Nunca é tarde para trabalhar com MSF

Mário Braga fala como foi trabalhar em seu primeiro projeto humanitário depois de se aposentar

Nunca é tarde para trabalhar com MSF

Estou em Bangui, República Centro-Africana, em meu primeiro projeto de MSF. Aposentei-me em 2015 e a oportunidade da experiência com a organização surgiu meio de repente. Ser aceito e designado para meu primeiro projeto fez-me sentir muitos anos mais jovem!

Como gerente de compras, meu trabalho é reorganizar as compras locais, estruturar o cadastro de fornecedores e formalizar contratos de médio prazo para encurtar etapas dos processos de compras com a transparência e a segurança jurídica exigidas pela nossa Carta de Princípios.

Chego cheio de dúvidas e inseguranças, num contexto delicado e volátil. A equipe da área de suprimentos com que vou trabalhar me recebe com muita cordialidade e muitas expectativas mais. A posição que vou ocupar é nova na estrutura do projeto, sou o primeiro na função.

Bangui é muito pobre mesmo, muito mais do que imaginava. Mas é vibrante, multicolorida, surpreendentemente bem-humorada. Minha função demanda o contato permanente com fornecedores, visitas e inspeções frequentes e a negociação de contratos. Tenho mobilidade bem maior do que a maioria dos outros profissionais internacionais. Distâncias curtas e relativamente pouco tráfego permitem chegar à maior parte dos fornecedores em 10 ou 15 minutos de carro.

Calor de 40° C. Eu e Loic, o gerente de suprimentos de nossa clínica, entramos no velho Mike 33, o mais velhinho dos automóveis de MSF. Nosso motorista é Cyrano de Bangui, ‘pas de Bergerac’* como ele gosta de enfatizar! Vamos visitar a ‘Association des Femmes Capables’ (Associação de Mulheres Capazes) um dos pequenos – mas importante – fornecedores de legumes e verduras frescos para a clínica. Cruzamos o PK5, uma das áreas críticas de Bangui, palco dos enfrentamentos mais sérios dos últimos meses.

Após quase 50 minutos de viagem chegamos a uma das áreas mais pobres da paupérrima Bangui. Pátio de terra batida, impecavelmente varrido, em meio a barracos de madeira e zinco. Cerca de20 mulheres sentadas em tábuas dispostas em círculo. Todas vestindo suas roupas “de gala”, multicoloridas, perfumadas. Num ponto do círculo, cadeiras de plástico, lavadas, brilhantes. Reservadas para nós, clientes especiais e convidados de honra. Mesa também de plástico com o mostruário da produção da associação.

A senhora Roseline Saramape, presidente da associação, nos indica os lugares. Sentamos e ela toma a palavra para ler o discurso cuidadosamente preparado. Começa agradecendo a visita, primeira visita de um cliente à associação, e justo o mais importante – MSF. Fala de como elas, as associadas, veem nosso trabalho, das vidas salvas na clínica. E começa a contar como se formou a associação.

Nós criamos nossa associação durante os acontecimentos de 2014, para provar que éramos capazes de sobreviver, para provar que podíamos fazer… para que nossos filhos não morressem de fome…

A garganta aperta, não consigo controlar as lágrimas. Difícil reencontrar a voz para agradecer.

*Referência ao livro Cyrano de Beregerac, de Edmond Rostand.
 

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