Combatendo o Ebola entre as fronteiras dos países

Esforços estão concentrados no monitoramento da movimentação entre as fronteiras de Guiné e Serra Leoa para conter a propagação do vírus

guine-msb12046-martin-zinggl

Esse surto de Ebola tem se caracterizado por sua vasta disseminação geográfica, incluindo a propagação entre as fronteiras dos países. A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) está trabalhando ao longo da fronteira porosa entre Guiné e Serra Leoa para melhorar a cooperação transfronteiriça na região.

Muitas pessoas em Kambia, no noroeste de Serra Leoa, levam uma vida de vai e vem na fronteira com o país vizinho, a Guiné. Muitas vezes, as famílias estão divididas em ambos os lados da fronteira, e, regularmente, as pessoas fazem suas compras em mercados em Forecariah, no lado da Guiné.

“Para a população local, a fronteira mal existe”, diz Els Adams, enfermeira ambultatorial de MSF em Kambia. “Há, pelo menos, 34 pontos de cruzamento diferentes, e, provavelmente, há mais. As pessoas se identificam mais com a região do que com o país.”

Apesar dessa alta mobilidade na região fronteiriça, muitas vezes, as equipes de vigilância e rastreamento de pessoas que tiveram contato com o Ebola só puderam trabalhar até o ponto de encontro das fronteiras dos países, com pouca cooperação regional.

“Inicialmente, estava muito claro que os países se concentraram na luta contra o Ebola apenas até as suas fronteiras. Houve pouca troca de informações e acompanhamento de pessoas que tiveram contato com o vírus além da fronteira. Houve baixa conscientização de que as pessoas poderiam ter sido infectadas, inicialmente, do outro lado, ou de que pudessem ter contatos lá”, diz Els Adams.

MSF tem buscado melhorar a colaboração transfronteiriça na região. Em Kambia, a organização acabou de finalizar um projeto com foco na investigação de casos de pacientes de Ebola, particularmente aqueles mais propícios a cruzar a fronteira.

A equipe distribuiu kits de higiene a pessoas que tiveram contato com pacientes de Ebola, visitando-as todos os dias para monitorá-las e ter mais conhecimento sobre a movimentação entre as fronteiras.

A equipe de Kambia colaborou com parceiros de MSF e outras organizações em Forecariah, no lado guineano da fronteira, para permitir o acompanhamento transfronteiriço. Durante os dois meses em que MSF trabalhou em Kambia, houve 29 casos confirmados de Ebola, sete deles tendo uma ligação clara com a Guiné, e mais outros que tiveram uma ligação indireta.

“Recentemente, por exemplo, nós tivemos um caso de Ebola em Serra Leoa que havia visitado um vilarejo na Guiné onde duas pessoas morreram de causas desconhecidas. Então, discutimos o ocorrido com nossos colegas de MSF do outro lado, que enviaram uma equipe àquele vilarejo para verificar o caso”, diz Els Adams.

Na Guiné, no subdistrito de Farmoriah e Benty, as equipes trabalham com comunidades locais que cruzam a fronteira todos os dias. Nessa região, MSF realiza atividades de promoção de saúde, apoia instalações de saúde e estrutura equipes que promovem atividades de sensibilização da comunidade. Essas equipes respondem a alertas, buscam pacientes e os trazem ao centro de Ebola da Cruz Vermelha Francesa em Forecariah.

“Ainda há uma falta de conhecimento significativa sobre o Ebola nessa região, apesar do trabalho que tem sido feito há um ano na Guiné. Em algumas áreas, por exemplo, comunidades estão com medo de carros brancos (vistos como um símbolo de organizações de ajuda). Na medida em que os carros passam pelos vilarejos levantando poeira, algumas pessoas têm medo, erroneamente, de que a poeira espalhe o Ebola. Esse é apenas um rumor entre outros. Ainda há muito trabalho a ser feito para melhorar o entendimento da doença nessas regiões, evitar a propagação do Ebola e reduzir a estigmatização”, diz Florence Denneulin, coordenadora do projeto em Farmoriah.

Todos os dias, equipes de MSF vêm muita movimentação e enfrentam situações complicadas: “As pessoas se movimentam muito entre os dois países para trocas comerciais. Um dia, nós fomos contatados por um alerta de um suposto caso, uma mulher no lado guineano. Seu marido foi à Serra Leoa para lidar com comércio e, infelizmente, a mulher se recusou a ir ao centro de trânsito sem a permissão do marido. Então, a equipe teve de esperar dois dias até que o marido voltasse para dar permissão”, conta Florence Denneulin.

A enfermeira ambulatorial Els Adams diz que parte fundamental da resposta ao surto do vírus tem sido a conscientização sobre a importância das questões relacionadas com o cruzamento das fronteiras com outras organizações. MSF tem trabalhado para estabelecer conexões com outras organizações, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), para ajudar a garantir que as informações estejam sendo trocadas entre diferentes grupos e entre as fronteiras dos países. MSF também pressionou para ter um componente transfronteiriço introduzido no treinamento de oficiais de vigilância do distrito, e nos métodos rotineiros usados para o rastreamento de pessoas que tiveram contato com Ebola.

Recentemente, os governos de Guiné e Serra Leoa deram um passo significativo rumo a uma melhor cooperação regional com a assinatura de um Memorando de Entendimento entre os dois países. Felizmente, questões transfronteiriças agora são uma parte muito mais integral da investigação dos casos.

O projeto de MSF em Kambia foi encerrado na medida em que outras organizações parceiras estão respondendo aos desafios regionais na área.  

“Partir é sempre difícil, mas foi posto em prática um sistema que irá abordar o contexto entre as fronteiras e, esperamos, ajudará a, finalmente, dar um fim a essa epidemia”, diz Els Adams.

Compartilhar