Conheça as histórias de refugiados ameaçados de despejo na Grécia

Cerca de 11.000 migrantes estão sendo forçados a sair de onde vivem em Atenas

Conheça as histórias de refugiados ameaçados de despejo na Grécia

Enquanto milhares de pessoas permanecem presas nas ilhas gregas, uma injustiça silenciosa está acontecendo no continente. Depois de fugir da guerra e da violência em países como Síria, Iraque e Afeganistão, muitos migrantes agora estão sendo ameaçados de viver nas ruas em condições precárias.

Uma emenda à lei de asilo determina que os refugiados reconhecidos pelas autoridades têm apenas 30 dias para se integrar à sociedade, sem assistência ou apoio financeiro. Cerca de 11 mil refugiados estão sendo despejados pelas autoridades gregas.

Tudo em meio a uma pandemia

Muitos deles são nossos pacientes. Aqui estão algumas de suas histórias:

Ismail

Ismail é sírio, tem 53 anos de idade e sofre de doenças cardiovasculares. Mora em Atenas com sua esposa, que sofre de diabetes, e seus dois filhos. Eles estão ameaçados de despejo. Sem ter para onde ir, serão forçados a viver nas ruas.

Luai Tayeh, médica de MSF em Atenas, relata que a situação é profundamente preocupante. “O estresse que a vida na rua causa aos meus pacientes é inimigo do coração e o melhor amigo das doenças cardiovasculares. Ismail fez uma cirurgia de stent em 2015 para aumentar o fluxo sanguíneo. Ele e a esposa têm histórico de problemas cardiovasculares. A perspectiva de ficarem sem-teto é extremamente estressante e perturbadora e, com certeza, aumentará a possibilidade de piora de sua condição”.

“Saímos de nossa casa nos subúrbios de Damasco quando ela foi bombardeada em um ataque aéreo em 2015, quando as consequências da guerra se tornaram insuportáveis. Era sair e tentar encontrar um lugar seguro onde meus filhos pudessem sobreviver e obter educação e onde pudéssemos ter acesso a cuidados de saúde para nossas doenças. Ou era ficar na Síria para morrer”, conta Ismail.

A família caminhou pelas montanhas dia e noite por uma semana até chegar à Turquia. Foi lá onde sua esposa sofreu um derrame e ficou internada por quatro meses. Ismail gastou as últimas economias da família para mantê-la viva.

Quando receberam o status de asilo, a família foi orientada a se mudar e se inscrever no Helios – um serviço da Organização Internacional para as Migrações (OIM) que ajuda temporariamente refugiados vulneráveis a se integrarem à sociedade grega. Porém, na realidade, o processo é tão complicado que a maioria das pessoas acaba na rua.

Além de demandarem muitos documentos complexos para a inscrição, espera-se que os refugiados encontrem sozinhos um lugar para ficar, sem saber o idioma. A estigmatização que enfrentam como refugiados também dificulta ao tentarem alugar um espaço.

“Mal temos dinheiro para colocar comida na mesa. Às vezes, vou ao mercado recolher as sobras e pegar garrafas de plástico para vender. Se eu juntar 35 peças, eles me dão 1 euro. Estamos aqui há três anos e nossas vidas estão destruídas, não há futuro.”

Somma Sediqi

Soma Sediqi e seu marido são de Cabul. Eles têm dois filhos. “A vida no Afeganistão era impossível e todos os dias havia violência e bombardeios. Não havia futuro para nossa família e nenhum tratamento médico para mim. Quando você sai dessa situação, você chega a um ponto em que não consegue mais voltar. Conheci pessoas que disseram que preferiam morrer a voltar e eu nunca vou querer voltar. O medo de explosões e bombas não pode ser comparado a nada. Chegamos a Lesbos em junho de 2018 e o acampamento de Moria era horrível, assustador. Eu estava com medo o tempo todo. Cada dia era uma experiência traumática.”

A família ficou em um contêiner com outras 20 pessoas por cinco meses antes de ser transferida para Atenas. Mas depois de receberem o status de refugiados, eles foram orientados a deixar suas acomodações.

“Nós não esperávamos isso. Eles nos surpreenderam. Um dia, vimos outra pessoa em nosso quarto que nos disse ‘transferimos todas as suas coisas para a entrada do hotel’. Meu filho tem uma condição médica grave que afeta o desenvolvimento normal do rim. Meu marido nasceu com poliomielite, que resultou na paralisia completa de sua perna esquerda.”

Apesar do despejo, o casal conseguiu se inscrever no programa Helios e se mudou para um apartamento em Atenas. No entanto, o programa dura apenas seis meses e, em breve, a família pode voltar às ruas.

“Pedimos dinheiro emprestado a todos que conhecemos. Tínhamos de dar adiantados um total de 700 euros (cerca de R$ 4,4 mil). O aluguel é de 246 euros (em torno de R$ 1,6 mil), enquanto temos 396 (em torno de 2,5 mil) por mês. Quase sempre a geladeira está desligada, a luz está apagada, tentamos não usar eletricidade. E logo teremos que deixar esse lugar também. Estou muito grata por muitas coisas e conheci muitas pessoas excelentes na Grécia. Existem coisas que funcionam bem nesse sistema. Mas o governo deve nos ver como pessoas e não como números.”

Hazem

Hazem tem 60 anos de idade e mora na Grécia desde 2017 com a esposa e três filhos. A família fugiu do Iraque depois de ser perseguida por suas crenças religiosas.

“Sinto dores devido a feridas de guerra no braço e na perna do lado direito, que estão paralisados. Eu também sofro de hepatite C e tenho hipertensão. Por isso, pouco depois de chegarmos à ilha de Chios, em setembro de 2017, fomos transferidos para Atenas.”

Em junho de 2018, a família recebeu o status de refugiada. Como refugiados reconhecidos, eles perderam seu auxílio em dinheiro e foram instruídos a deixar suas casas.

“Eles bateram na porta e nos disseram que tínhamos que ir embora. Para onde? Eu tenho uma autorização de residência agora na Grécia, mas nada mais. Sou deficiente e não consigo trabalhar. Eu não falo a língua local. Não quero sair de casa, só quero ser tratado.

Recusei-me a assinar o papel de despejo. Eu não sei mais o que está acontecendo. Meu remédio é muito caro. Então, quais são minhas opções? Não posso nem sair da Grécia. Se eu for para outro país, eles vão me mandar de volta para cá.

Não temos opções aqui. Eles estão nos ameaçando com viver na rua, sem assistência e sem levar em consideração o meu estado de saúde. Quero perguntar à União Europeia e ao governo grego: como vamos sobreviver? Viemos aqui para encontrar um lugar seguro, mas agora estamos sendo despejados. Não tenho mais ideia do que vai acontecer conosco.”

Aboo Abdul

Aboo Abdul é sírio, tem 45 anos de idade e sofre de diabetes. Devido à guerra e ao seu estado de saúde, decidiu se mudar com a família para a Grécia. Eles chegaram em 2018 e receberam o status de refugiados em outubro de 2019.

“Deixei a Síria com minha esposa e nossos 11 filhos depois que nossa casa foi destruída por bombas. Fui ferido do lado esquerdo do corpo e dois de meus filhos também ficaram gravemente feridos – um de meus filhos foi atingido por estilhaços na nuca, enquanto outro filho perdeu o braço. Também perdemos nossa filha na explosão.

Logo percebemos que nossos sonhos de que a Europa fosse um porto seguro estavam errados. Não quero ficar na Grécia, sei que é um país pobre e tem seus próprios problemas. Mas não posso sair, estou aqui há mais de dois anos. Como refugiados reconhecidos, agora eles ameaçam nos chutar para as ruas. Eu sei que será impossível alugar uma casa e não podemos pagar de qualquer maneira. Não temos nem dinheiro para viver.

Todos os meus filhos falam grego e vão à escola, o que é bom, mas não temos dinheiro para comprar comida. Quanto tempo eles podem ficar na escola se não tivermos o que comer. Vamos ao mercado todos os sábados para pegar a comida que foi jogada fora.

Quando nos disseram que temos que sair de casa, disse-lhes que me mandassem de volta para a Síria, porque talvez seja melhor estar em uma zona de guerra do que nas ruas. Claro que não quero voltar para a Síria, não é seguro, mas se estivermos morrendo de fome, que escolha teremos?”

Dalal

Dalal é de Aleppo, na Síria. Ela deixou o país com sua família depois que a casa de seus vizinhos foi bombardeada, e eles perceberam que morreriam se ficassem. Depois de uma longa e perigosa jornada pela Turquia até a ilha grega de Lesbos, a família foi transferida para uma acomodação em Atenas, por causa de um grave problema de saúde da mãe de Dalal.

Em 2 de junho de 2020, após várias ameaças de despejo, Dalal levou sua mãe, Hadla, uma paciente de MSF que sofria de diabetes e doenças cardiovasculares, para o acampamento Schisto nos arredores de Atenas, onde ela sofreu uma parada cardíaca e morreu.

“Em 29 de maio, fomos informados de que deveríamos sair do apartamento. Dois dias depois, eles vieram buscar a chave e nos disseram para irmos embora. Eu disse a eles que minha mãe estava muito doente, mostrei o prontuário médico, mas eles nos disseram que a decisão tinha vindo do ministério.

Naquela época, minha mãe estava muito mal, não ficava de pé, tinha que usar cadeira de rodas e não podia ir sozinha ao banheiro. Decidimos levá-la para o campo de refugiados de Schisto, onde meu irmão estava hospedado em um contêiner. Eu a levei para o acampamento para ficar com meu irmão, mas quando chegamos lá, minha mãe piorou muito. Naquela noite ela estava vomitando e não conseguia falar. No dia seguinte, teve uma parada cardíaca e faleceu no contêiner.”

“Mandar pessoas vulneráveis para a rua é desumano e insustentável. Em meio a uma pandemia, os governos deveriam proteger as pessoas com alto risco de contrair COVID-19”, alerta Marine Berthet, coordenadora médica de MSF na Grécia.

 

MSF pede urgentemente ao governo grego que pare com os despejos de refugiados, deixando-os mais vulneráveis e expostos. Em vez disso, o governo deve se concentrar em diminuir as barreiras sociais e administrativas à integração, incluindo benefícios de bem-estar e saúde.

MSF oferece uma ampla gama de serviços de saúde em Atenas e nas ilhas de Lesbos e Samos, no mar Egeu, incluindo atenção primária, tratamento de doenças não transmissíveis, cuidados de saúde sexual e reprodutiva, fisioterapia, atendimento psicológico clínico individual e em grupo, atendimento psiquiátrico e apoio social a milhares de solicitantes de asilo. Até o momento, MSF continua testemunhando as consequências das políticas de contenção e dissuasão da União Europeia sobre a saúde e o bem-estar das pessoas na Grécia.

 

 

 

 

 

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