Crianças vivem em situação de prisão no acampamento Al-Hol, na Síria

Profissionais de MSF descrevem o acampamento como uma prisão a céu aberto insegura e insalubre.

Foto: Florent Vergnes

Um novo relatório de Médicos Sem Fronteiras (MSF) revela a crueldade da detenção de longo prazo de mais de 50 mil pessoas, a maioria crianças, em Al-Hol, nordeste da Síria. As mortes de dois meninos enquanto aguardavam aprovação para atendimento médico de emergência são apenas dois dos muitos casos trágicos documentados em: “Entre dois incêndios: perigo e desespero no acampamento Al-Hol da Síria”.

Crianças não estão seguras

Em fevereiro de 2021, um menino de sete anos foi levado à clínica de MSF em Al-Hol com queimaduras de segundo grau em seu rosto e braços. Os cuidados médicos vitais não ficavam a mais a uma hora de carro, mas levou dois dias para sua transferência ser aprovada pelas autoridades do acampamento. Ele morreu a caminho do hospital sob escolta armada, separado de sua mãe, em agonia.

Apenas alguns meses depois, em maio do mesmo ano, um menino de cinco anos foi atropelado por um caminhão e foi levado para a mesma pequena clínica. A equipe de MSF recomendou que ele fosse encaminhado ao hospital para cirurgia de emergência. Apesar da urgência, demorou horas para que sua transferência fosse aprovada. Ele morreu a caminho do hospital, inconsciente e sozinho.

“Al-Hol é efetivamente uma enorme prisão ao ar livre, e a maioria são crianças, muitas das quais nasceram lá, perderam suas infâncias e foram condenadas a uma vida exposta à violência”.
– Martine Flokstra, coordenadora de operações de MSF na Síria.

No último ano, 79 crianças morreram no acampamento de detenção de Al-Hol, na Síria. Em 2021, 35% das pessoas que morreram no acampamento de Al-Hol eram crianças com menos de 16 anos.

“Vimos e ouvimos muitas histórias trágicas no acampamento de detenção de Al-Hol, na Síria, incluindo crianças que morreram como resultado de atrasos prolongados no acesso a cuidados médicos urgentes e crianças supostamente tiradas à força de suas mães quando atingiram cerca de 11 anos de idade, para nunca mais serem vistas”, disse Martine Flokstra, coordenadora de operações de MSF na Síria.

“Para as crianças e seus cuidadores em Al-Hol, se eles podem acessar cuidados médicos, muitas vezes isto é uma provação terrível. As crianças que necessitam de tratamento no hospital principal a cerca de uma hora de carro do acampamento são escoltadas sob guarda armada e, na maioria dos casos, sem seus responsáveis, pois raramente recebem aprovação para ir com seus filhos”, afirma.

Coalizão Global deve identificar soluções

O acampamento foi projetado para fornecer acomodações seguras e temporárias e serviços humanitários para civis deslocados pelo conflito na Síria e no Iraque. No entanto, a natureza e o propósito do Al-Hol se desviaram há muito tempo e se tornaram cada vez mais uma prisão a céu aberto insegura e insalubre depois que as pessoas dos territórios controlados pelo grupo Estado Islâmico foram transferidas para lá, em dezembro de 2018.

“Membros da Coalizão Global contra o grupo Estado Islâmico, bem como outros países cujos conterrâneos permanecem detidos em Al-Hol e outros centros de detenção e acampamentos no nordeste da Síria, falharam com seus cidadãos”, disse Martine.

“Eles devem assumir a responsabilidade e identificar soluções alternativas para as pessoas detidas no acampamento, em vez disso, atrasaram ou simplesmente se recusaram a repatriar seus cidadãos, em alguns casos, chegando ao ponto de retirar sua cidadania, tornando-os apátridas”, disse ela.

Estima-se que cerca de 60 países têm cidadãos em Al-Hol e outros acampamentos de detenção relacionados na Síria, incluindo Reino Unido, Austrália, China, Espanha, França, Suíça, Tajiquistão, Turquia, Suécia e Malásia. Após alguns retornos e repatriamentos, a população total do acampamento agora é de cerca de 53 mil pessoas, dos quais cerca de 11 mil são estrangeiros.

“Apesar das condições violentas e inseguras em Al-Hol, e mais de três anos depois que mais de 50 mil pessoas foram transferidas para lá, não há progresso suficiente para fechar o acampamento”, disse Martine.

“Ainda não há alternativas de longo prazo para acabar com essa detenção arbitrária e indefinida. Quanto mais tempo as pessoas são mantidas em Al-Hol, pior fica deixando uma nova geração vulnerável à exploração e sem qualquer perspectiva de uma infância livre de violência”, afirma.

5 coisas para saber sobre o acampamento Al-Hol, no nordeste da Síria:

● Em 2021, 35% das pessoas que morreram no acampamento de Al-Hol eram crianças com menos de 16 anos. Isso inclui crianças que morreram após serem atingidas por caminhões-pipa, caírem em poças de água suja e mortas por violência.

● Um total de 64% da população de Al-Hol são crianças, enquanto 50% da população do acampamento têm menos de 12 anos de idade.

A principal causa de mortalidade em Al-Hol foi a morte relacionada a crime, que representou 38% de todas as mortes no acampamento. Além dessas 85 mortes relacionadas a crime, 30 tentativas de assassinato também foram relatadas no acampamento.

● Estima-se que cerca de 60 países têm cidadãos em Al-Hol e outros acampamentos de detenção relacionados na Síria. Após alguns retornos e repatriamentos, a população total do acampamento agora é de cerca de 53 mil pessoas, dos quais cerca de 11 mil são estrangeiros, alojados em uma parte da chamada de acampamento “Anexo”.

● Desde outubro de 2020, das cerca de 53 mil pessoas detidas, mais de 1.300 famílias sírias deixaram o acampamento Al-Hol para suas áreas de origem, mas as listas de espera são longas e o processo para obter permissão para sair não é transparente. Enquanto em agosto de 2022, aproximadamente três mil iraquianos foram repatriados de volta ao Iraque.

 

Após 11 anos de guerra, um recorde de 14,6 milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária na Síria. O país possui o maior número de deslocados internos do mundo, com 6,9 milhões de pessoas nessa situação, a maioria mulheres e crianças. Muitas foram deslocadas repetidamente e vivem em condições precárias.

MSF atua na Síria onde podemos, mas as restrições contínuas de insegurança e acesso continuam a limitar severamente nossa capacidade de fornecer assistência humanitária que corresponda à escala das necessidades. Nossos recorrentes pedidos de permissão para operar em áreas controladas pelo governo sírio não foram concedidos.

Em áreas onde o acesso pode ser negociado, como o noroeste e nordeste da Síria, administramos e apoiamos hospitais e centros de saúde e fornecemos cuidados de saúde por meio de clínicas móveis.

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