Primeira vez no Oriente Médio

Enfermeira brasileira fala sobre experiência trabalhando à distância com profissionais sírios

Há três meses, estou vivenciando muitas coisas novas com Médicos Sem Fronteiras (MSF). Desde então, muitas coisas ficaram diferentes para mim: a cultura, o estilo de vida, a visão de mundo e, claro, os problemas. Por conta de questões de segurança, trabalho à distância para um projeto que acontece na Síria, na Província de Aleppo, como enfermeira supervisora. Porém, me sinto muito perto de tudo.

Sim, exato: este projeto está acontecendo de uma forma que chamamos “controle remoto”, ou seja, trabalho com uma equipe de sírios que está dentro do país administrando todas as atividades do projeto; trabalhamos juntos promovendo treinamentos, recrutamento, reuniões em equipe, tudo com o objetivo de melhorar a qualidade da assistência oferecida à população. Para tal, fazemos uso de todos os meios de comunicação possíveis (Skype, celular, whatsApp, mensagens de texto – quando um não funciona, tentamos o outro), sabendo que a rede de comunicação não é das melhores. Essa situação desperta um sentimento de angústia, às vezes, porque gostaria de estar trabalhando lado a lado com essa equipe fantástica. Sim, pois como poderiam não ser fantásticas essas pessoas que, de uma forma corajosa, trabalham diariamente sob pressão para oferecer assistência à sua própria população em meio a conflitos diários, sem a possibilidade de saber o que será do amanhã. E, quando converso com eles (via Skype), estão sempre com um sorriso no rosto, procurando dar o melhor de si com aquilo que podem.

Neste projeto, MSF tem um hospital que oferece consultas diárias e internação quando necessário. A instalação está preparada para receber emergências, estabilizar o paciente e referenciar para outras unidades, para receberem tratamentos mais especializados, como ortopedia, cirurgias, e para a realização de exames mais específicos. O time está sempre pronto para receber qualquer casualidade da linha de frente de batalha, e responder imediatamente.

Também estamos envolvidos com um programa de doação de medicamentos e suprimentos médicos, oferecendo suporte a mais de 20 unidades de saúde na cidade de Aleppo. E é ali que se concentra quase 80% do meu trabalho: administrar todo o nosso estoque e preparar as doações, procurando manter a qualidade dos nossos serviços e garantir o suprimento de todas essas unidades que estão no meio do fogo cruzado.

Posso dizer que após este tempo, parece não haver lugar seguro na Síria. Nossa farmácia vive sob tensão, com ataques que ocorrem nas proximidades, fazendo com que a equipe tenha de se abrigar em um local seguro e esperar por um tempo até que a situação se acalme. Essas situações me deixam com o coração aflito, porque estou sempre em contato com eles quando algo acontece, e, sem poder ajudar muito, ofereço o suporte que está dentro das minhas limitações atuais. Confesso que nesses momentos, de uma forma estranha, eu gostaria de estar lá com eles. Sempre que isso acontece, fico refletindo sobre a forma e as condições às quais esses profissionais estão diariamente expostos. E, por mais que sempre me digam “está tudo tranquilo, Joyce”, no fundo, sei que há um sofrimento que cala dentro de cada um deles.

Mas é esse time de profissionais que, antes de tudo, são seres humanos fantásticos, que dão sentido aos meus dias e fazem com que eu encontre a real razão de estar aqui, deixando qualquer dúvida de lado, se é que algum dia ela existiu. Por aqui sigo, com a certeza de que aqui quero estar, e que ainda tem muita coisa para acontecer.

O hospital citado por Joyce no texto está, atualmente, fechado.
 

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