é uma novidade para nós e nunca sofremos esse tipo de pressão”, acrescenta. “Todos nós temos medo”.

MSF está fornecendo apoio psicológico para aqueles que necessitam. No vilarejo de Zanuta, MSF ofereceu apoio à saúde mental por meio de aconselhamento individual, atividades em grupo e aconselhamento para mulheres sobre autocuidado, controle do estresse, controle da raiva, sessões de conscientização sobre a COVID-19, conscientização sobre a violência ao seu redor e ensino de mecanismos de enfrentamento. MSF também realizou atividades de aconselhamento em grupo para crianças sobre controle do estresse, relaxamento, sessões de conscientização sobre a COVID-19 e conscientização sobre a violência.

Salah Daraghmeh é coordenador do projeto Hebron de MSF na Palestina. “Os moradores de Zanuta enfrentam muitos desafios em seu dia a dia por causa dos colonos, além das dificuldades diárias, como restrições de movimento e demolições de casas decorrentes da ocupação israelense”, diz ele. “Estamos oferecendo suporte de saúde mental aos residentes, mas não podemos resolver o problema da violência dos colonos contra a população palestina. Somente as autoridades israelenses podem fazer isso”.

 

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