“Às vezes, a conversa é médica; outras vezes, é simplesmente humana”

Em Histórias de MSF, Mia Kolak, obstetriz, fala sobre seu trabalho com mulheres migrantes na ilha de Samos, na Grécia

Mia Kolak, obstetriz na Unidade Móvel de Saúde de MSF no acampamento de Samos, na Grécia ©/MSF

“Quando cheguei a Samos, uma ilha na Grécia perto da costa turca, para meu primeiro trabalho com MSF, entrei em um mundo marcado pelo movimento, pela resiliência e pela profunda vulnerabilidade.
Após chegarem de barco em Samos, migrantes vindos de países como Afeganistão, Síria, Palestina, Eritreia, Sudão, Serra Leoa, Camarões e Congo são enviados para uma estrutura chamada Centro de Acesso Controlado Fechado (CCAC, na siga em inglês). Aproximadamente 58% são mulheres e crianças, muitas das quais enfrentam longas e perigosas jornadas — guerra, violência, pobreza e profunda insegurança.

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Como obstetriz, faço parte da equipe de saúde sexual e reprodutiva (SSR, na sigla em inglês) de MSF. Nosso modelo de atendimento está alinhado ao chamado ‘modelo sueco’ — um sistema no qual as obstetrizes são as principais responsáveis pelo atendimento em todos os aspectos da SSR para mulheres e meninas.

Em nossa abordagem, oferecemos um atendimento contínuo, adequado à idade e centrado na pessoa, apoiando nossas pacientes em todas as fases da vida — da menstruação e fertilidade à gravidez, parto e menopausa. É esse o método que aplicamos em nosso trabalho em Samos.

Da direita para a esquerda: a médica Méabh Ní Bhuinneáin, o médico Michalis Konomi e a obstetriz Mia Kolak durante treinamento de equipe na Unidade Móvel de MSF em Samos ©MSF

Oferecemos uma ampla variedade de serviços: aconselhamento contraceptivo, cuidados pré-natais e pós-natais, tratamento para IST e outras infecções e apoio a sobreviventes de violência sexual e de gênero e mutilação genital feminina.

 

Como trabalhamos para a saúde e segurança das mulheres

Junto de nossos mediadores interculturais, buscamos criar espaços seguros, em que a confiança possa ser cultivada e as mulheres se sintam ouvidas e fortalecidas. Apoiamos aquelas que estão se recuperando de traumas, outras que sofrem pressão para ter filhos, e as que vivem com a dor da infertilidade ou a incerteza de ciclos menstruais irregulares.

Prestamos atendimento dentro do acampamento três dias por semana para casos agudos e para quem não pode sair. Em nossa unidade de saúde na região central da cidade, nosso atendimento acontece dois dias por semana, e lá é possível realizar consultas mais longas. MSF organiza transporte para garantir o acesso de todas as mulheres, independentemente de sua situação.

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Falamos abertamente sobre temas muitas vezes considerados sensíveis: saúde menstrual, pressão familiar, contracepção, ISTs, mutilação genital feminina. Às vezes, a conversa é médica; outras vezes, é simplesmente humana.

Não é fácil. Ouvimos histórias de violência sexual de muitas mulheres. Especialmente aquelas que viajam sozinhas ou com crianças, enfrentam riscos imensos.”

Algumas chegam grávidas após relações não consentidas. São situações que exigem profunda compaixão e um cuidado que vai muito além do tratamento clínico.

Apesar das dificuldades, vejo força todos os dias. A obstetrícia aqui não se resume somente a prestar cuidados. É sobre estar presente, mostrar que se está lá e de dar espaço. É fazer com que as mulheres saibam que elas têm escolhas, que seus corpos são delas e que não estão sozinhas.

Por meio desse trabalho, nosso objetivo não é apenas oferecer cuidados médicos, mas empoderar. Oferecer às mulheres informações e o apoio que precisam para tomar decisões informadas sobre si mesmas.

Para mim, este é o objetivo do trabalho de obstetriz e de oferecer cuidados em contexto migratório.

 

Esperança após a jornada

Na foto, estou segurando um bebê recém-nascido. Após uma jornada muito perigosa, a criança e a mãe estão bem agora. No final da gestação, ela atravessou o mar, arriscando sua própria vida e a do bebê na esperança de encontrar segurança para ambos.

A obstetriz Mia Kolak segura um recém-nascido na unidade móvel de saúde de MSF em Samos, na Grécia. ©/MSF

Durante toda a gravidez, na Turquia, a mãe não teve acesso a atendimento médico para ela e o bebê, pois vivendo sem status legal, não conseguia acessar ajuda médica por medo da ser presa ou deportada. Ela tentou cruzar o mar rumo à Grécia diversas vezes antes de finalmente conseguir.

Determinada a construir uma vida melhor para si e para o seu bebê, a mãe finalmente chegou a Samos e deu à luz em segurança no hospital local.”

 

O planejamento familiar é parte fundamental de todos os projetos de saúde materna e de saúde sexual e reprodutiva de Médicos Sem Fronteiras. Além de oferecer cuidados médicos e apoio à saúde mental, MSF garante o acesso das pacientes a métodos contraceptivos e fornece orientações sobre seu uso, para que mulheres e meninas possam tomar decisões informadas e seguras sobre seus corpos, seus direitos e seus futuros.

 

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