Coordenador de MSF no Sudão relata “situação catastrófica” em hospital que atende feridos

Chefe de operações em Darfur do Norte fala da situação vivida em meio à guerra no hospital apoiado por Médicos Sem Fronteiras

Atualmente, há confrontos intensos em El Fasher. Ainda podemos ouvir disparos no prédio onde estamos. Está muito inseguro por causa dos tiros e bombardeios e houve um grande número de vítimas civis.

No hospital que apoiamos, recebemos 279 pacientes feridos desde que os conflitos começaram no sábado, 15 de abril. Tragicamente, 44 deles morreram. A situação é catastrófica. A maioria dos feridos é de civis que foram atingidos por balas perdidas, e muitos deles são crianças. Eles têm fraturas causadas por balas ou apresentam ferimentos a bala, estilhaços nas pernas, no abdômen ou no peito.

Muitos precisam de transfusões de sangue. Há tantos pacientes que eles estão sendo atendidos no chão dos corredores porque simplesmente não há leitos suficientes para acomodar o grande número de feridos.

Até o final de semana passado, o Hospital Sul, onde trabalhamos, não possuía capacidade cirúrgica. O local era uma maternidade que começamos a apoiar em 2022, a fim de ajudar a reduzir as altas taxas de mortalidade materna na região. No entanto, desde que os conflitos começaram, tivemos que redirecionar o hospital para possibilitar o tratamento dos feridos.

Todos os outros hospitais da cidade tiveram que fechar devido à proximidade com os confrontos ou porque os profissionais não estavam conseguindo chegar até os locais de trabalho por conta da intensidade dos conflitos. Cirurgiões desses hospitais que estão fechados conseguiram chegar ao Hospital Sul e realizar uma série de cirurgias. No entanto, eles estão ficando sem suprimentos rapidamente.

Conseguimos chegar ao hospital para reabastecê-lo na terça-feira, 19 de abril, quando houve uma pausa nos confrontos, mas se não conseguirmos mais suprimentos para Darfur e se continuarmos a receber um número tão alto de feridos, só haverá suprimentos médicos suficientes para mais três semanas.

Atualmente, no Sudão, nada pode ser transportado. Os aeroportos em todo o país foram fechados após o início dos confrontos e há conflitos nas ruas, por isso não podemos obter mais suprimentos para o Darfur do Norte ou para dentro do país. O Chade fechou suas fronteiras. Então, se a situação não mudar e o acesso humanitário não for concedido, haverá uma perda de vidas ainda maior.

Do jeito que as coisas estão, os dois centros cirúrgicos que foram estruturados não vão poder lidar com o fluxo ininterrupto de vítimas de trauma e pacientes com questões obstétricas de emergência. Na maternidade, há atualmente duas mulheres em cada leito.

Anteriormente, um hospital vizinho realizava todas as cesarianas de emergência – geralmente em torno de três a cinco por dia – e mais de 30 partos normais em um período de 24 horas. Agora, tudo isso está ocorrendo no Hospital Sul, ao mesmo tempo em que os cirurgiões de trauma estão trabalhando.

Acabamos de saber que o Hospital Pediátrico para onde costumávamos encaminhar recém-nascidos foi completamente saqueado, o que significa que agora não temos para onde encaminhar recém-nascidos que apresentam sepse ou aqueles que nascem prematuros. Não há incubadoras no Hospital Sul, o que tornará difícil manter essas crianças vivas.

A equipe atual está sobrecarregada. Os profissionais têm trabalhado 24 horas por dia. Estamos avaliando alternativas para trazer suprimentos e cirurgiões de trauma experientes para o país para fornecer apoio quando a situação permitir, mas – como é o caso com o fluxo de suprimentos médicos, interrompido – atualmente, isso não é possível.

É fundamental que possamos ter acesso a todas as unidades de saúde em todo o país. Neste momento, é isso que salvará a vida das pessoas. As instalações de saúde estão ficando sem suprimentos e os profissionais não conseguem trabalhar.

Trabalhadores de saúde, humanitários e de resgate ficaram encurralados pelos confrontos. Como resultado, as pessoas estão morrendo. A garantia de acesso aos locais onde a ajuda é necessária é que vai mudar isso. Isso e o compromisso das partes em conflito de que pouparão a vida de civis.

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