Dezenas de milhares de pessoas deslocadas por conflitos necessitam de itens essenciais em Cabo Delgado, Moçambique

O supervisor logístico de MSF em Cabo Delgado, Agy Agy, descreve as necessidades de mais de 80 mil pessoas deslocadas devido à violência desde o início de junho.

Foto: Mariana Abdalla/MSF

Agy Agy, 28 anos, atua como supervisor logístico para Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Cabo Delgado, Moçambique. Ele explica o passo a passo para a preparação e a distribuição de kits de itens essenciais de ajuda em um contexto fluido, onde a violência recente e os rumores de ataques deslocaram mais de 80 mil[1] pessoas desde o início de junho. Até o momento, esta é a maior onda de deslocamentos ocorrida este ano na província do Norte do país, atingida por um conflito desde 2017.

“Estou encarregado de fazer distribuições de itens essenciais de ajuda em várias áreas de Cabo Delgado. Comecei a trabalhar com MSF no meu vilarejo natal, Mocímboa da Praia, mas fui obrigado a me mudar para o Sul da província quando o vilarejo foi fortemente atacado pela segunda vez, em 2020.

Nós distribuímos kits de emergência a pessoas que fugiram de suas casas com medo. Para podermos responder rapidamente e assegurar que a distribuição seja bem-sucedida, temos que estar sempre alerta. Gosto muito do meu trabalho. Fico muito contente quando sinto que estou ajudando o outro.

Mariana Abdalla/MSF

Quando ouvimos falar de um novo ataque, pensamos imediatamente: ‘Será que conhecemos pessoas naquela região?’ Normalmente falamos com os líderes comunitários dos vilarejos próximos, e eles nos dizem para onde as pessoas fugiram.

Também dedicamos algum tempo para explicar os princípios de MSF. Somos bem aceitos aqui, pois já trabalhamos em Cabo Delgado há algum tempo, e as pessoas já conhecem e confiam no nosso trabalho.

Uma vez compreendida a magnitude da situação, entramos em contato com o governo local para obter uma lista oficial das pessoas deslocadas e aquelas que precisam receber os kits. A partir daí, nossa equipe logística de MSF prepara os kits e os coloca em caminhões. Em um dos nossos armazéns, por exemplo, mantemos sempre dois mil kits preparados em caso de emergência.

Mariana Abdalla/MSF

Quando chegamos ao local onde as pessoas se encontram, distribuímos senhas às recentemente deslocadas para que possam recolher os kits no dia anterior à distribuição, que se baseia na lista oficial. Isto é crucial para que tudo corra sem problemas. Desenvolvemos um circuito com um ponto de entrada, um local onde distribuímos os kits e um ponto de saída.

Parte do meu papel no dia da distribuição é também andar por aí, falar com as pessoas e ver se há algum problema. É um pouco como uma mediação de conflitos. Por vezes, as famílias deslocadas chegam em zonas onde já existiam comunidades locais, e isso pode criar tensões.

As pessoas chegam sempre em condições muito ruins. Muitas chegam sem nada, nem sequer abrigo. Distribuímos itens como lonas, cobertores, potes e panelas, e escovas de dentes, por exemplo. Esses itens podem ser muito úteis. Para mim, isto é muito comovente porque passei pela mesma situação.

  • Agy agy, supervisor logístico de MSF em Cabo Delgado

Após o primeiro ataque a Mocímboa da Praia em 2017, a minha família decidiu ficar no vilarejo porque achávamos que a situação não era tão alarmante. Na noite do ataque em junho de 2020, eu estava dormindo sozinho numa casa, e de repente ouvi muitos tiros e homens gritando.

Nesse dia, passei 24 horas escondido e só bebia água. Logo consegui contatar alguns amigos, e saímos caminhando pelo mato. Caminhei por 43 quilômetros até a localidade de Awasse e consegui uma carona até Mueda, onde fiquei durante algum tempo.

Depois, com o passar do tempo, as coisas se acalmaram e consegui entrar em contato com a minha família. Hoje, estamos todos bem, mas eu sei o que é passar por isso. Por isso, ao ajudar outras pessoas deslocadas, me sinto muito feliz.

Mariana Abdalla/MSF
[1] OCHA - https://reliefweb.int/report/mozambique/mozambique-displacement-influx-cabo-delgado-and-nampula-provinces-situation-report-no-1-enpt

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