Crise de desnutrição negligenciada ameaça dezenas de milhares de crianças no noroeste da Nigéria

MSF já tratou mais de 50 mil crianças com desnutrição aguda desde janeiro na região.

Foto: George Osodi/MSF

Uma crise crescente de desnutrição, embora amplamente ignorada, está se desenvolvendo no noroeste da Nigéria, o que ameaça a vida de dezenas de milhares de crianças, alerta a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF). Desde janeiro, as equipes de MSF, trabalhando em parceria com autoridades de saúde nigerianas em cinco estados do noroeste, já trataram mais de 50 mil crianças com desnutrição aguda, incluindo 7 mil que precisaram de cuidados hospitalares. MSF teme que a situação em breve se torne insustentável sem um aumento da ajuda humanitária vital.

Foto: George Osodi/MSF

“Estamos nos preparando para tratar até 100 mil crianças com desnutrição este ano em nosso programa de nutrição apenas no estado de Katsina e também expandimos nossa resposta nos estados de Kebbi, Sokoto, Zamfara e Kano”, disse Michel-Olivier Lacharité, coordenador de operações de emergência de MSF. “A lacuna da fome começou, e o pico da transmissão da malária, que agravaria ainda mais a saúde e o estado nutricional das crianças, ainda está por vir.”

“Apesar dos nossos apelos nos últimos meses às organizações humanitárias e às autoridades para que ampliem as atividades médicas, não vimos a mobilização necessária para evitar uma crise nutricional devastadora”, disse Lacharité. “Reconhecer as necessidades agudas dessas crianças já deveria ter sido feito há muito tempo, e pedimos enfaticamente que o apoio para salvar vidas seja uma prioridade agora.”

Na área de Gummi, estado de Zamfara, as equipes de MSF realizaram uma triagem de mais de 36 mil crianças menores de cinco anos em junho, após um alerta nutricional. Os resultados foram alarmantes, pois mais da metade das crianças encontrava-se com desnutrição. Do total de crianças examinadas, quase uma em cada quatro estava gravemente desnutrida e necessitava de cuidados médicos urgentes. MSF, em cooperação com as autoridades, está lançando imediatamente uma resposta de emergência na área.

Em Katsina, as equipes tiveram que ampliar rapidamente sua capacidade de internação de 100 para quase 280 leitos nas últimas semanas, mas o influxo de crianças com desnutrição foi tão significativo que critérios restritivos de admissão tiveram que ser introduzidos para alguns dos centros de tratamento. Em Kebbi, onde MSF administra um hospital e duas instalações ambulatoriais, cerca de 1.500 crianças com desnutrição foram tratadas desde março.

Foto: George Osodi/MSF
Violência e deslocamento agravam a situação

Nesta região com insegurança alimentar crônica, a escalada dos níveis de violência levou muitas comunidades aos seus limites, incluindo cerca de 500 mil pessoas forçadas a fugir de suas casas¹. Nos últimos anos, grupos armados que são chamados localmente de “bandits” (bandidos, em inglês) intensificaram ataques, assassinatos, sequestros, saques e violência sexual.

Muitas pessoas não podem cultivar alimentos, o gado é roubado e os mercados e o comércio locais são prejudicados em meio ao aumento dos preços dos alimentos básicos – que permanecem acima da média de cinco anos na maioria dos mercados nigerianos² – em um contexto de saúde já frágil.

Região não foi incluída em plano de resposta da ONU

Se a assistência humanitária atual está muito atrasada no noroeste da Nigéria, isso ocorre em parte porque a Organização das Nações Unidas (ONU) não conseguiu incluir a região em seu plano de resposta humanitária para o país referente ao ano em andamento, que se concentra principalmente na situação crítica no Nordeste. Como resultado, muitas organizações estão lutando para seguir as avaliações e garantir financiamento para implementar o apoio vital no noroeste da Nigéria, apesar das necessidades agudas conhecidas.

“A situação das crianças com desnutrição no noroeste da Nigéria não pode continuar a ser negligenciada”, disse Froukje Pelsma, coordenadora-geral de MSF na Nigéria.

“Doadores e agências internacionais, incluindo o UNICEF e o Programa Alimentar Mundial, devem aumentar seu apoio às instalações de saúde para fornecer às comunidades acesso ao tratamento nutricional, em colaboração com as autoridades nigerianas, que também devem contribuir.”

Enquanto lutava contra a desnutrição em Zamfara desde 2015, MSF forneceu capacidade adicional nos estados de Katsina, Kebbi, Sokoto, Zamfara e Kano em 2021 e 2022. Hoje, MSF está administrando 25 serviços ambulatoriais e oito serviços de desnutrição hospitalar nos cinco estados, e as equipes de MSF trataram cerca de 31 mil crianças com desnutrição aguda grave em 2021. MSF também alertou recentemente sobre a situação em Maiduguri, estado de Borno, onde nosso centro de desnutrição intensivo está sobrecarregado com um alto número de pacientes: 2.199 crianças de janeiro a junho, representando um aumento de 50% em comparação com o mesmo período do ano passado.

 

¹ Matriz de Rastreamento de Deslocamento (Organização Internacional para as Migrações – OIM), dezembro de 2021.

² Rede dos Sistemas de Aviso Prévio contra a Fome (Fews Net) – Nigéria: atualização da mensagem-chave, maio de 2022.

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