Conflito tem impacto prolongado no acesso à saúde no norte de Moçambique

Sete anos após o início dos conflitos em Cabo Delgado, as necessidades humanitárias e de saúde das pessoas continuam significativas, e MSF trabalha em áreas de difícil acesso

Atendimento no centro médico de Palma, no norte de Moçambique, apoiado por Médicos Sem Fronteiras desde 2021. Palma, novembro de 2024. ©Costantino Monteiro/MSF

Desde que o conflito começou em Cabo Delgado, em 2017, mais de 1 milhão de pessoas foram forçadas a fugir das suas casas. Isso equivale a quase metade da população da província, localizada no norte de Moçambique. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), ainda há 576 mil pessoas deslocadas, enquanto outras 630 mil retornaram a áreas que foram afetadas pelo conflito nos últimos três anos, principalmente nos distritos de Mocímboa da Praia e Palma.

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As pessoas ainda sentem o impacto de seu deslocamento inicial, mesmo após anos

“Nunca esquecerei daquele dia”, compartilha Omar Issa, lembrando-se do momento em que sua cidade natal, Palma, foi atacada, em abril de 2021. Ele e sua esposa deixaram tudo para trás e partiram para Pemba, a capital da província, caminhando vários dias pela mata. Durante a correria, Omar se separou dos filhos, que não estavam em casa no momento do ataque. Semanas depois, ele soube que haviam chegado em segurança ao distrito de Montepuez.

A família ficou separada por meses. Eles só se reencontraram em 2022, depois que as forças de segurança retomaram o controle de Palma e todos puderam retornar, sob orientação das autoridades.

Omar Issa, paciente de MSF, precisou deixar sua casa às pressas para sobreviver. Novembro de 2024. Palma, novembro de 2024. ©Costantino Monteiro/MSF

“Não me sinto confortável, não me sinto seguro”, relata Omar em uma clínica apoiada por Médicos Sem Fronteiras (MSF). “As memórias aterrorizantes da violência ainda me assombram.”

Como Omar, muitas pessoas na região lutam para superar os impactos diretos e indiretos da insegurança.

Impacto do conflito no fornecimento de assistência médica

Embora o conflito tenha diminuído em 2023, alguns ataques ao longo de 2024 geraram preocupações. Em particular, um ataque no distrito de Macomia, em maio, forçou MSF a suspender nosso trabalho.  Nossas clínicas móveis e atividades realizadas nas comunidades em outras áreas da província, como Palma, Mocímboa da Praia e Mueda, também foram suspensas nos meses seguintes e só agora estão sendo retomadas gradualmente.

Dentro e ao redor dessas cidades, muitas unidades de saúde permanecem sem funcionar, seja porque foram danificadas durante os ataques ou por causa da falta de financiamento. As instalações também carecem de profissionais de saúde, pois as pessoas não se sentem seguras o suficiente para realizar seu trabalho.

Continuamos a pedir às partes em conflito que respeitem e protejam os profissionais médicos e as instalações de saúde.”

– Nathalie Gielen, representante de MSF em Moçambique

Sem muitas outras opções de cuidados, a interrupção temporária das atividades de MSF realizadas nas comunidades afetou fortemente os moradores, principalmente pacientes com condições crônicas de saúde e necessidades de emergência, como mulheres com gestações complicadas.

“O acesso às pessoas com maior necessidade de assistência médica nas áreas mais difíceis de alcançar de Cabo Delgado deve ser concedido às organizações humanitárias”, apela Nathalie Gielen, representante de MSF em Moçambique.

“Continuamos a pedir às partes em conflito que respeitem e protejam os profissionais médicos e as instalações de saúde para que possamos sustentar e expandir nossas atividades. Queremos fornecer serviços que salvam vidas a comunidades em situação de vulnerabilidade durante esta crise prolongada”, conclui.

Alguns pacientes têm dificuldade de acessar os cuidados de saúde devido às falhas nas redes de comunicação e às más condições das estradas. Algumas pacientes mães que chegam com seus filhos doentes no centro de saúde apoiado por MSF em Nanduadua, na cidade de Mocímboa da Praia, precisam pegar até quatro tipos diferentes de transporte para chegar à instalação.

Estação chuvosa exacerba necessidades humanitárias

Além dos desafios sempre presentes no acesso aos cuidados de saúde, Cabo Delgado enfrenta outra estação chuvosa, que pode durar até abril. O período traz a probabilidade de ocorrência de ciclones, que já atingiram Moçambique várias vezes nos últimos anos, em um país muito vulnerável à crise climática.

Nas unidades de saúde apoiadas por nossas equipes, já observamos um alto número de pacientes com malária, uma doença fatal transmitida por mosquitos. Ela é especialmente perigosa para crianças e gestantes, mas é relativamente fácil de ser curada quando detectada e tratada em um estágio inicial. Entre janeiro e setembro, MSF tratou mais de 82 mil casos de malária em Cabo Delgado.

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“Muitas crianças estão chegando com malária avançada, devido às longas distâncias [para chegar às unidades de saúde]”, explica Selma Felix, técnica em medicina de MSF. “Das crianças atendidas no centro de saúde de Nanduadua, 50% [apresentaram testes] positivos para a doença.”

Selma Felix, técnica em medicina de MSF, alerta para a alta incidência de malária entre as crianças na região. Mocímboa da Praia, novembro de 2024. © Marília Gurgel / MSF 

Como parte de nossa resposta de emergência, também nos preparamos para possíveis surtos de cólera, uma doença transmitida pela água que é endêmica na região, e para uma alta de casos de sarampo.

“O acesso limitado a água potável e saneamento adequado exacerba esses desafios de saúde, criando um ambiente propício à disseminação de doenças”, alerta Benjamim Janeiro Mwangombe, coordenador médico de MSF em Moçambique.

Trabalho comunitário e apoio às unidades de saúde

MSF realiza atividades médicas e humanitárias em Cabo Delgado desde 2019 para ajudar as pessoas impactadas pelo conflito, por meio de serviços comunitários e apoiando centros de saúde e hospitais. Atualmente, estamos fornecendo apoio de saúde mental, melhorando os sistemas de água e saneamento, oferecendo consultas de saúde sexual e reprodutiva e auxiliando pessoas que vivem com HIV e tuberculose, entre outras atividades.

Em áreas remotas, MSF apoia os agentes de saúde do Ministério da Saúde e trabalha com promotores de saúde. Eles atuam como uma ponte entre as comunidades e os profissionais médicos. Isso se mostrou essencial para garantir que a assistência médica chegue àqueles que mais precisam, mesmo em regiões instáveis.

Perdemos contato com vários pacientes que lutavam contra a depressão.”

– Azvinei Juliasse, supervisor de saúde mental de MSF

Indrissie Imbrahim, promotor de saúde de MSF, destaca que, apesar dos desafios, que são muitos, quase 5 mil pacientes com necessidade de cuidados especializados foram encaminhados por equipes de MSF para estruturas médicas em Cabo Delgado de janeiro a setembro deste ano.

No entanto, algumas das necessidades mais agudas das pessoas não são visíveis. Após os ataques em Macomia e a suspensão temporária de nossas atividades realizadas nas comunidades, Azvinei Juliasse, supervisor de saúde mental de MSF, ficou preocupado.

“Perdemos contato com vários pacientes que lutavam contra a depressão e, em muitos casos, não viam mais propósito em suas vidas”, conta. “Tememos que, sem apoio contínuo, possam cair em estados depressivos”, acrescenta, destacando um dos desafios constantes que as pessoas enfrentam em Cabo Delgado: a interrupção dos seus cuidados de saúde.

 

 

 

 

 

 

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