Capacitar os pacientes para alcançar um Malauí livre do HIV

Um novo modelo de assistência busca alcançar mais pessoas na comunidade

Capacitar os pacientes para alcançar um Malauí livre do HIV

Apesar de terem tomado grandes medidas para reduzir a prevalência do HIV e o número de pessoas que morrem por causa dele, muitas pessoas no Malauí ainda adoecem e desenvolvem o HIV avançado. Mas um novo modelo de assistência pode ajudar as comunidades a detectar os sintomas do HIV e acelerar o processo de encaminhamento, para que as pessoas que vivem com o vírus recebam atendimento de forma rápida e eficaz.

Cerca de 300 mil pessoas vivem no distrito de Nsanje, no sul do Malauí, na fronteira com Moçambique. Segundo estimativas do governo, 12,5% delas, cerca de 24 mil a 25 mil pessoas, são HIV positivo. Isso é significativamente maior do que a média nacional de 9,2%. Fora do único hospital público do distrito, há um fluxo constante de pessoas que procuram atendimento.

Em outubro de 2019, Austin foi levado de ambulância e internado no hospital distrital de Nsanje. Ele havia perdido muito peso e urinava frequentemente. Ele havia testado positivo para o HIV em 2016 e vinha recebendo tratamento antirretroviral (ARV) desde então, com exceção de um período de três meses em que discutia com a esposa e parou de tomar o medicamento. Uma decisão que teve consequências imediatas.

“Eu briguei com minha esposa; eu disse a ela que seria melhor eu morrer. Parei de tomar meus medicamentos por três meses e logo piorou”, lembra ele.

Situações como a de Austin são comuns. Desde que Médicos Sem Fronteiras (MSF) começou a trabalhar no Malauí, percebeu que as pessoas não mantêm seus programas de tratamento com ARVs por várias razões.
“Alguns acreditam que é melhor procurar ajuda de um curandeiro tradicional”, diz Brains Kamanula, que trabalha com apoio psicossocial e orientação no hospital distrital de Nsanje.  

Outras questões estão relacionadas aos desafios econômicos e à distância. O centro de saúde mais próximo pode estar longe e o transporte para chegar lá pode ser caro. Em vez de ir para o hospital, muitos precisam priorizar o trabalho para sobreviver e sustentar suas famílias.

“As pessoas também não têm conhecimento básico sobre os sinais de alerta do HIV. Embora MSF tenha promotores de saúde que vão às comunidades para conscientizar sobre os sinais de perigo, não podemos chegar a todos”, diz Brains Kamanula. “Quando chegam ao hospital, muitas pessoas já estão muito doentes.”  

Apresentação

O Malauí luta há muito tempo com uma alta prevalência de HIV e o HIV / Aids continua sendo a causa mais comum de morte, com uma estimativa de 13 mil mortes relacionadas à Aids por ano. Nos últimos anos, grandes investimentos foram feitos pelo Fundo Global e pela Pepfar para gerenciar e reduzir o número de pessoas com HIV e alcançar a meta 90-90-90 do UNAIDS até 2020. Essa meta exige que o país se comprometa a garantir que 90% das pessoas que vivem com HIV conhecerão seu status de HIV, 90% das pessoas com uma infecção diagnosticada pelo HIV receberão terapia ARV e 90% das pessoas que recebem terapia ARV terão supressão viral. No entanto, ultimamente, o progresso na redução do número de mortes relacionadas ao HIV estagnou. Em um esforço para melhorar o atendimento às pessoas com HIV avançado¹ no distrito de Nsanje, MSF e o Ministério da Saúde estabeleceram um novo modelo operacional chamado de “círculo de atendimento”.

“O modelo de círculo de atendimento visa reduzir a mortalidade entre pacientes com HIV através da detecção precoce e fortalecimento do sistema de referência dentro do círculo, por exemplo, a comunidade, centro de saúde e hospital. Isso é conseguido ao permitir que as comunidades identifiquem pacientes doentes, garantindo diagnóstico e iniciação eficientes nos centros de saúde e avaliação aprofundada e atendimento de qualidade no hospital distrital”, diz Jomah Kollie, líder da equipe médica do projeto em Nsanje.  

Quando um paciente chega ao hospital distrital de Nsanje, ele é levado para a unidade de avaliação rápida, onde pode ser rapidamente estabilizado e avaliado. Feito isso, o paciente pode receber o tratamento correto e ser internado na enfermaria.

“Não vai acontecer novamente”

Lita, de 25 anos de idade, está sentada com seus pais na sombra do lado de fora da ala feminina do hospital distrital de Nsanje. Para ela, tudo começou quando não estava se sentindo bem no início do ano. Sua família a levou ao hospital, onde ela testou positivo para o HIV. Lita foi aconselhada a começar a tomar medicamentos ARV, mas depois que recebeu alta, ela parou de tomar a medicação. Como resultado, começou a ficar doente novamente. Lita foi internada novamente no hospital distrital de Nsanje em outubro com febre, inchaço no estômago e nas pernas. Desta vez, seu pai está determinado a garantir que sua filha siga seu programa de tratamento.

“Isso não acontecerá novamente, pois estarei por perto”, diz o pai, Gerrald. “Eu estarei lá para garantir que, quando ela acordar, ela tome seus remédios. O mesmo com a dose noturna, assegurarei que, antes que ela vá dormir, ela tenha tomado os medicamentos.”

Poucos dias atrás, Lita não conseguia andar sem apoio. Agora ela está se sentindo melhor, mas sente falta da comida em casa e de sua filha de 3 anos de idade. O próximo passo para Gerrald é também testar a neta.

“Quero trazê-la aqui para testes para conhecermos seu status – se ela é HIV positivo ou negativo”, diz ele.

TRABALHO NA COMUNIDADE

O círculo de atendimento começa no nível da comunidade. Aqui, os profissionais de saúde comunitária de MSF trabalham com as autoridades tradicionais, grupos de pacientes e associações locais para reforçar as estruturas comunitárias existentes e identificar aqueles que estão doentes e precisam de mais cuidados, criando uma conscientização da comunidade sobre sintomas e sinais de perigo.  

“Anteriormente, a maioria das atividades de HIV / TB era realizada nas unidades de saúde e não muito nas comunidades. Como resultado, as pessoas que falharam no tratamento não tiveram acompanhamento adequado ”, explica Moses Luhanga , gerente de informação e educação.

Quando alguém é sinalizado como necessitando de tratamento adicional, é encaminhado para um centro de saúde próximo. Aqui, MSF, trabalhando com o Ministério da Saúde, instituiu um pacote de cuidados que começa com uma avaliação muito rápida e alguns testes; CrAG para meningite criptocócica, contagem de CD4 e um teste dos níveis de açúcar no sangue e urina. Uma vez estabelecido que o paciente tem uma condição que requer gerenciamento avançado, ele é encaminhado ao hospital distrital.

Recebendo alta

De volta ao hospital, Austin está se preparando para receber alta. Ele e a esposa estão embrulhando cuidadosamente seus pertences em chitenjes, tecidos tradicionais usados no Malauí. Após 12 dias no hospital, eles ficam felizes em voltar para casa. Ele foi diagnosticado com diabetes; assim como ser HIV positivo, é uma condição que ele deve administrar pelo resto da vida.

Para garantir que Austin e todas as outras pessoas que vivem com HIV e recebem alta atinjam seus programas de tratamento e não retornem ao círculo do HIV avançado, MSF tem um procedimento pós-alta onde os conselheiros os visitam.

Embora o distrito de Nsanje esteja próximo de atingir as metas 90-90-90, o próximo desafio será garantir que as pessoas que usam medicamentos para o HIV continuem seu tratamento e recebam cuidados de qualidade quando ficarem doentes. Mas levar as pessoas a conhecer seu status e iniciar o tratamento é um passo na direção certa. Antes da implantação do círculo de atendimento no distrito, as estatísticas do hospital distrital de Nsanje indicaram que 27% das pessoas que entravam no hospital com HIV avançado morriam. Mas desde a implementação do sistema, houve uma redução gradual na taxa de mortalidade de pacientes hospitalizados com HIV avançado; no último ano, a taxa de mortalidade foi inferior a 15%.

Para Austin, obter os cuidados de que precisava não apenas o deixou bom; também o inspirou a garantir que outras pessoas que vivem com HIV conheçam seu status e, então, iniciem e continuem o tratamento que salva vidas.
“Quero ser a voz da mudança na minha comunidade. Quero encontrar pessoas que vivem com HIV e mudar essa comunidade para estar livre de doenças. Depois de ser cuidado, não posso ficar aqui enquanto alguém está sofrendo.”

¹  A Organização Mundial da Saúde (OMS) define HIV avançado como pacientes com uma contagem de células CD4 abaixo de 200 células/mm3, ou um estágio clínico 3 ou 4 da OMS, ou todas as crianças com menos de 5 anos na apresentação do atendimento.

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