Carta aberta: refugiados e comunidades anfitriãs da Tanzânia são muito vulneráveis à COVID-19

A propagação do novo coronavírus no país pode ser devastadora

Carta aberta: refugiados e comunidades anfitriãs da Tanzânia são muito vulneráveis à COVID-19

Sou o representante de Médicos Sem Fronteiras (MSF) na Tanzânia. Nossas equipes mantêm um hospital de 150 leitos e quatro centros de saúde no campo de refugiados de Nduta, perto da fronteira com o Burundi. Nduta é o lar de mais de 73 mil refugiados burundineses, que fugiram de suas casas devido à violência e instabilidade em 2015.

No campo de Nduta, nossa equipe de 800 funcionários e voluntários trabalha 24 horas por dia, tratando diariamente milhares de refugiados e a comunidade anfitriã, afetados por malária, infecções respiratórias agudas e diarreia, bem como aqueles com doenças crônicas pré-existentes e outros problemas de saúde significativos.

Como a única provedora de cuidados de saúde em Nduta, a principal preocupação de MSF desde o mês passado tem sido a vulnerabilidade dessas pessoas a um surto de COVID-19; a rapidez com que ele se espalharia no campo; e o quão fatal poderia ser para nossos pacientes com comorbidades, como HIV, doença falciforme e tuberculose.

Se não for controlada rapidamente, a disseminação da COVID-19 em Nduta poderá crescer exponencialmente em questão de semanas e levar a um número alarmante de mortes. Isso se deve em parte às condições de vida, uma vez que as pessoas ficam em abrigos precários, com acesso limitado a serviços que a maioria de nós considera padrão, como água e saneamento.

O luxo do autoisolamento e do distanciamento social adotado por algumas sociedades simplesmente não é viável em Nduta, onde mais de cinco membros de uma família dividem um quarto pequeno. Cenários assim tornam quase impossível a adoção das medidas de higiene. Em janeiro deste ano, nossas equipes médicas registraram um aumento crescente do número de pacientes com diarreia aquosa e infecções respiratórias, e atualmente temos quatro tendas médicas completamente ocupadas.

Um surto de COVID-19 nesse contexto pode levar a um número sem precedentes de pacientes com infecções graves, o que colocaria ainda mais pressão sobre o hospital de MSF e o sistema-geral de saúde no campo. Com a limitação dos cuidados hospitalares na região, as poucas instalações de isolamento disponíveis e uma escassez global de equipamentos de proteção individual, um surto em Nduta tornará excepcionalmente difícil uma resposta eficaz à COVID-19.  

Os refugiados burundineses na Tanzânia são o grupo de refugiados mais subfinanciado do mundo, de acordo com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), enquanto a região de Kigoma, onde está Nduta, é uma das regiões mais pobres da Tanzânia. Consequentemente, os refugiados e a comunidade anfitriã são especialmente vulneráveis a um surto. Simplificando, se um surto de COVID-19 acontecer aqui, sua propagação pode ser impossível de ser contida.

As equipes de MSF em Nduta estão implementando medidas de preparação para emergência sob vários cenários, mas, com a escassez de suprimentos e equipe, não há muito que se possa fazer. Portanto, estamos fazendo um apelo à comunidade internacional para que garanta o apoio à resposta à COVID-19 aqui na Tanzânia, a fim de proteger os refugiados vulneráveis e a comunidade anfitriã. É urgentemente necessário que se amplie a capacidade de isolamento e tratamento, além de reforçar os testes em Kigoma. Esse grupo negligenciado de pessoas, que foi esquecido pelo mundo, precisa da nossa ajuda agora, antes que seja tarde demais.

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